(FOLHAPRESS) – Foi em dezembro de 2018 que um homem paramentado com roupas de religioso apeou de um pequeno barco a motor e cruzou os manguezais até chegar em terra firme na pequena Bananeiras, comunidade quilombola da Ilha de Maré, região insular de 4,2 mil moradores que pertence a Salvador, mas não tem ligação por terra com o continente.
Em quatro anos, travou embates com quilombolas, tentou erguer um templo em uma área de proteção ambiental e foi alvo de protestos.
Hoje, para surpresa da maioria dos moradores da Ilha de Maré, Kelmon Luis da Silva Souza (PTB), 44, é candidato à Presidência e será uma das atrações do debate entre presidenciáveis que acontece na noite desta quinta-feira (29) na Rede Globo.
Padre Kelmon, como se intitula, era vice e foi promovido à cabeça de chapa após Roberto Jefferson, liderança do PTB e candidato original, ter sido vetado pela Justiça Eleitoral devido à condenação no escândalo do mensalão. O plano de governo apresentado por Kelmon ao TSE é o de Jefferson.
Membro de uma entidade peruana não reconhecida por igreja ortodoxa no Brasil, padre Kelmon se tornou uma figura polêmica em Bananeiras e não é uma unanimidade mesmo entre os seus apoiadores.
A comunidade é formada por descendentes de quilombos, quase todos negros e com algum grau de parentesco entre si. As casas se espalham pelo entorno dos manguezais, onde homens e mulheres vão em busca de mariscos para ajudar no sustento das famílias.
Antes de desembarcar na Ilha de Maré, Kelmon passou uma temporada em Serrolândia, distrito da cidade de Ipubi, sertão de Pernambuco. Lá, ele havia realizado uma campanha de arrecadação de recursos para construção de uma paróquia e para acolher refugiados venezuelanos.
A partir de 2019, foi para a Ilha de Maré com o mesmo objetivo. Alugou uma casa em Bananeiras e começou a receber pessoas de fora, incluindo estrangeiros, que passaram a viver na comunidade.
“Esse suposto padre chegou sem pedir licença. Simplesmente chegou, invadiu nosso território e disse que ia fazer e acontecer. Ele não é da Ilha de Maré e a gente não se sente representado por ele”, diz Roberta Lopes, 20, moradora de comunidade.
Bananeiras possui cinco templos religiosos: um igreja católica e quatro evangélicas, incluindo Assembleia de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus. Parte da comunidade também segue o candomblé, mas há um histórico de convivência entre as diferentes religiões.
Mas a presença do padre na comunidade foi contestada pelos moradores, que criticavam sobretudo o local onde ele ergueria seu templo.
O primeiro terreno escolhido era em frente à praia na Ponta do Capim, região mais isolada da vila que se tornou um local de lazer aos fins de semana dos moradores da comunidade, sobretudo os jovens.
A área tem bioma sensível –é um elevado de terra firme cercada por manguezais na parte de trás e restinga na área da frente. Faz parte de uma área de preservação permanente desde 2012.
Em meados de 2020, moradores convocaram Kelmon para uma reunião para que ele se apresentasse e falasse sobre seus planos na comunidade.
“Ele chegou com uma postura de colonizador, dizendo que ia fazer uma paróquia. Quem é que diz o que a gente precisa? A gente não pensa, não tem opinião própria? Quem decide por nós não somos nós? Isso é agressão, é racismo”, critica Marizélia Lopes, 52, membro da Associação Quilombola de Pesquisadores de Bananeiras.
Mesmo com o chamado ao diálogo, Kelmon não compareceu à reunião: se disse vítima de intolerância religiosa, construiu suas próprias alianças dentro da comunidade e seguiu pedindo doações para construção de um novo templo na ilha, o que até o momento não ocorreu.
Na época, o Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs emitiu uma nota em apoio à comunidade de Bananeiras, criticando os planos de construção em área de preservação permanente. Também destacou que a comunidade tem histórico de tradições religiosas que convivem maneira harmoniosa.
“Tememos que o uso do termo ‘intolerância religiosa’ seja usado para interesses pessoais e de grupos, em detrimento do bem coletivo da comunidade que há anos enfrenta o racismo ambiental, religioso e institucional”, informou a entidade.
Procurada pela reportagem para se posicionar o assunto, a assessoria do candidato a presidente Padre Kelmon informou que ele estava focado na preparação para o debate e não responderia a nenhuma demanda da imprensa.
Entre 2020 e 2021, período em que já vivia na Ilha de Maré, o religioso recebeu 15 parcelas do auxílio emergencial, totalizando R$ 5.100, segundo o portal da transparência. Hoje, em uma rede social, Kelmon pede doações para sua igreja informando chaves de Pix como o seu email ou CPF.
Moradores dizem que, apesar de se dizer uma pessoa sem recursos, o padre comprou imóveis na comunidade e contratou funcionários para erguer o local onde faz cerimônias religiosas. A estrutura hoje existente é um galpão feito de madeira, sem paredes, sem cadeiras e sem nenhum instrumento ecumênico –há apenas uma cruz de madeira na entrada. Nesta quarta-feira (28), um cavalo pastava no local.
A atuação política de Kelmon chegou na comunidade aos poucos. Em 2021, fez convocações para levar moradores da ilha para participar de atos de raiz golpista que aconteceram no Sete de Setembro.
Entre os moradores da comunidade, Kelmon tem boa relação com parte dos evangélicos e de um grupo que comanda outra entidade de representação de Bananeiras: o Instituto de Pesca Artesanal, comandado por Milton Sales de Santana, 82.
Milton afirma que Kelmon tinha articulação com políticos e prometeu obras para a comunidade, como a implantação de um cais, um píer e uma praça. Mas as obras não foram adiante.
Para Milton, a candidatura de Kelmon à Presidência da República foi uma surpresa: “Ele demonstrava claramente que era bolsonarista. Até onde a gente acompanhava, ele estava fazendo campanha para [o presidente Jair] Bolsonaro”.
Diretora do Instituto de Pesca Artesanal, Alessandra Silva das Neves 32, diz que Kelmon ainda não foi a Bananeiras na condição de candidato para fazer campanha na comunidade. Também diz não saber se votará no vizinho para a Presidência.
“Eu nem conheço as propostas dele. Primeiro vou analisar as propostas. Quem tiver as melhores, eu dou uma chance”, afirma Alessandra, que ouve de bate-pronto de Milton: “Talvez não dê tempo”.