Como o carro se transformou em um dos principais negócios da China


Vias largas, bem pavimentadas e sinalizadas, carros elétricos e híbridos de luxo por todos os lados. Apesar do trânsito muito pesado, silêncio. Não estamos falando da norueguesa Oslo ou da californiana São Francisco (EUA), mas sim de Xangai, terceira maior cidade do mundo e a mais populosa da China, superando 30 milhões de pessoas.

Engana-se quem ainda projeta a China como um país caótico ou pouco desenvolvido. Em um ano, Autoesporte esteve lá pelo menos meia dúzia de vezes. Na mais recente visita fomos a Xangai, mas também passamos pela capital, Pequim, além de outras cidades menos conhecidas, como Hangzhou, Shenzhen, Baoding, Guangzhou e Wuhu.

Com exceção da última, todas estão na faixa de dez milhões de habitantes. Ainda que nossa vivência seja limitada e represente uma amostra discreta diante do tamanho do país, podemos dizer que os chineses já vivem, hoje, o que o Brasil só deve ter daqui a alguns anos.

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Tudo isso graças ao crescimento econômico astronômico, que também proporcionou dinheiro aparentemente ilimitado para investir, não só na indústria local como em infraestrutura. É bem verdade que a mão de obra vasta e condições trabalhistas duvidosas fazem parte da receita. Fato é que, hoje, nos grandes centros urbanos, praticamente não se veem mais carros com mais de 15 anos de uso. Em dez dias na região de Xangai, avistamos um único Volkswagen Santana dos anos 1990.

A indústria automotiva chinesa é um fenômeno. Em 2024, segundo a MarkLines, produziu um terço de todos os veículos fabricados no mundo. Foram mais de 31 milhões de veículos. Das fábricas brasileiras, no mesmo período, saíram 2,5 milhões. Grande parte das vendas, claro, são para o mercado interno. Sem exageros, há centenas de fabricantes, muitas das quais nunca ouvimos falar. Mas esse é um quadro recente. Alguns anos atrás, marcas como Volkswagen, Chevrolet, Ford, Nissan e Audi ainda dominavam as ruas.

Hoje, são fabricantes locais como BYD, GAC, Geely e Li Auto que se destacam. Mas é preciso entender que tanto o ato de dirigir quanto a relação com o automóvel são recentes para a maioria dos chineses. Antes do “boom” industrial e econômico, o transporte coletivo era o mais comum. As cidades planas também incentivavam o uso de bicicletas. Enquanto nossos pais e avós compravam seus primeiros Fuscas ou 147 nos anos 1960 e 1970, um chinês de classe média nem sequer sonhava em ter carro próprio.

O incentivo à indústria automotiva chinesa começou em meados de 1980, com Deng Xiaoping. Só a partir daí os chineses ganharam mais intimidade com os automóveis. A mudança na política econômica do país é a principal razão para uma frota mais jovem. Veículos que antes eram usados apenas por membros do governo acabaram destruídos.

O hábito recente de dirigir parece também ter resultado em motoristas mais calmos. No geral, o trânsito chinês não tem discussões (apenas algumas buzinas são ouvidas) e é brutalmente mais silencioso que o brasileiro. Coloque isso na conta dos inúmeros carros elétricos e híbridos — alguns dos quais nem sequer sabemos as marcas. Lá, a diferenciação é feita pelas placas. As azuis são destinadas a modelos apenas a combustão. Os eletrificados recebem licença de cor verde.

Em diversos deslocamentos, utilizamos transporte por aplicativo (o DiDi é o mais comum por lá; e se você não conhece essa empresa, saiba que se trata da dona da brasileira 99). Em todos os pedidos fomos atendidos por veículos eletrificados. Muitos deles perto de dez anos de idade e com mais de 300 mil km rodados, mas sempre com condição de uso aparentemente impecável e autonomia acima de 400 km.

Mesmo em cidades como Xangai, motoristas quase sempre são comportados e pacientes, ainda que raramente utilizem recursos de direção para economizar combustível e freios, por exemplo. É comum ver condutores acelerando ou freando de maneira brusca.

Por outro lado, os chineses andam em velocidades mais baixas do que é nosso costume: é normal ver carros a 40 km/h em vias de 60 km/h de máxima. Mas há um vício — que também acomete os brasileiros — muito presente por lá: o uso do celular ao volante.

Outra presença marcante é das motos elétricas. Existem faixas exclusivas para elas, que raramente rodam junto dos carros. Na contramão (desculpem o trocadilho), essas motos também trafegam — e estacionam — nas calçadas. Nessas situações, infelizmente, vale a lei do mais forte, e o pedestre precisa redobrar algumas vezes a atenção se não quiser ser atropelado.

Sobre dirigir na China, é algo que exige menos do motorista do que no Brasil. As faixas exclusivas para motos poupam muitos problemas e, como o asfalto é um tapete, não há necessidade de prestar atenção em buracos. Só é preciso estar atento às conversões sem que o condutor dê a seta, algo muito comum no país.

A sinalização também é elogiável: as placas trazem ideogramas em mandarim, mas há uma “tradução” para o alfabeto romano logo abaixo. Sabendo o destino, é possível se orientar com alguma tranquilidade. Os (muitos) pedágios têm pagamento proporcional ao uso. Ao passar na primeira cabine, a atendente dá ao motorista um cartão que deverá ser entregue na última. O cálculo é feito automaticamente e a cobrança é realizada pelo AliPay, um aplicativo de pagamentos muito comum na China, que também concentra tradutor, dicas de turismo e outras funcionalidades.

Pelo próprio AliPay é possível pedir carros de aplicativo. Em cidades como Xangai e Shenzhen, há uma modalidade de veículos autônomos. Apesar de nossas tentativas, para conseguir um desses é preciso ser cidadão chinês. Por outro lado, tivemos a experiência de rodar no modo semiautônomo do GWM Wey 07, SUV que chega ao Brasil ainda em 2025.

Em um trajeto de 17 km e pouco mais de meia hora, o motorista apenas acionou a função por meio de uma alavanca e seguiu monitorando o trajeto sem as mãos no volante. Bebeu água e pegou um pacote de lenços no console enquanto o veículo seguia sozinho, mesmo em meio ao trânsito carregado. É o sonho do Vale do Silício presente na vida real do cidadão chinês.

Mencionamos o Santana porque o sedã é uma lenda entre os chineses. E graças ao Brasil! Quando a China abriu o mercado para marcas estrangeiras, nos anos 1980, a Volkswagen firmou parceria com a fabricante local Saic.

Em 1984, com o Santana recém-lançado por aqui, 30 engenheiros brasileiros foram enviados à China e ajudaram a implantar a linha de montagem do modelo na fábrica da Saic em Xangai, que passou a operar naquele mesmo ano. Até 2021, quando o Santana chinês saiu de linha, foram produzidas mais de 6 milhões de unidades. Com a velocidade de renovação da frota, a grande maioria dos exemplares restantes está em cidades menores, fora dos grandes centros.

Mesmo com tantas viagens recentes à China, todas as experiências de test drive que nossos repórteres fizeram em território chinês foram em condições inferiores àquelas a que estamos acostumados no Brasil: pistas minúsculas, locais improvisados e muitas restrições costumam ser o padrão.

Isso porque nossa Carteira Nacional de Habilitação (CNH), válida em tantos países, não serve lá. Porém, nosso documento pode servir de base para a emissão de uma licença temporária, única forma de um brasileiro ter autorização para dirigir em uma via pública chinesa.

E foi exatamente isso que a Omoda Jaecoo fez, ao organizar o primeiro test drive urbano para jornalistas brasileiros, com o Omoda 5que você pode conhecer clicando aqui. Seria um roteiro majoritariamente rodoviário, com cerca de 800 km, entre as cidades de Xangai e Wuhu. Ao menos para a imprensa brasileira, foi a primeira vez que a permissão provisória para dirigir no local foi emitida.

O mais surpreendente é que o processo é relativamente simples e rápido. O “Detran chinês” utiliza as informações da própria CNH brasileira para emissão da licença temporária. Os dados ali presentes são cruzados com o passaporte e o visto chinês. Assim, em caso de abordagem policial, todas as informações estariam à disposição das autoridades em um único documento.

Durante o processo, imaginei que seria submetido a exames de vista ou até toxicológicos. Nada disso aconteceu. Minhas únicas ações foram tirar algumas fotos e assinar um termo alegando que todas as informações passadas ao governo chinês eram verídicas — e que qualquer intercorrência seria de minha responsabilidade.

Com a “CNH provisória chinesa” em mãos, tive de assistir a um vídeo sobre direção imprudente. Não era algo técnico, mas sim de caráter emocional, com entrevistas de pessoas que foram presas após cometerem crimes de trânsito e de luto das famílias que perderam entes queridos em acidentes. Na cena mais impactante, exibida sem qualquer censura, um motorista embriagado atropela e mata uma criança em alta velocidade. Recado entendido, amigos. Em nosso teste, felizmente, tudo correu bem.

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Fonte: direitonews

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