Tarifaço escancara racha na direita brasileira e levanta dúvidas sobre bolsonarismo, apontam analistas


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou nas redes sociais na última semana uma carta na qual anunciou taxação de 50% às importações brasileiras. Entre as justificativas, o mandatário norte-americano alegou suposta perseguição política a Jair Bolsonaro, acusado de tramar um golpe de Estado.
Em um primeiro momento, nomes importantes da direita do Brasil, como os governadores de Minas Gerais e São Paulo, Romeu Zema (Novo) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), respectivamente, responsabilizaram o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pelas ações do líder republicano.
Entretanto, poucas horas após o anúncio das tarifas dos EUA, a opinião pública passou a questionar a ação de Trump e a defender a soberania brasileira. Coincidência ou não, tanto Zema quanto Tarcísio baixaram o tom e passaram a falar que era preciso negociar e tentar, de alguma maneira, contornar o tarifaço.
Quem não recuou e continua a apoiar a taxação de Trump é o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que há meses está justamente nos Estados Unidos. O filho de Jair, inclusive, pediu que os seguidores agradecessem ao chefe de Estado norte-americano pelas tarifas, que começam a valer em 1º de agosto.
Porém, para analistas entrevistados pela Sputnik Brasil, Eduardo e a família Bolsonaro, em geral, não deveriam dizer obrigado a Trump, já que as ações do presidente dos EUA causaram um racha na direita brasileira e levantaram dúvidas sobre os interesses do bolsonarismo.
O mestre em ciência política e autor de “Guerra híbrida e neogolpismo: geopolítica e luta de classes no Brasil (2013–2018)”, Mateus Mendes, não acredita que Eduardo tenha feito um lobby relevante a ponto de os EUA taxarem o Brasil em 50%. Entretanto, para ele, a ação tem efeito contrário ao esperado pela família Bolsonaro quando tenta se vangloriar.

“[Classe média e empresários] vão ficar revoltados com [Jair] Bolsonaro porque está claro que ele, embora tenha contribuição pequena, o fato é que [ele] queria que fosse [maior]. Se dependesse dele, a relevância [na taxação] era enorme. Isso basta para que alguns setores comecem a ver que ele é tóxico [para o sistema].”

O coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e professor da instituição, Charles Pennaforte, acredita que os bolsonaristas fanáticos não se importam com a posição de Eduardo ou do restante da família, independentemente do que esteja em jogo. Por outro lado, quem pratica o “bolsonarismo laico” não vai concordar com esse posicionamento a favor dos EUA.

“Certamente, não muda nada [no bolsonarismo religioso]. A visão que eles têm é de que Bolsonaro e o seu clã estão fazendo o correto e vivendo, de certo modo, um momento de perseguição”, explica o professor, que alerta sobre a corrida presidencial de 2026: “O bolsonarismo radical não ganha eleição sozinho.”

A professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Ana Garcia observa dois grandes efeitos no tarifaço de Trump: o realinhamento da sociedade brasileira com Lula e o escancaramento da divisão da direita, que não deve contar com Jair em 2026, já que o ex-presidente está inelegível.

“A direita não está alinhada ainda, dada a impossibilidade de Bolsonaro se candidatar. A direita não está totalmente alinhada ao Tarcísio. A disputa está grande. Agora, essa questão das tarifas trouxe à tona as divergências entre eles.”

O também professor da UFRRJ Luiz Felipe Osório concorda com a fala de Garcia e destaca que os principais afetados pelas ações econômicas dos Estados Unidos são, justamente, a burguesia, que de alguma forma tem relação com o comércio exterior.

“A direita brasileira, com esse episódio, mostrou-se como ela é: fragmentada em setores, em frações, que, muitas vezes, se opõem, sobretudo, na relação que têm com o capital internacional. O bolsonarismo, expressão de setores menores da burguesia e com relação direta no comércio internacional, é afetado negativamente com a situação.”

Lula deve capitalizar com a situação

O governo federal teve um começo de ano difícil, capitaneado pelo escândalo dos descontos indevidos do INSS e agravado, mais recentemente, pela briga com o Congresso devido ao aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Finaneiras (IOF). Porém, o assunto da taxação norte-americana reduziu a atenção nessas pautas que colocavam em xeque a popularidade de Lula.
Para Pennaforte, o melhor cabo eleitoral do petista, neste momento, é Trump, que levantou uma pauta perfeita para o presidente do Brasil defender, alcançando algo perto da unanimidade em diferentes setores.

O PT ganhou um grande cabo eleitoral: o Trump. O bolsonarismo está ajudando com essas propostas [de taxação]. Se o PT, o governo Lula, tiver a capacidade de usar bem todo esse cenário, que se propõe agora como ruim — e parece que já vai começar a fazer isso com uma série de propagandas sobre o Brasil ser soberano —, sem dúvida nenhuma, politicamente, a vida vai ficar mais fácil para a esquerda.”

Para Ana Garcia, a carta publicada por Trump nas redes “não teve pé nem cabeça”, classificada pela professora como “uma aberração” que causa “estranheza e revolta generalizada”.
“Afetou positivamente o governo, vamos dizer assim, a criar um alinhamento mais geral em torno da questão da soberania e da não ingerência.”
Já Osório, por sua vez, acredita que a adesão ao governo do PT por parte das classes mais ricas vai depender de como o Planalto conseguirá capitalizar esse caso. Para o especialista, há a possibilidade de um nacionalismo burguês se fortalecer diante desse cenário, mas ainda assim existem ressalvas.

“Há de se pontuar, entretanto, que a burguesia é uma classe social, e não econômica, ou seja, ela não necessariamente age conforme o interesse racional objetivo. Não é porque vai perder financeiramente que adota tal ou qual agenda ou posição política. Além de a burguesia ser um segmento muito fracionado em interesses e relações econômicas.”

Mendes entende que os empresários estejam irritados com o fato de a família Bolsonaro apoiar a taxação. Mas, por outro lado, o cientista político destaca que esse setor não tem afinidade alguma com as pautas do PT e buscará um novo candidato de direita. Para Mateus Mendes, o governo federal deve estar alerta, a fim de não deixar esse tema interromper o cronograma do Planalto.

“Quando o presidente dos EUA anuncia uma medida dessa, mesmo que o governo considere a possibilidade maior de que nada aconteça, a simples possibilidade de que algo ocorra exige que o governo pense em respostas. Isso imobiliza. Assim, Trump sequestra a agenda dos governos.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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