MEK: o grupo de oposição iraniano adepto do ‘marxismo religioso’ e que recebe apoio do Ocidente


Em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, Jorge Mortean, mestre em estudos regionais do Oriente Médio pela Escola Internacional de Relações Exteriores da República Islâmica do Irã e doutor em geopolítica do oceano Índico pela Universidade de São Paulo (USP), falou sobre a história do grupo e suas atividades atualmente. O especialista, que já esteve no país persa, também abordou a opinião popular sobre o MEK.
#615 Mundioka - Sputnik Brasil, 1920, 12.05.2025

Da monarquia Pahlavi ao governo teocrático: a oposição é o MEK

O MEK surgiu na década de 1960, em oposição à monarquia iraniana em sua última dinastia, a dos Pahlavi. Em 1979, após a Revolução Iraniana, foi estabelecida a República Islâmica do Irã, governo que lidera o país até o momento. Mesmo diante do novo cenário, o MEK se manteve como oposição.
O grupo, segundo Mortean, nasce de um ponto de vista “um tanto meio desastroso, digamos, do ponto de vista ideológico”. Para o pesquisador, a contradição em tentar versar marxismo e islamismo torna, inclusive, o grupo um alvo fácil para a oposição.

“Até mesmo porque a parte da esquerda que dialogava naquela época com a União Soviética, como era o grande maior partido comunista iraniano, o Tudeh, que também foi super-reprimido durante a dinastia dos Pahlavi, era uma linha comunista laica.”

O discurso do MEK colou em parte da sociedade, sobretudo nos mais pobres, que ficavam às margens das políticas de desenvolvimentos promovidas pelo Xá em áreas urbanas. Nesse contexto, o grupo angariou membros no início. A busca por justiça social referendava o marxismo como um “viés de saída” e, ao mesmo tempo, “os valores religiosos” ajudavam a atrair conservadores.
“Os seus membros, nessa fase inicial, eram pessoas mais humildes, menos instruídas, que estavam se instruindo. Essa imagem pesou muito contra a imagem que a monarquia fazia. A imagem religiosa que eles defendiam era um grande gancho também para angariar aliados“, descreve.
Entre os 44 dias de revolução e o início da República Islâmica, a estrutura nacional se encontrava “completamente bagunçada”, diz o analista. “Como a revolução tomou muito rápido um caráter anti-imperialista, ainda que religioso, isso criou um engodo nessa oposição que se dizia de esquerda, ainda que o MEK fosse religioso“. Nessa celeuma que era o país persa naquele momento, o grupo se manteve e se mantém como oposição.
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‘O inimigo do meu inimigo é meu amigo’

Mortean relembra que a primeira postura do novo poder em curso no Irã após a revolução foi adotar uma posição neutra nas relações internacionais. Isso “fez com que todo mundo virasse às costas para o Irã”, recorda.
No contexto de Guerra Fria e com o início do conflito entre Irã e Iraque, os grupos opositores procuraram aliados internacionais para tentar uma alçada ao poder. No caso do MEK, a associação com o lado iraquiano foi vista com bons olhos, e o grupo passou então a apoiar o líder Saddam Hussein, especialmente no contexto da guerra Irã-Iraque.

“O MEK acaba encontrando, no governo iraquiano da época, a grande retórica do ditado que [diz que] o inimigo do meu inimigo é meu amigo.”

Essa associação promoveu o grupamento como uma força de guerrilheiros, que passaram a combater ao lado de Saddam. Os desdobramentos da ofensiva iraquiana e os resultados do conflito minaram o já escasso apoio do qual o MEK gozava em seu país.
“A sociedade iraniana — sabendo que eles estavam baseados no Iraque, armados pelo Saddam, naquela condição de guerra imposta — passou a ter raiva desse grupo, passou a nutrir um sentimento de traição“, detalha Mortean.
Para descrever esse sentimento, o analista relembra momentos em que esteve no Irã e ouviu de pessoas que presenciaram o período da revolução que disseram que, embora houvesse descontentamento com a forma como a revolução se deu nas mãos dos clérigos, eles não deveriam ser “mais odiados que o MEK”.

O MEK acaba sendo visto como um bando de oportunistas, que de religiosos só tem a casca“, afirma.

Uma esquerda apoiada por EUA e Israel?

O MEK é visto por Teerã, segundo o analista, como um grupo concorrente porque ambos lançam mão da frente religiosa como base política. Entretanto, o MEK ainda ressalta que eles não só são religiosos, mas também de esquerda.

“Como assim uma esquerda que é financiada hoje, em 2025, por Estados Unidos e Israel?”, questiona Mortean.

O apoio dos dois países resulta em um grupo que não é sancionado pelo Ocidente nem figura, atualmente, na lista de congregações terroristas. Eles são manipulados com uma tentativa de ferramenta de oposição à República Islãmica, explica.
De acordo com o pesquisador, hoje o grupo possui algumas bases na Albânia e tem rosto feminino: liderado por Maryam Rajavi, ex-esposa de Massoud Rajavi, ao lado de quem foi colíder da organização.
Além do apoio de EUA e Israel, o MEK conta com presença marcada no Parlamento Europeu. Segundo Mortean, a busca por esse apoio acontece já na presença de Maryam Rajavi, com o argumento que o movimento tinha abandonado a luta armada. A Guerra Fria já não imperava, e o Iraque de Saddam Hussein tampouco.
O então presidente de Israel, Reuven Rivlin, aperta a mão do então secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, durante encontro em Jerusalém (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 03.10.2024

O analista avalia que a presença da mulher à frente do grupo sustenta certa hipocrisia em relação ao discurso religioso, o que também ajuda a causar antipatia em parte da sociedade iraniana: “A sociedade iraniana tem raiva do MEK justamente por isso. Muitos ali no país querem ver o fim da teocracia, mas como eles podem substitui-lo por uma mulher que não confronta a religião?”
O hijab é vestimenta constante na figura de Maryam Rajavi e, segundo o especialista, ela faz com que todas as mulheres aderentes ao grupo também o usem. Todas essas características do MEK mostram, portanto, um movimento “sem saber para onde quer ir, muito perdido ideologicamente”.
Se são uma oposição à teocracia, ao não se posicionar contra a religião, eles não conseguem angariar novos membros descontentes com esse aspecto da República Islâmica, explica.
O grupo, portanto, já não ostenta seu hard power militar, tampouco o lobby político de poder partidário. De onde vem, então, a sobrevivência financeira do movimento. Mortean acredita que o apoio externo seja robusto. Afinal, o grupo se encontra em condição de exílio há 40 anos.

“Eles recebem muita ajuda da própria comunidade expatriada iraniana e seus membros devem trabalhar, ter empresas, ser empregados de empresas estrangeiras nos países onde residem e, obviamente, por ocasiões estratégicas, essa renda vem do exterior.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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