Análise: liderados pelo Brasil, países amazônicos dão recado quanto à tutela da segurança da região


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou nesta terça-feira (9) o Centro de Cooperação Policial Internacional (CCPI) da Amazônia, em Manaus. A cerimônia contou com a presença do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e da vice-presidente do Equador, Maria José Pinto.
Com um investimento de R$ 36,7 milhões, provenientes do Fundo Amazônia, o centro é parte do Plano Amazônia: Segurança e Soberania, lançado em julho de 2023, com o objetivo de ampliar ações de inteligência para o combate a crimes que afetam a floresta, observando as especificidades dos nove estados que compõem a Amazônia Legal (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Roraima e Tocantins).
A inauguração ocorre poucos dias após Lula, em discurso na Cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), chamar para os países amazônicos a responsabilidade sobre a defesa da região, acusando países ricos de usar a proteção ambiental e o combate ao crime organizado como pretexto para promover o protecionismo e a violação da soberania.
À Sputnik Brasil, o professor de direito processual penal da Universidade Mackenzie Alphaville, Túlio Felippe Xavier Januário, afirma que o enfrentamento da criminalidade organizada e transnacional depende, via de regra, de uma atuação conjunta e integrada entre órgãos de inteligência, prevenção e persecução penal dos diferentes países envolvidos.
“Esses desafios são agravados tanto pela fragilidade dos órgãos de controle e fiscalização quanto pelos entraves inerentes à presença de diversos países – e, consequentemente, múltiplas jurisdições – que compõem a chamada Amazônia Internacional”, explica.
Nesse contexto, ele aponta que o CCPI “tende a se configurar como um importante instrumento de cooperação internacional”, se, conforme declarado, contar com os recursos financeiros e tecnológicos necessários para executar suas funções, além do engajamento político dos países envolvidos.
Januário destaca que o Brasil tem sido frequentemente associado, por países centrais, a uma suposta leniência em relação às atividades de organizações criminosas, especialmente aquelas envolvidas com o tráfico de drogas e crimes ambientais.
“Abstraindo-se dos interesses políticos e econômicos escusos que subjazem a tais afirmações, é certo que a implementação do CCPI representa uma resposta contundente a essas alegações, reafirmando o compromisso — e a responsabilidade — do Brasil e dos demais países sul-americanos com a preservação ambiental e o enfrentamento da criminalidade nessa área.”
Ele acrescenta que a tentativa de imposição, por parte de países centrais, de regulações e políticas ambientais não é um fenômeno propriamente novo.
Desde o desenvolvimento da regulação de proteção ambiental, a partir da década de 1970, há um conflito latente entre países periféricos, detentores de vastas riquezas naturais, interessados em sua exploração para fins de desenvolvimento, e países centrais, que já exploraram seus recursos e hoje veem a preservação de reservas em outros países como essencial a sobrevivência humana.
“Ainda que seja racionalmente indiscutível a necessidade imperiosa da preservação ambiental como forma de proteção das gerações futuras, é fundamental que se encontre um ponto de concordância prática entre essa proteção e o respeito à soberania nacional, a qual não pode ser colocada em xeque. De todo modo, é certo que a implementação da CCPI envia um recado claro quanto ao papel central dos países sul-americanos na tutela da segurança amazônica.”
Thiago Rodrigues, cientista politico e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), considera que o CCPI é uma iniciativa de “grande importância”, que parece ser a correta no enfrentamento ao crime organizado transnacional.
“Porque [O CCPI] reúne representantes dos países amazônicos e dos estados brasileiros com Amazônia Legal para compartilhar informações e inteligência. Não é possível enfrentar o crime organizado de forma isolada e apenas reativa, com ações repressivas locais”, afirma.
Ele destaca que, se o crime organizado não respeita fronteiras, os países têm que encontrar formas de colaborar de modo ágil e integrado.

“O CCPI é um recado claro para o mundo de que o Brasil e os países da Amazônia têm condições de cuidar do bioma amazônico com recursos próprios. Deveria haver um CCPI também para o Cone Sul, com os mesmos propósitos.”

Priscila Villela, professora do curso de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e vice-coordenadora do Núcleo de Estudos Transnacionais de Segurança (NETS), afirma que a iniciativa é importante, porque muitos dos esforços regionais que o Brasil esteve envolvido até hoje no campo policial foram mediados pelos EUA.
“Mesmo nas relações que o Brasil tinha com os países vizinhos como Colômbia e Bolívia, era muito comum ter intermediação dos EUA”, afirma.
Villela afirma que a iniciativa mostra o protagonismo dos países latino-americanos em se organizarem sem dependerem dessa mediação e das “agendas colocadas pelos EUA”.
Segundo ela, a Amazônia se tornou um ponto nevrálgico para o combate ao narcotráfico por conta das divisas existentes na região entre os principais produtores cocaína: Colômbia, Peru e Bolívia. E tanto a fronteira terrestre quanto os rios servem de canal importante de logística para a entrada da droga.
Ao mesmo tempo, ela afirma que a região, com muitas áreas de mata densa, permite a construção de canais em áreas de difícil vigilância, o que torna importante essa cooperação policial de inteligência para identificar essas rotas.
Entretanto, ela afirma que é necessário observar se a cooperação terá uma abordagem autônoma ou será alinhada à postura dos EUA em relação ao narcotráfico, uma vez que as policias dos países que compõem o centro foram profissionalizadas no combate ao narcotráfico de maneira muito próxima e alinhada às polícias norte-americanas, particularmente a Drug Enforcement Administration (DEA), a agência antidrogas dos EUA.
“A gente tem que observar é como que essas polícias e os governos desses países vão se posicionar com relação a essa postura. Se é uma postura norte-americana, se vão comprar essa ideia de que o crime organizado pode se configurar como terrorismo […] ou se eles estão se organizando em resistência ou em busca de alguma autonomia com relação a esse posicionamento.”
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Fonte: sputniknewsbrasil

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