A região fronteiriça, conforme especialistas ouvidos pelo Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, já havia sido alvo de disputas na década de 1930, inclusive com uma guerra protagonizada entre 1932 e 1933.
Na ocasião, segundo Eduardo Gomes, doutor em história e especialista em história da Colômbia, o conflito não foi fácil de resolver e foi preciso a intervenção da diplomacia brasileira para referendar, em 1934, um tratado firmado em 1922, mas que foi rompido com o início da guerra.
“Na época, em Lima, foi feito o Tratado de Salomón-Lozano. Lozano era um líder diplomático colombiano, e Salomón um líder diplomático peruano. Eles fizeram um tratado para reorganizar essas fronteiras. Em 1929, esse tratado foi reafirmado, mas o Peru meio que quebrou quando teve essa guerra citada aqui”, disse o analista.
Gomes acrescenta ainda sobre esse período bélico entre os países, que o protocolo do Rio de Janeiro de 1934 foi “uma forma de resgatar esse tratado de 1922, e ali deixou muito claro que Loreto seria a região do Peru na divisa, Letícia seria a divisão da Colômbia, e Tabatinga a região do Brasil“.
Entretanto, a ilha de Santa Rosa, alvo da tensão diplomática atual entre os países, não existia. O território insular surge na década de 1970, pela sedimentação do rio Amazonas.
17 de janeiro 2024, 18:31
Como a maioria da população local é peruana e Lima já estabeleceu políticas públicas na ilha, em julho deste ano, o Congresso do Peru aprovou uma lei pela qual é criado o distrito de Santa Rosa de Loreto. A medida, feita sem consultar a Colômbia, foi o estopim para o incidente diplomático.
De lá para cá, uma série de comunicados de governo foram publicados pelos dois países, a fim de demarcar posição na disputa. O presidente colombiano, Gustavo Petro, já deixou claro que, para ele, a atitude do Peru viola um tratado em vigor.
“Surgiram ilhas ao norte da atual linha mais profunda, e o governo do Peru acaba de se apropriar delas por meio de uma lei, além de instalar a capital de um município em um terreno que, de acordo com o tratado, pertence à Colômbia”, publicou em rede social.
Conforme Petro, em outro comentário feito através das redes sociais, o governo colombiano faria uso dos “canais diplomáticos para defender a soberania nacional”, deixando claro sobre o que se trata a disputa.
Do lado do governo peruano, além de um comunicado do Ministério das Relações Exteriores rebatendo as acusações, o país fortaleceu a presença do Estado em Santa Rosa.
No dia 15 de agosto, por exemplo, a presidente Dina Boluarte esteve na ilha acompanhada do ministro da Defesa Walter Astudillo Chávez, em cerimônia para reafirmar o patriotismo e a soberania do Peru no território. A demonstração de Lima aconteceu dias depois do hasteamento de uma bandeira da Colômbia no local.
“O que os colombianos reivindicam, por base de seu governo, é que o Peru fez toda essa ocupação e, consequentemente hoje, demonstração de posse da ilha de Santa Rosa de uma maneira que não houve diálogo, uma forma que não respeitou os antigos acordos”, explica Gomes sobre o imbróglio.
Bogotá, portanto, coloca suas demandas sobre a mesa e demonstra que o território tem importância de alguma forma, sobretudo pelo acesso ao rio Amazonas.
25 de março, 17:49
“O rio Amazonas é um espaço que, para a Colômbia, envolve algumas questões que vão ser de cunho econômico, do comércio, do transporte, que é vital para as comunidades de pesca“, afirma o especialista.
De acordo com Andrés Londoño, doutor em ciência política e professor de relações internacionais da Universidad de La Salle, na Colômbia, o porto de Letícia foi ficando cada vez mais longe do rio Amazonas, o que é prejudicial para os colombianos. Segundo ele, por outro lado, obras podem ser feitas para preservar o curso do rio, mas pouco tem sido feito pelo governo do país.
Qual a solução para as tensões em torno da ilha de Santa Rosa?
Embora Colômbia e Peru já tenham guerreado justamente por territórios na tríplice fronteira, os analistas acreditam que os governos devem optar pela resolução por meio da via diplomática. O confronto armado, neste caso, só aconteceria caso esgotassem todas as outras alternativas viáveis.
O tratado vigente, segundo Londoño, carrega lacunas. Um novo acordo, portanto, precisa ser estabelecido entre os países.
“O tratado é fixo, mas o rio é vivo. Ele vai mudando. E isso faz com que esse tratado de mais de 100 anos… Ele não é tão específico sobre a demarcação fluvial entre os dois países, nem consegue dar conta dessas mudanças que têm acontecido.”
Para a atualização de uma norma, o especialista defende que mecanismos do direito internacional sejam usados. Nesse caso, conforme a doutrina, “é preciso definir o talvegue, que é o ponto mais profundo de um lado do rio com o outro ponto mais profundo do outro”.
8 de agosto, 18:15
Ambos os especialistas defendem que, assim como em 1934, o Brasil também seja mediador nesse caso para uma solução doméstica, sem precisar de uma etapa que acione organismos internacionais.
Já há, inclusive, um diálogo do Brasil com a ilha, uma vez que muitos habitantes de lá trabalham ou estudam no país, além de apoio bilateral por parte de Brasília a Lima.
“O Brasil tem como fazer ou estabelecer, até pelo histórico do Itamaraty, pelo histórico das políticas internacionais do país”, comenta Gomes.
A posição do país, pela recente ebulição na região, é apenas de observador, apesar de o Exército atuante na região ter conhecimento do que ocorre na ilha.
Os analistas atestam, portanto, que o momento é de diálogo e que Peru e Colômbia sairiam extremamente prejudicados se todas as tentativas diplomáticas de resolução da questão se esgotarem a ponto de não serem resolvidas e um confronto bélico ser gerado.
Fonte: sputniknewsbrasil
