*Por Fábio Isaias Felipe, Pesquisador da Cepea
Assim como na maioria das cadeias agroindustriais, a da mandioca vem passando por uma série de transformações em todos os elos, o que também impõe desafios ao setor, e a superação deles depende de ações conjuntas e individuais. Além disso, a atividade mostra um grande potencial, especialmente por conta da demanda crescente por amidos.
Ainda que o milho seja a maior fonte de amidos em termos mundiais, a produção de fécula tem apresentado avanço, devido ao menor custo de extração. Fora da Ásia, o Brasil é o principal player, e a indústria vem passando por mudanças que se acentuaram na última década.
Primeiro, as fecularias buscaram aumentar a produção e elevar os padrões de qualidade, em um mercado cada vez mais exigente. E, atualmente, a indústria busca aumentar o mix de produtos para atender a diferentes mercados. Das unidades ativas em 2023, 45% produziram, além da fécula, amidos modificados, polvilhos, misturas para pão de queijo, entre outros.
Ao mesmo tempo, há esforços em ampliar a participação dos derivados de mandioca em várias aplicações, o que resulta em maior dependência da demanda do mercado doméstico. Entre 2011 e 2023, o consumo médio foi de 555,3 mil toneladas/ano, bastante ajustado à produção na maior parte do período.
Segundo dados levantados pelo Cepea em parceria com a Abam (Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca), a produção de fécula saiu de 400 mil toneladas em 2000 para 676,70 mil toneladas em 2023, crescimento médio anual de 0,7%. No acumulado de 2024 (de janeiro a julho), o volume produzido já superou as 476 mil toneladas, segundo estimativas mais recentes, podendo ser um dos maiores volumes da série histórica, iniciada em 1990.
Esses números revelam dois grandes desafios para o elo industrial, que são: i) aumentar ainda mais a produção, o que depende em grande parte de melhorar a eficiência na indústria de fécula – ela apresenta percentuais significativos de ociosidade, com média de 50% da capacidade instalada, e ii) ampliar participações em outros mercados de amidos, principalmente no setor externo.
Para isso, no entanto, são necessários mecanismos de governança que minimizem desequilíbrios entre a oferta e demanda e a volatilidade de preços, sobretudo em momentos em que a mandiocultura mostre menor atratividade se comparada com outras atividades. Nesse sentido, é importante destacar que a produção de mandioca tem recuado na maioria das regiões brasileiras, com movimento inverso em regiões nas quais se concentra a industrialização, sobretudo para a produção de fécula.
Segundo cálculos do Cepea realizados a partir de dados do IBGE, entre 2000 e 2024, a produção brasileira de mandioca caiu a uma média anual de 1,5%, decorrente da diminuição de 2% a.a. na área colhida, enquanto que a produtividade média se elevou a uma taxa média anual de 0,6% no mesmo período. Chama a atenção o fato de que, no período considerado, a queda de produção foi mais expressiva na região Nordeste 4,5% anuais, em função de adversidades climáticas recorrentes e necessidade de melhoria no pacote tecnológico Na região Sul, o recuo da produção no mesmo período foi de 0,8% a.a., seguida pelas regiões Norte e Nordeste, com 0,1% a.a. cada uma. Houve acréscimo apenas no Centro-Oeste, de 0,5% ao ano.
As diferentes realidades das regiões brasileiras têm exigido esforços da agenda de pesquisa para o desenvolvimento de novas variedades e manejo, com trabalhos da Embrapa Mandioca e Fruticultura, do Instituto de Desenvolvimento Rural (IDR Paraná) e da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), dentre outras instituições, o que já tem mudado alguns cenários regionais no que refere à maior produção.
Nos últimos anos, a oferta de mão de obra tem recuado, sobretudo para a colheita da mandioca industrial, o que se configura como um dos gargalos mais recentes para a cultura. Nesse sentido, a mecanização dessa etapa – que já é uma realidade – pode minimizar esse entrave, possivelmente no médio ou longo prazo. No entanto, para que isso ocorra, são necessárias alterações no manejo e investimentos em capital.
No Paraná e em Mato Grosso do Sul poderá haver uma expansão da indústria de fécula decorrente de ampliações e novas unidades a serem instaladas nos próximos nos anos. Por outro lado, como já apresentado, a oferta de matéria-prima não tem avançado no mesmo ritmo no Brasil, ficando cada vez mais concentrada nos estados produtores de fécula e farinha. Ressalta-se que atualmente o Paraná, Mato Grosso do Sul e estado de São Paulo já representam 34% da produção brasileira, um crescimento acima de 10 pontos percentuais nos últimos 20 anos.
A literatura aponta que a produtividade da mandioca no Brasil, mesmo nestes principais estados, ainda está abaixo do potencial que se pode obter. E assim, aumentar a oferta por meio da produtividade, depende de planejamento, pesquisa e gestão, o que, inclusive, pode elevar o nível de competitividade dos amidos derivados da mandioca nos mercados doméstico e internacional.
Fonte: noticiasagricolas