Análise: Brasil pode ganhar mais com pré-sal, mas perder soberania com retirada de preferência da Petrobras


A Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado aprovou, na última semana, o projeto de lei (PL) que remove a preferência da Petrobras em leilões de blocos de petróleo do pré-sal sob regime de partilha.
O Projeto de Lei nº 3.178/2019, criado pelo ex-senador José Serra e agora sob relatoria de Marcos Rogério (PL-RO), prevê que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) avalie, caso a caso, se as explorações devem ser feitas em regime de partilha ou de concessão.
Antes de tudo, é importante entender a diferença entre esses dois regimes.
O regime de partilha é uma modalidade na qual o Estado detém a propriedade do petróleo e do gás natural, permitindo que a companhia contratada para a extração partilhe o que foi retirado do solo, mas repasse determinada quantidade à União. Nesse formato, o Brasil, por exemplo, participa dos custos e riscos da perfuração de poços.
Já o regime de concessão, mais comum ao redor do mundo, prevê que a empresa exploradora assuma custos e riscos de extração, repassando royalties ao governo federal. Nesse modelo, o Estado atua apenas como regulador e fiscalizador.
Esse regime de partilha, estabelecido em 2010, antes tinha como obrigatoriedade a participação da Petrobras na exploração dos poços de pré-sal. Em 2016, por sua vez, a obrigatoriedade passou a ser preferência da estatal e, agora, busca-se a retirada total dessa predileção.
Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, a professora de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Juliane Furno afirma que a mudança da lei pode não representar um risco direto à Petrobras, mas enfraquece o poder da estatal em questão de ritmo de exploração e controle econômico da commodity.

“Como a Petrobras está submetida aos interesses de um país, ela pode optar pela desaceleração da produção, por exemplo, por motivos de preço ou política industrial. Uma empresa privada, submetida à lógica do lucro máximo, não.”

O diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e doutorando em sociologia econômica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mahatma Ramos dos Santos, também acredita que esse projeto de lei não é beneficial para o Brasil ou a Petrobras.

“As empresas terão total liberdade para acessar esses reservatórios estratégicos e redirecionar o petróleo produzido nesses campos para fora, ampliando uma lógica primária exportadora brasileira. Não há como restringir o uso desses recursos, dessa renda gerada em novos investimentos, seja na atividade exploratória do pré-sal ou de novas atividades industriais no Brasil”, disse em entrevista à Sputnik.

O professor de pós-graduação em transição energética na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio e autor do livro “Pré-sal: história, doutrina e comentários às leis” (2010), Cláudio Pinho, por outro lado, confia que a retirada da preferência pode alavancar os valores dos poços de petróleo nos futuros leilões e convidar companhias estrangeiras a se unirem à estatal.

“O fato de ela [Petrobras] não exercer a preferência não quer dizer que não possa concorrer. Ela pode concorrer, e concorrer em pé de igualdade com qualquer uma. A Petrobras tem plena condição de fazer isso. Dependendo, uma ou outra estrangeira vai preferir que a Petrobras esteja junto [na extração].”

Pré-sal comanda indústria do petróleo no Brasil

O último boletim da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), referente a abril, destaca que atualmente existem 271 áreas de extração de hidrocarbonetos, operadas por 50 companhias. No mês em questão, foram produzidos aproximadamente 4,6 milhões de barris de óleo por dia no país. Desse total, o pré-sal correspondeu a 79,7% do petróleo brasileiro.
A grande capacidade de extração proporcionada pelo pré-sal faz com que Santos enxergue o regime de partilha, estabelecido em 2010, como um “marco institucional importantíssimo”, que garante soberania energética ao país.

“[O projeto de lei] retira o caráter do regime de partilha de uma política de Estado e confere uma discricionariedade muito grande ao CNPE e ao governo de plantão para decidir a qual tipo de regime ou a qual interesse de curto prazo vão estar endereçados esses blocos, essas áreas exploratórias.”

Essa responsabilidade creditada ao CNPE também não é vista com bons olhos por Furno, que acredita que o modelo de concessão é antiquado. Para a professora da UERJ, esse formato fazia sentido quando o valor do Brent — tipo de petróleo bruto usado como referência global — era baixo, na década de 1990.

“Agora os preços estão sistematicamente mais elevados e a área do pré-sal já foi toda mapeada, não há risco na exploração. […] Obviamente, coloca o CNPE sob risco de captura dos interesses estrangeiros.”

Apesar do ceticismo e da preocupação de Santos e Furno, Pinho acredita que tanto o regime prioritário atual como o fim desse modelo podem ser positivos para o país.

“É indiferente. Qualquer uma das leis funciona para o Brasil. É uma questão só de política estratégica. Acho que não há nada que possa prejudicar [o país], mas, certamente, se for aprovada como está, tirar a preferência da Petrobras aumenta a concorrência”, concluiu o especialista.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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