Após sucessivas derrotas eleitorais, a esquerda brasileira busca se reconectar com sua base eleitoral de trabalhadores por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o fim da escala 6×1 – ou seja, uma folga a cada seis dias de trabalho. A proposta é que fosse adotada a jornada 4×3 – quatro dias de trabalho e três de folga. A autora da PEC é a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). Em contrapartida, entidades empresariais criticam a medida e afirmam que ela pode gerar desemprego e aumento de custos.
Assim como ocorreu nos Estados Unidos, a percepção de parte da esquerda no Brasil é de que o foco deve ser em pautas mais pragmáticas e menos identitárias para não perder a parte do eleitorado mais conservador que tradicionalmente votava com a esquerda. O maior exemplo é o público composto por evangélicos, dos quais Lula recebeu votos nas eleições de 2002, mas acabaram se afastando do Partido dos Trabalhadores (PT) após a legenda dar ênfase a temas como a liberação das drogas, a descriminalização do aborto e união entre pessoas do mesmo sexo.
As eleições municipais deste ano também acenderam um sinal amarelo no Palácio do Planalto e nas demais legendas progressistas. Em outubro, a maioria dos prefeitos eleitos foi de centro ou de direita, mostrando uma tendência do eleitorado brasileiro que pode se intensificar em 2026. Nesse pleito, o PT elegeu apenas 252 prefeitos.
Soma-se a isso a vitória do republicano Donald Trump contra o Partido Democrata, o que também mostrou que a direita americana conseguiu se conectar com os trabalhadores, que antes eram os principais eleitores da própria esquerda.
Sobre a PEC da redução de jornada, estão previstas reuniões entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), autora da PEC, ainda nesta semana, para definir a posição do Executivo sobre o tema. Por outro lado, a bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados já se articula para que haja uma aderência do Planalto.
Para que a PEC comece a tramitar, é preciso a assinatura de ao menos 171 dos 513 deputados federais ou de 27 dos 81 senadores. Até o momento, Erika tem afirmado na imprensa que já coletou mais de 140 assinaturas.
Para Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a recente discussão sobre a redução da jornada de trabalho revela uma tentativa da esquerda identitária de se reposicionar no debate público.
“Esse grupo, mais especificamente o PSOL, está procurando se afastar de pautas identitárias divisivas, como gênero e raça, que têm apelo em eleições proporcionais, mas enfrentam dificuldade para criar um discurso coeso com maior potencial de mobilização,” analisa Gomes. A proposta em questão foi apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL), o que, segundo ele, mostra esse movimento da esquerda identitária em busca de um espaço mais amplo na política.
Ele também destaca que a redução de jornadas, historicamente, não é resultado direto de lutas sindicais, como é comum na narrativa de esquerda, mas uma adaptação natural dos processos econômicos às mudanças tecnológicas. “A realidade e a história econômica ensinam que os próprios atores econômicos se adaptaram por conta das inovações nos processos de produção, e não apenas por pressão sindical”, afirma.
Em outra frente para tentar a reaproximação com o eleitorado, de acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também estaria pensando em entregar um ministério ao público evangélico na próxima reforma ministerial. Entre os nomes cotados, diz o jornal, estariam os da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) e da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).
Trabalhismo do século XX não se adapta ao novo mercado de trabalho
Para Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, o trabalhismo enfrenta um enfraquecimento devido às transformações no mercado de trabalho, o que explicaria a tentativa da esquerda brasileira em reavivá-lo. Ele destaca que, além do aumento da informalidade, há uma tendência crescente de atuação autônoma.
“Não é nem a pejotização, mas a própria possibilidade do indivíduo, através do MEI, fazer atividades próprias”, analisa, pontuando que esse cenário afasta os trabalhadores do modelo sindical tradicional.
Ele cita a tentativa de sindicalização dos motoristas de aplicativos de transporte individual de passageiros como exemplo. O governo cogitou o enquadramento dos profissionais por aplicativo na CLT, mas não teve respaldo nem das empresas nem da Justiça, que se tem dividido sobre o tema.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/2024, que versa sobre o tema, chegou a tramitar no início do ano na Câmara dos Deputados e foi visto como uma tentativa do governo de se aproximar da categoria. No entanto, por falta de acordo, encontra-se estagnado na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços (CICS).
“Claramente, foi uma tentativa de reestruturar o mercado de trabalho no Brasil para aqueles padrões do velho trabalhismo do século XX”, observa, referindo-se ao movimento de incluir trabalhadores de plataformas digitais em normas trabalhistas rígidas. “Estão tentando até organizar passeatas para o dia 15 de novembro, mas acho que isso vai mobilizar apenas uma minoria”, salienta.
Parte da direita afirma que PEC traz impactos negativos para a economia e outra parte apoia
A proposta de Erika Hilton (PSOL-SP) tem sido alvo de críticas por parte de parlamentares da direita, os quais citam riscos que a proposta pode trazer para a economia. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) afirma que a PEC contém um erro que chamou de “bizarro”, já que propõe uma jornada de até oito horas diárias, em quatro dias por semana – o que equivale a um total de 32 horas semanais.
“Como é que ficam os casos, por exemplo, dos supermercados, restaurantes e hospitais que tem que funcionar 24 horas? Numa escala, por exemplo, 4×3 – trabalha quatro dias e folga três – basicamente, ou eles demitem funcionários ou eles aumentam os funcionários. O aumento dos funcionários gera despesa para essas empresas. Ou seja, a discussão é só se vai aumentar o desemprego e a informalidade, porque destruir o sustento do pobre, eu não tenho dúvida”, afirmou o parlamentar.
O presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), disse que a proposta é “romântica” e que é preciso ter uma discussão ampla para evitar que a mudança gere desemprego.
“É uma discussão válida, mas não pode ser irresponsável”, disse o deputado em entrevista à CNN. E acrescentou: “É tudo muito romântico, é muito bonito, mas na vida prática como faço isso essa redução de jornada sem demissão? Se alguém me comprovar eu estou dentro”.
Em contrapartida, matéria da Gazeta do Povo mostrou que até mesmo alguns deputados da bancada do PL, contrários à iniciativa, sentiram a “pressão da internet” e manifestaram apoio à redução da jornada de trabalho 6×1.
O deputado federal Fernando Rodolfo (PL-PE) disse que é “hora de repensar o modelo de trabalho no Brasil”. Outro parlamentar, o senador Cleitinho (PL-MG), se disse favorável à redução de jornada de trabalho e foi elogiado em suas redes.
Em crise, PT estuda se aproximar do centro para evitar derrota em 2026
O Partido dos Trabalhadores (PT) também estuda adotar uma postura mais de centro como estratégia eleitoral para 2026. Após o resultado das eleições municipais, o sentimento na legenda é de que o discurso petista precisa ser ajustado para o eleitorado de centro-direita, o qual ganhou peso nos últimos anos. No entanto, a mudança não é consenso e enfrenta resistências de alas mais ideológicas da sigla.
Além disso, parte da crise que abate a legenda encontra raízes em disputas internas entre seus membros. A principal disputa se dá entorno da sucessão de Gleisi Hoffmann na presidência da sigla, já que o seu mandato termina em 2025.
A sigla também busca um nome que tenha melhor trânsito no Legislativo para dialogar com as legendas do Centrão. Nos bastidores do partido, uma ala defende que Gleisi antecipe a sua saída da presidência do partido. O deputado federal Odair Cunha (PT-MG) e o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, foram aventados como possibilidade para a suceder a parlamentar.
O PT deve realizar entre os dias 05 e 07 de dezembro um congresso para discutir as regras para a sucessão de Gleisi.
Trabalhadores foram decisivos para a vitória de Trump
Na eleição americana, o voto dos trabalhadores em Trump foi considerado decisivo para a vitória do republicano. Mas como ele conseguiu isso? A campanha do presidente eleito focou sua atuação em estados onde os trabalhadores demonstraram uma clara insatisfação com a gestão de Joe Biden, como Michigan, estado que concentra a indústria automobilística americana.
Trump também prometeu incentivos financeiros a grupos-chave: nenhum imposto sobre salários com gorjetas para trabalhadores de serviços; nenhum imposto sobre horas extras para trabalhadores de colarinho azul (trabalhadores da indústria); nenhum imposto sobre a Previdência Social para idosos.
Com esse conjunto de promessas, Trump conseguiu adentrar o “Cinturão da Ferrugem”. O nome faz referência às fábricas hoje abandonadas nessa porção dos Estados Unidos, que abrange partes do Meio-Oeste e do nordeste do país, como Pensilvânia, Ohio, Michigan, Illinois e Wisconsin. Com exceção de Illinois, Trump venceu nesses estados.
Fonte: gazetadopovo