PEC da Segurança Pública: como impedir que prisões sigam como ‘centros de comando’ de facções?


A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 18/2025, popularmente chamada de PEC da Segurança Pública, é um dos temas prioritários do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Atualmente, dentre os pontos mais discutidos estão a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que dá ao governo federal poder de designar diretrizes para a atuação das polícias; a modificação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para a Polícia Viária Federal, atuando nas ferrovias e hidrovias do país; e o reconhecimento das guardas municipais como órgãos de segurança.
Enquanto o debate mira esse pontos, um tema vem passando fora do radar: o domínio das facções criminosas em presídios. Em seu texto, a PEC se limita a introduzir maior controle da União sobre o sistema penitenciário, mas não detalha medidas.

Os ‘centros de comando’ das facções

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas argumentam que deixar de reformar o sistema penitenciário compromete todo o objetivo de reduzir a violência urbana, uma vez que o alto comando das facções criminosas emite ordens de dentro dos presídios.
Gustavo Higa, doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), autor de pesquisas na área, aponta à Sputnik Brasil que os problemas relacionados às prisões se originam antes dela e extrapolam seus limites físicos.
Ele lembra que as organizações criminosas tiveram sua gênese nos anos 1980, a partir do sistema prisional, ultrapassando os muros das penitenciárias na década seguinte.

“Atualmente, a esmagadora maioria dos presídios brasileiros encontra-se sob a influência dessas organizações, que transformaram a prisão em uma espécie de centro estratégico de deliberação do alto comando.”

As cadeias, detalha, também são os locais de recrutamento, forçado ou voluntário, de novos membros. Em uma célebre entrevista concedida na década de 1980, um detento afirma que a prisão o transformou de “ladrão de galinha em assaltante de banco”.
Essa declaração sintetiza uma lógica que se mantém viva até hoje, 40 anos depois. Dentre os múltiplos fatores que contribuem para essa formação de escolas do crime, Higa destaca a superlotação crônica do sistema prisional e a corrupção presente nos diferentes níveis.
“Além do enriquecimento dessas facções e a crescente influência que elas exercem, tanto em escala nacional quanto internacional”, afirma Higa, também pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP.
Juliana Melo, pesquisadora sobre o sistema prisional e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRGN), afirma à reportagem que na raiz do problema está a junção de pessoas presas por menor potencial ofensivo junto a outras que cometeram crimes mais violentos, levando a uma troca de “conhecimento e expertise”.
Ademais, as condições precárias de vida nessas instituições, onde há falta de itens básicos de higiene, fortalecem os grupos criminosos, que acabam provendo mantimentos e proteção no dia a dia do cárcere. “Quanto mais gente presa, mais o crime organizado se amplia e fortalece”, argumenta.

“O Estado, portanto, corrobora o tempo inteiro para o fortalecimento do crime organizado, dentro e fora da prisão.”

À Sputnik Brasil, o historiador e professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marco Mondaini descreve que outro elemento que contribui para fortalecer o poder das facções nos presídios é a forma superficial e imediatista com que o problema é tratado, como a tentativa de isolar as lideranças do crime organizado.
O professor, autor dos livros “Sistema prisional: o labirinto da punição: reeducação falha e controle social da pobreza” e “Diálogos antipunitivistas”, menciona que, nas duas últimas décadas, 600 mil novos detentos entraram no sistema prisional por conta da política de segurança punitivista.
Somado a isso, há o pensamento vigente punitivista de que o mau tratamento dentro dos presídios de alguma despertará senso de justiça e responsabilidade e impedirá que o preso cometa novos crimes.

Penas alternativas podem ser a solução?

Em fala à Sputnik Brasil, Juliana Melo afirma que penas alternativas de ressocialização, como trabalho comunitário, interdição temporária de direitos, como frequentar determinados lugares, e multas podem diminuir a violação de direitos humanos e enfraquecer o crime organizado.
Nesse contexto, a especialista cita a Associação de Proteção e Amparo aos Condenados (APAC), organização que capacita pessoas em estado de recuperação, com formação acadêmica e profissional. “Bem como resgatam a dignidade humana.”

“As taxas de reincidência são muito menores aqui [no âmbito da APAC].”

O historiador Marco Mondaini avalia que as penas alternativas são “um importante avanço no caráter reformista em relação ao penalismo tradicional” e, junto às práticas da justiça restaurativa, ocupam espaço ao questionar a reclusão como única forma de ação estatal.
“Entretanto, é preciso ousar um pouco mais diante de uma situação como a que nos encontramos na atualidade”, alerta. Para o analista, é preciso colocar em prática medidas de desencarceramento dos 850 mil presos que não cometeram crime contra a vida.

“Apesar de improvável, esse ato de ‘utopia abolicionista’, junto a um conjunto de políticas sociais públicas, poderia interromper o complexo de violências que nos assola.”

Já Gustavo Higa ressalta que penas alternativas sempre enfrentaram resistência tanto no campo jurídico quanto no imaginário social, mas é imprescindível promover um debate qualificado sobre o tema. “E, sobretudo, investir em pesquisa científica para que possamos realizar uma análise fundamentada sobre sua eficácia e aplicabilidade.”

“Somente assim será possível aprimorar o desenho dessas medidas, que têm potencial real para mitigar muitos dos problemas anteriormente discutidos”, afirma o especialista.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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