Foi um dia mágico, lembra Rogério Sampaio, 30 anos depois do improvável ouro no judô


Foi um dia mágico, lembra Rogério Sampaio, 30 anos depois do improvável ouro no judô

(FOLHAPRESS) – Trinta anos depois daquele 1º de agosto de 1992, Rogério Sampaio ainda tem uma imagem na cabeça. De quimono, pronto para entrar no tatame, assistia à outra semifinal do judô até 65 quilos. O húngaro József Csák enfrentava o cubano Israel Hernández.


“O cubano era técnico, sempre com muita estratégia, e eu não queria lutar com ele. Ele vinha fechadinho, tentando explorar o seu erro e, quando você errava, não conseguia reverter. O húngaro era um judoca de movimentação. Ideal para mim”, lembra-se o brasileiro.

O combate durou 20 segundos. Csák venceu por ippon, o golpe mais decisivo do esporte. Sampaio sentiu que o caminho estava aberto para uma medalha de ouro que não era considerada provável antes das Olimpíadas de Barcelona-1992.

Minutos depois, ele derrotou o alemão Udo Quellmalz, campeão mundial, e também se classificou para a final.

“Estava todo mundo do judô focado no Aurélio Miguel, que era nosso campeão olímpico e maior esperança de medalha. Outros excelentes judocas ficaram um pouco esquecidos. Mas isso não significa que não tinham chances”, opina o atual presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e então técnico da seleção brasileira, Paulo Wanderley.

Miguel caiu nas quartas de final e não foi ao pódio. Apesar da opinião de Wanderley, um dia antes da disputa da categoria de Sampaio, integrantes da comissão técnica da CBJ (Confederação Brasileira de Judô) diziam a jornalistas que não precisavam nem se dar ao trabalho de irem ao Palau Blaugrana, arena onde acontecia a modalidade. A possibilidade de medalha era pequena.

Este é apenas mais um componente que torna o único ouro do Brasil até o último dia dos Jogos, quando o vôlei masculino ganhou a decisão contra a Holanda, em um roteiro cinematográfico.

“Eu sabia que na final contra o húngaro eu havia me tornado favorito”, confessa Sampaio três décadas depois.

Ele apenas não gosta de uma comparação comum no esporte: de que o atleta que vence é porque acordou com o pé direito.

“Foi um dia mágico para mim. Incrível. Mas eu fujo um pouco disso de estar em um bom dia. Ninguém tem falhas na preparação, chega na hora de competir e está 100%. Foi o dia em que pude apresentar o meu melhor como atleta. Foi o momento em que eu tive de colocar para fora tudo o que aprendi e treinei por 20 anos no judô”, completa.

Isso conta apenas parte da história. Por dois anos e meio, até janeiro de 1992, ele ficou sem participar de competições internacionais e esteve afastado da modalidade. Era um dos líderes de boicote contra a CBJ por falta de apoio e estrutura.

Os judocas faziam treinamentos em tatames de palha. Sampaio lembra que a estrutura era quase amadora.

Ele sabia que, ao voltar tão perto dos Jogos, teria uma corrida contra o tempo.

Também teve de superar a morte do irmão Ricardo Sampaio, a quem chama ainda hoje de “ídolo”. Também judoca, bicampeão sul-americano e integrante da equipe brasileira nas Olimpíadas de Seul-1988, Ricardo cometeu suicídio em abril de 1991.

Foi nele que Rogério pensou quando percebeu, segundos após a vitória sobre o húngaro, que havia ganhado a medalha de ouro.

“Tratou-se de um ciclo olímpico muito duro. Fiquei afastado dos companheiros de seleção, das competições internacionais, tive o período após o falecimento do meu irmão, que foi uma perda terrível para mim. Eu o tinha como meu ídolo e perdi a maior referência naquele momento. Quando ganhei, queria falar com ele e não podia.”

Rogério Sampaio sabia que tinha potencial para pódio. Acredita que quando iniciou o boicote à CBJ, estava entre os cinco melhores do mundo em sua categoria. A questão era como conseguiria retomar a carreira naqueles seis meses até a competição em Barcelona.

Se havia alguma dúvida, suas três primeiras lutas a dissiparam. Ele derrotou o português Augusto Almeida, o sul-coreano Kim Sang-mun e o argentino Francisco Morales de forma rápida e por ippon. Aquilo não apenas lhe deu confiança mas fez com que poupasse energia para os combates decisivos.

“Rogério era um judoca completo. Cada luta dele foi ganha com uma técnica diferente. Ele não se escondia do adversário e partia para cima com técnicas variadas”, analisa Paulo Wanderley.
A ligação entre os dois segue até hoje. Sampaio é diretor-geral do COB.

A cada vitória naquele 1º de agosto, mais gente se aglomerava em frente à casa do judoca, à rua Espírito Santo, em Santos. Sua mãe, dona Neusa, confessa que não sabia o que fazer para dissipar o nervosismo e conter a alegria com a proximidade da medalha. Quando voltou à sua cidade, Rogério desfilou em carro do Corpo de Bombeiros.

Foi o triunfo também de quem acreditou na possibilidade de medalha mesmo quando um ponto de dúvida surgiu na cabeça do judoca.

Alguns meses antes dos Jogos, Sampaio foi a uma festa em Santos e decidiu beber um copo de cerveja. Argumentou que dificilmente subiria ao pódio em Barcelona. Então, por que não?

Seus amigos não permitiram que ele bebesse.

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