Maior ilha do mundo que esconde sob as densas camadas de gelo grandes concentrações de metais como grafite, cobre, nióbio e titânio, além de 25% do volume global de minerais conhecidos como terras raras, a Groenlândia voltou a chamar a atenção do mundo desde a eleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. E com as mudanças climáticas que tem alterado a paisagem do território, a exploração dessas riquezas é cada vez mais viável.
Diante disso, Trump tem repetido mês a mês a intenção de tomar o controle da Groenlândia sob a justificativa de “segurança internacional”. A retórica não é exatamente nova e também fez parte de algumas declarações do presidente ainda em seu primeiro mandato, em 2019, quando afirmou que o avanço norte-americano sob a região seria um “grande negócio imobiliário”. Mas, na nova gestão, o empenho do republicano tem sido ainda maior, a ponto de enviar o vice, J.D.Vance, para uma visita sem convite oficial a uma base norte-americana na localidade que irritou as autoridades locais.
Com pouco menos de 60 mil habitantes, a Groenlândia é um território semiautônomo da Dinamarca, com parlamento e governo próprio que se dedicam às questões políticas internas. Já ao país europeu fica a responsabilidade pela defesa, relações diplomáticas e política monetária da ilha, além de subsidiar pelo menos um terço do orçamento anual groenlandês.
Além disso, quase 90% da população é indígena, conhecidos como inuítes, que também habitam outras regiões árticas do Canadá e Alasca, e vivem majoritariamente da pesca. Enquanto isso, o setor industrial é controlado principalmente por dinamarqueses.
No último mês, os groenlandeses foram às urnas em um cenário político totalmente influenciado pelas declarações expansionistas de Trump. Os vencedores do pleito: o partido Democrata, que é de centro-direita e também defensor de uma independência gradual do território rumo a se tornar um Estado autônomo. Mas as declarações do presidente norte-americano podem acelerar esse processo?
A doutoranda em relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em populações indígenas no Ártico Rafaela Costa explicou ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que a independência da Groenlândia não deve ocorrer de forma imediata, mesmo diante das ameaças de Trump.
“O partido Democrata foi eleito com 20% a mais dos votos que recebeu na última eleição de 2021. Dentre os seis partidos que concorreram, cinco, incluindo a sigla, são favoráveis à independência da Groenlândia, só que o que muda é a velocidade com que isso deveria ser feito. No caso dos vencedores da eleição, eles defendem essa postura mais moderada. A proposta é trabalhar por um Estado soberano, mas com prioridade em fortalecer estruturas importantes que o território precisa para se fortalecer antes”, resume, ao acrescentar que 80% da população é favorável à separação.
A qual país pertence a Groenlândia?
Ainda no século XVIII, foi iniciada a colonização da Groenlândia pela Noruega e Dinamarca, que só em 1979 concedeu o status de território autônomo. Conforme a especialista, a percepção no país europeu é que só a própria população local pode decidir pela independência ou não, enquanto o primeiro-ministro da região, Jens-Frederik Nielsen, afirmou recentemente que a área “nunca fará parte da América”.
“Existe uma rejeição de uma eventual dependência em relação aos Estados Unidos e deixar essa estrutura já pré-estabelecida com a Dinamarca. Esse não é um caminho viável de mudança entre quem domina mais […]. As declarações de Trump acabaram acendendo todas essas questões e o olhar internacional para a Groelândia. Além disso, o presidente foi muito desrespeitoso ao falar sobre a compra do território, porque isso significa também um não consentimento da população com seu próprio status político”, enfatiza.
E todas essas ameaças ainda ocorrem sobre um parceiro histórico dos Estados Unidos e que também faz parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
“A Dinamarca tem uma postura bastante conciliatória em relação à possível decisão dos povos indígenas [da região] pela independência, enquanto a retórica de Trump sobre o controle do território mexe em peças estruturais da OTAN e da própria Europa, colocando em risco os pilares da Aliança Atlântica“.
Qual a riqueza da Groenlândia?
Para além da questão sobre as terras raras, a especialista pontua ainda que a Groenlândia representa uma “nova fronteira na disputa por recursos minerais, rotas marítimas e presença estratégica”, o que motivaria as declarações do presidente Donald Trump.
“Então, à medida que o gelo acaba recuando no território, surgem essas possibilidades econômicas e militares que antes eram inacessíveis exatamente por esse congelamento prolongado”, destaca.
A doutoranda em relações internacionais lembra ainda que o território fica entre a Europa, Ásia e América do Norte. “E os Estados Unidos têm buscado consolidar sua presença em áreas fundamentais, que não seriam só a Groenlândia, mas também Islândia e Svalbard, essa última uma ilha norueguesa. É uma área bastante importante para a geopolítica, com uma passagem marítima entre atores estratégicos“, finaliza.
Fonte: sputniknewsbrasil