Quando um brasileiro ouve o termo “carro nacional”, é natural imaginar que o veículo foi produzido integralmente no Brasil, com peças locais e montagem do início ao fim. Na prática, o conceito é mais complexo. Muitos modelos vendidos aqui chegam parcialmente desmontados do exterior e passam por processos de montagem em fábricas locais, em processos conhecidos como SKD e CKD.
Esses processos combinam soluções de eficiência logística, benefícios fiscais e adaptação às condições de mercado. Essa realidade volta ao centro das atenções em 2025, com a chegada de novas fabricantes chinesas ao Brasil. Empresas como BYD, GWM e Chery adotam diferentes estratégias para se estabelecer no país: algumas investem em fábricas completas, outras trazem modelos via kits para montagem em território nacional, como SKD e CKD.
A sigla CKD vem do inglês completely knocked-down. Nesse formato, o veículo chega ao país praticamente desmontado em maior grau: centenas de peças separadas que exigem uma linha de montagem mais complexa e maior esforço produtivo local. É como receber um enorme quebra-cabeças, em que cada parte precisa ser ajustada e montada para dar origem ao carro final.
“O CKD demanda mais esforços e recursos para montagem, já que não necessariamente todos os componentes vêm organizados em kits”, explica Clayton Zabeu, professor de engenharia mecânica do Instituto Mauá de Tecnologia.
Esse modelo costuma ser utilizado quando a montadora busca maior flexibilidade para integrar fornecedores locais, adaptar o projeto às necessidades da região ou até elevar o índice de nacionalização de componentes, o que pode trazer vantagens tributárias e comerciais.
Já o SKD significa semi knocked-down, representa um nível intermediário de montagem. Nesse caso, os veículos chegam em kits mais organizados, em que carroceria, motor e transmissão já estão prontos, restando à fábrica brasileira integrar os principais conjuntos e adicionar itens menores, como sistemas elétricos, interiores e acabamentos.
“Nos processos SKD, os kits trazem praticamente tudo o que é necessário para montar o carro, enquanto no CKD há maior granularidade das peças”, detalha Zabeu.
O formato SKD costuma ser mais rápido e barato de implantar, servindo como porta de entrada de uma marca em novos mercados. Muitas vezes, funciona como etapa inicial antes de uma eventual nacionalização mais profunda, à medida que a montadora aumenta sua participação no país.
A história da indústria automotiva brasileira está repleta de casos de carros montados via CKD ou SKD.
Esses exemplos mostram como CKD e SKD podem ser etapas transitórias para viabilizar a entrada de novas marcas, reduzindo custos iniciais e preparando o terreno para a produção local.
Do ponto de vista das fabricantes, o CKD oferece maior potencial de customização e integração com fornecedores locais, mas exige mais investimentos em mão de obra, logística e infraestrutura. O SKD, por sua vez, é menos complexo, permitindo que uma empresa inicie operações rapidamente com menor custo, embora reduza as possibilidades de adaptação do produto às especificidades do mercado brasileiro.
Na prática, a escolha entre CKD e SKD está diretamente ligada à estratégia de cada fabricante. Marcas que desejam se consolidar no Brasil a longo prazo podem começar com SKD para reduzir riscos e, com o tempo, migrar para CKD ou até para a produção completa.
Uma dúvida recorrente entre consumidores é se o tipo de montagem afeta o preço do carro ou sua qualidade. Para Zabeu, não existe uma resposta única: “O preço final ao consumidor não segue uma regra geral, porque depende de uma combinação de fatores: impostos, custos de produção, taxas de importação e até a estratégia de precificação de cada marca”.
Em termos de qualidade, o professor ressalta que não há diferença entre um carro montado localmente por CKD, SKD ou produzido integralmente em linha convencional, desde que sejam seguidos os mesmos padrões de projeto e controle: “Desde que sejam respeitadas as especificações dos componentes e os procedimentos de qualidade, não deveria haver diferença entre um carro CKD, SKD ou produzido de forma convencional”.
No Brasil, a estrutura tributária tem papel central nessa decisão. Importar um carro pronto muitas vezes é mais caro do que trazer kits para montagem, o que incentiva as montadoras a adotarem CKD ou SKD como forma de otimizar custos. Além disso, regimes específicos de incentivo, como programas de estímulo à produção local ou acordos comerciais, podem tornar uma ou outra modalidade mais atrativa em determinados momentos.
“As alíquotas de taxação têm impacto, mas não são o único fator: a decisão envolve também infraestrutura de montagem e o plano de penetração da marca no país”, destaca Zabeu.
Com a nova onda de investimentos chineses, é provável que o Brasil veja uma combinação de estratégias. Enquanto algumas empresas apostam em fábricas completas, outras devem adotar inicialmente o modelo SKD para acelerar sua entrada no mercado, com possibilidade de migrar para CKD ou produção integral conforme consolidem suas operações.
Assim, o conceito de “carro nacional” continuará em transformação. Mais do que olhar apenas para onde o veículo foi montado, é preciso entender a complexa rede global de produção, logística e negócios que define o caminho de cada modelo até chegar à garagem do consumidor brasileiro.
Quer ter acesso a conteúdos exclusivos da Autoesporte? É só clicar aqui para acessar a revista digital.
Fonte: direitonews


