Dirigimos na pista de teste proibida da Fiat no telhado de antiga fábrica


Lingotto é uma aula de história. Primeira grande fábrica da Fiat, fica na cidade italiana de Turim. Inaugurada em 1923 e fechada em 1982 (o último carro a sair de lá foi o icônico Lancia Delta), se transformou com ajuda do arquiteto Renzo Piano e hoje é um complexo com lojas, museu e abriga até mesmo unidade do Instituto Politécnico local.

Mas nada disso supera o que há no terraço. Lá, no topo de Lingotto, a quase 30 metros do chão, encontra-se a lendária pista oval de testes da fábrica. Até hoje mantida pelos Agnelli (família principal acionista da Stellantis), tem cerca de 1,5 km e é notória por suas duas curvas parabólicas, inclinadas, a fim de pôr os veículos à prova.

À época da produção, os veículos seguiam uma linha fordista basicamente em um esquema de montagem vertical. Cada etapa era realizada em um dos andares, conectados por rampas em forma de caracol, culminando com o produto final no topo — onde era testado em pista e aprovado (ou não) para comercialização. Quando apto, o veículo voltava ao térreo para distribuição.

Desde o fechamento da fábrica, a “Pista 500 de Lingotto” se tornou atração para turistas, que por lá caminham e tiram fotos. Dirigir, só com autorização da Fiat e, por conseguinte, da Stellantis. E Autoesporte foi um dos poucos veículos do mundo a dar uma volta no lendário circuito.

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A pista foi desenvolvida por Benedetto Camerano. E, embora da Fiat, foi imortalizada por meio da aparição de modelos da Mini em “Um Golpe à Italiana” (“The Italian Job”), filme britânico de ação lançado em 1969 e estrelado por Michael Caine. A película, óbvio, se passa em Turim e temos um vislumbre de Lingotto na obra.

A reportagem teve a honra de guiar na icônica pista um exemplar do Abarth 600e Scorpionissima, versão envenenada do modelo com motor síncrono de 281 cv de potência e 35,2 kgfm de torque. Unidades do 600 elétrico “mortal”, bem como do 500, também estavam à disposição do grupo. O tempo, contudo, era curtíssimo.

Por prudência, fomos impedidos de levar o Abarth 600e Scorpionissima, provável postulante ao mercado brasileiro, ao seu limite. Isso porque a Fiat impôs limite de velocidade de 20 km/h para rodar na pista. O que é muito justo, já que, mesmo íntegro, o centenário asfalto não é mais o mesmo que suportava ataques de até 90 km/h. Ou seja, todo cuidado era, de fato, pouco.

Portanto, este texto pede que você contemple, pare, e imagine com calma o que permeia o local. Hoje, o terraço que conta com a pista de Lingotto é um dos maiores jardins suspensos da Europa (com mais de 40 mil plantas). Além disso, temos, em área fechada, suspensa, a Pinacoteca Agnelli. Giovanni e Marella Agnelli doaram 25 obras ao acervo fixo, composto pelo impressionismo de Pierre-Auguste Renoir, pelo cubismo de Pablo Picasso e Gino Severini e, claro, com a arte de Henri Matisse — um favorito da família.

Assim, a pista acaba se transformando de certo modo em instalação artística. Há obras ao redor, e o verde que a permeia é encantador. Cenário muito mais plácido que o enfrentado, certamente, pelos pilotos de teste da Fiat ao volante de unidades, por exemplo, do 124 e do Topolino; o “primeiro 500”.

Até mesmo porque, uma das pistas mais exclusivas do mundo é deveras desafiadora. Estreita, não tem retas propriamente ditas. O condutor sempre tem de dar uma corrigida ou outra no volante para manter o carro no prumo.

As parabólicas são um show particular. Não pudemos testar a parte de fora das curvas, mais elevadas (a Fiat não soube dizer qual é o ângulo de inclinação). No entanto, mesmo, assim por dentro (e numa velocidade de centro urbano) fomos ao menos capazes de sentir as trepidações advindas do asfalto. Uma delícia.

Se você ainda continua a se perguntar o motivo, a explicação é simples. A pista de Lingotto foi construída no terraço por mera esperteza e engenhosidade. Com o objetivo de otimizar espaço, os Agnelli construíram uma linha de produção em série inspirada na que Henry Ford criou em Detroit. Sem o mesmo terreno disponível, a solução foi dividir a linha de produção em andares. Cinco, mais precisamente. Já mencionamos tal “truque” no início deste texto.

Desse modo, a fabricante era capaz de fazer e validar seus carros na subida e depois descer com os mesmos prontinhos para os consumidores. Evidentemente, tal sistema criou gargalo, que levou a Fiat a construir posteriormente a unidade de Mirafiori (também na região de Turim).

Mesmo assim Lingotto perdurou até 1982. Vale dizer ainda que durante o regime fascista, a classe operária de Turim praticou, no início, oposição silenciosa, que estourou em greve no ano de 1943. As paralisações tiveram início em Mirafiori, mas trabalhadores da primeira grande fábrica da Fiat também aderiram ao movimento de resistência. Tal reverberou para boa parte da sociedade civil.

Tanto é que temos nos murais da pista de Lingotto referências ao antifascismo. Pois é. Justamente por isso, tenho de finalizar este texto do mesmo jeito que o encetei:

Lingotto é uma aula de história. Aula esta que é aberta ao público das terças aos domingos. Um programa absolutamente imperdível para qualquer fã de automóveis e de cultura em geral.

Ah! E ainda temos outra curiosidade muito bacana acerca do espaço. As janelas de Lingotto inspiraram o conjunto óptico do Fiat Grande Panda, que terá sua versão brasileira lançada em 2026. Além disso, no painel do compacto temos a presença de desenho da lendária pista com direito a carrinho e tudo sendo posto à prova. Legal demais.

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Fonte: direitonews

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