Toda história começa em algum lugar. Bertha Benz, por exemplo, foi a primeira mulher a dirigir um carro por uma longa distância, em 1888, na Alemanha. No Brasil, a primeira revista automotiva nacional surgiu por volta de 1911 e era denominada Revista de Automóveis. Já a história da Renault começou com o engenheiro Louis Renault, que em 1898, na França, claro, transformou um triciclo em automóvel. Bom, acredito que Louis não imaginaria aonde a indústria automotiva chegaria 127 anos depois.
Pulamos para 2025. A marca, pela primeira vez, decidiu produzir um SUV médio no Brasil: o Boreal. E eu tive a oportunidade de ajudar a fabricar o modelo no Complexo Ayrton Senna, em São José dos Pinhais (PR). A unidade recebeu aporte de R$ 2 bilhões — dentro do ciclo de investimentos de R$ 5,1 bilhões entre 2021 e 2025 anunciados pela Renault.
Para registro: participei da produção de verdade! Vi, de fato, o nascimento de um Renault Boreal. Como jornalista, já visitei algumas fábricas, e devo dizer que os processos são muito mais complexos na prática do que na teoria, o que me faz repensar até a maneira de avaliar um carro. Afinal, tudo tem uma explicação.
Com 5.118 colaboradores, sendo 3.118 na linha de montagem, a fábrica da Renault tem capacidade de fazer 380 mil veículos por ano e até 60 unidades por hora. Atualmente, segundo Carlos Carrinho, diretor de fabricação do complexo, estão sendo produzidos cerca de 48 carros por hora na unidade de veículos de passeio. Lá são feitos Kwid, Kardian e, desde outubro deste ano, o próprio Boreal.
A expectativa é de aumentar a operação após o período de adaptação para receber o SUV. Na linha, estão sendo produzidas aproximadamente dez unidades do Boreal por hora. Ou seja, o SUV já ocupa 20% da produção, e a marca quer aumentar essa cadência em 2026.
A fábrica funciona em dois turnos e o ritmo chega a ser insano. Pessoas concentradas, movimentos ágeis e robôs trabalhando. A unidade fabril, com área de impressionantes 2,5 milhões de metros quadrados, teve reconhecimento do World Economic Forum por aderir à chamada Indústria 4.0, ou quarta revolução industrial, graças ao uso de automação e inteligência artificial na operação.
Na fábrica, tudo começa na estamparia, onde chapas de aço são cortadas e moldadas para criar o formato do veículo. Soldadas, essas peças seguem para a ala da carroceria. Foi ali que, muito bem supervisionada, apertei os primeiros parafusos de uma unidade do Boreal. Com um operador experiente, o processo leva menos de um minuto, mas eu precisei de um pouco mais de tempo, mesmo tendo passado pelo curso de destreza. E o que parecia um simples aperto de parafuso na aula era, na verdade, exemplo de segurança.
Existe um controle de qualidade em cada etapa da fabricação, por meio do qual pessoas conferem de próprio punho os processos. “O operador faz o processo e a máquina ajuda”, diz Carrinho.
Depois, vem a fase mais demorada: a pintura. Nesse caso, grande parte da linha é robotizada, funcionando em uma perfeita fila. A visita ao local exige roupa específica, pois até a queda de um cílio dos olhos pode atrapalhar a integridade da operação. A carroceria passa por banhos em diversas soluções, inclusive água desmineralizada. O pré-banho de fosfatização também ajuda na proteção contra corrosão e ferrugem. Em seguida, as carrocerias secam em grandes estufas.
Depois dessa preparação, acompanhei a pintura final do Boreal, com uma cor inédita: a azul Mercure. Na Renault, o setor mescla a operação humana com a automatizada. No início, funcionários — que mais parecem astronautas, por causa das vestes — pintam manualmente o interior das carrocerias com pistolas. A linha, em movimento, segue para o processo de trabalho dos robôs, que são configurados para pintar cada unidade da sua cor e passar o verniz. Os robôs, curiosamente, também usam roupas de proteção.
Algo interessante é que a fábrica da Renault no Paraná usa apenas energia fotovoltaica. Além disso, o complexo trabalha com reservatórios de água para reúso — tanto que conseguiram reduzir em 24% o consumo de água local de 2023 para 2024. Outra curiosidade é que o setor da pintura é o que mais usa água em todo o processo.
Antes de seguir para a montagem, presenciei uma realidade do dia a dia de uma fábrica: a interrupção da linha por causa de uma “pane”. A operação foi paralisada por alguns minutos e medidas rápidas foram tomadas. Resolvida a questão, o fluxo voltou ao normal. Porém, como o tempo não para, as unidades que não foram produzidas durante o período precisam ser recuperadas para fechar a meta do dia. O show não pode parar.
Volto à produção em uma ala recém-inaugurada pela Renault: a de instalação do teto solar, visto que o Boreal é o primeiro carro nacional da marca a ter o equipamento. Instalei o teto em conjunto com outros funcionários. Em meu primeiro dia como operária, foi a parte mais difícil. Esse setor, assim como outros, tem um sistema batizado de “antiesquecimento”, com um controle de todo o parafusamento para garantir a segurança. Esse é um dos objetivos dos cursos de destreza, em que se aprende o ângulo correto da parafusadeira e como agilizar processos.
Na montagem, algo que chamou minha atenção foi uma espécie de “dojô” do Boreal no meio da fábrica. Ali estava toda a essência do SUV: motor, fios, chicotes, comandos e tudo que faz o modelo funcionar, servindo como um gabarito em tamanho real para os operários, que se aproximam para observar a estrutura e conferir os resultados. Afinal, o nível de eletrônica do SUV médio é maior em relação a outros modelos da marca.
Após receber a parte mecânica e a própria plataforma, o veículo segue para os testes de segurança e rodagem. Segundo a Renault, esse setor recebeu grande parcela do aporte de R$ 2 bilhões. Afinal, o Boreal é o primeiro carro nacional da empresa a ter até 24 sistemas de condução semiautônoma. Até então, o que tinha a maior quantidade era o Kardian, com 13 itens.
Nem parece que demanda tanto tempo e tantas etapas para construir um carro. Ainda mais que nem tudo acontece apenas na fábrica. Na sede de operações, por exemplo, há um grande painel que acompanha todo o movimento do complexo. São infinitos números observados a todo momento.
Nesse mesmo local, há um controle de qualidade das unidades que já estão com os clientes. Carrinho diz que demora menos de duas horas para que um problema identificado em um carro chegue ao conhecimento da fábrica, fazendo com que a resolução tenha tempo reduzido.
Importante dizer que os cursos de destreza que comentei não param. A marca já prepara funcionários pensando na transição para os conjuntos eletrificados. “A partir do momento em que [a marca] começa a pensar em novos projetos, faz parte do nosso cotidiano a capacitação”, afirma o diretor de produção.
Por ter participado de uma montagem, fui escolhida para dar a “primeira partida” em uma unidade do Renault Boreal. Ali, prontinha para seguir para uma concessionária. Entre mãos e robôs, peças e fios, tintas e estufas enormes, o Boreal está feito. Um trabalho que começa no operário, mas também envolve muita tecnologia. Fico imaginando o que Sir. Louis acharia dessa operação, ainda mais de um carro inédito, que foi pensado do parafuso ao teto solar para o mercado brasileiro. Em resumo, o início de mais uma história.
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Fonte: direitonews




