Nomeado pelo local em que foi discutido, o bairro de Tlatelolco, na Cidade do México, o Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe estabeleceu a primeira ZLAN em uma área povoada do mundo. Todas as 33 nações da região assinaram o documento, a grande maioria ainda em 1967, data em que foi escrito.
Entre os compromissos assumidos pelos signatários está a proibição do desenvolvimento, aquisição, testes e estacionamento de armas nucleares na região, descreve o Organismo para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (OPANAL), criado para garantir o cumprimento das obrigações.
O modelo de Tlatelolco serviu de inspiração para outras ZLANs estabelecidas depois, como as de Rarotonga e Pelindaba, no Pacífico Sul e na África, respectivamente. Seu principal articulador, o ministro das Relações Exteriores mexicano Alfonso García Robles, recebeu em 1982 o prêmio Nobel da paz por seu papel no desenho do tratado.
Primeiramente rascunhado em 14 de fevereiro de 1967, há exatos 58 anos, o acordo de proibição de armas nucleares no continente não pode ser entendido sem o contexto geopolítico da época, com o mundo dividido pela Guerra Fria.
Cinco anos antes havia ocorrido a crise dos mísseis de Cuba, um dos momentos em que o mundo esteve mais próximo de uma guerra nuclear. Vendo essa situação, os países da região latino-americana e caribenha decidiram que não poderiam ficar imóveis. No entanto, em vez de se armarem, decidiram se assegurar de que ninguém poderia ameaçar o continente com bombas atômicas.
Dessa forma, diz Adriano de Freixo, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos, “o Tratado de Tlatelolco é uma iniciativa latino-americana e se insere no espírito da diplomacia terceiro-mundista”.
Uma iniciativa latino-americana
Em sua fala à Sputnik Brasil, o especialista lembra que, embora tenha sido desenhado principalmente pelo México, o Brasil também teve um grande papel na elaboração do tratado. “Ele é de 1967”, diz, “mas começou a ser negociado antes disso”.
“Vale lembrar que antes do golpe de 1964, durante o governo João Goulart, vigorava no Brasil a chamada política externa independente, com o Brasil defendendo na Assembleia Geral das Nações Unidas a política dos três dês: descolonização, desenvolvimento e desarmamento.”
Ademais, o tratado possui dois protocolos que estendem as obrigações de garantias de segurança do continente às potências externas. O primeiro protocolo submete todos os países fora da região que possuem territórios nela aos mesmos termos, como a França, a Inglaterra, os Estados Unidos e os Países Baixos.
Já o segundo obriga os Estados que possuem armas nucleares a não minarem os esforços do continente em se manter livre desses armamentos. O termo foi aceito por Estados Unidos, União Soviética, China, Inglaterra e França.
“Nesse sentido, o Tlatelolco acaba sendo muito mais uma afirmação de autonomia.”
Uma alternativa ao TNP
O Tratado de Tlatelolco surge dentro de um maior contexto de políticas de não proliferação nuclear e, ao mesmo tempo em que estava sendo discutido pelos países latino-americanos, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) também estava sendo debatido em Genebra no contexto das Nações Unidas.
Em entrevista à Sputnik Brasil, a professora e coordenadora auxiliar do curso de relações internacionais da Universidade Paulista (Unip), dra. Luiza Januário, destaca que, embora busquem o mesmo fim, ambos os acordos vão por caminhos bastante diferentes, tanto que por anos o Brasil se recusou a assinar o TNP.
“O TNP era denunciado por um caráter discriminatório que não levava realmente a um desarmamento.”
Segundo a professora, a ideia por trás do Tratado de Não Proliferação é uma via de mão dupla. Países que não possuíam armas nucleares antes de 1º de janeiro de 1967 se comprometem a não buscar essas capacidades, enquanto países nuclearmente armados devem visar o desarmamento, compartilhando a tecnologia nuclear para fins pacíficos.
Mas em nenhum momento o TNP estabelece prazos, cronogramas ou um plano de trabalho para que haja o processo de desarmamento, explicita Januário.
O mesmo também comenta Freixo, destacando que o TNP visava congelar o status quo em prol das superpotências. “Há um pequeno clube nuclear, e esse clube não quer que novos membros ingressem.”
“A mão pesa muito mais para impedir que países não nuclearizados tenham acesso à energia nuclear, principalmente para fins militares, e é muito mais branda quando se trata do desarmamento daqueles que já possuem armas nucleares.”
Além disso, o acordo negociado em Genebra era visto com suspeitas pela diplomacia brasileira, que via nas salvaguardas exigidas, criadas para verificar se o país não estaria criando armas nucleares, tentativas de prejudicar o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro.
Dessa forma, um dos argumentos das lideranças militares brasileiras para não assinarem o TNP era o de que o Brasil já era signatário de Tlatelolco.
O Brasil só ingressa no TNP em 1998, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, cuja política externa era de “aderir a todos os protocolos e tratados, participar de todos os fóruns internacionais como forma de intervir atuando por dentro”, descreve Freixo.
Dentro de todo esse contexto, Tlatelolco não só busca uma política autônoma de segurança para a região, mas também visa “minar uma tentativa maior de ingerência externa através do TNP”, classifica o professor da UFF.
Brasil deve desenvolver armas nucleares?
Hoje afastado da época da Guerra Fria, muitos retomam o pensamento de que o Brasil deveria desenvolver armas nucleares próprias como forma de calcar sua posição dentro do ordenamento bélico mundial.
Para Luiza Januário, contudo, não há lógica dentro desse pensamento.
“Quem que é o grande inimigo que pode ser combatido com armas nucleares? Qual que é o grande rival?”, questiona a especialista.
O desenvolvimento de armas nucleares é um projeto custoso e que seria facilmente identificado a nível internacional. “Embarcar em um programa de construção de armas realmente seria um esforço muito grande e que colocaria o país sob grande pressão internacional.”
Antes mesmo de haver resultados, o projeto seria identificado, isolando o país geopoliticamente. O projeto, destaca Januário, vai inclusive contra a tradição diplomática brasileira de ser um país pacífico e aberto ao diálogo.
Além do que, diz a professora, argumentos de que a bomba nuclear traz segurança para o país tampouco se sustentam. “Isso gera uma insegurança nos vizinhos, uma instabilidade generalizada.”
“O Brasil viraria um pária.”
Fonte: sputniknewsbrasil