Via @uolnoticias | Uma advogada foi condenada em segunda instância a pagar R$ 20 mil por praticar islamofobia em vídeos do Instagram, em 2021. A ação foi ajuizada pela Anaji (Associação Nacional dos Juristas Islâmicos).
O que aconteceu
Advogada disse que “Islã é uma religião anticristã”. Em vídeo publicado no Instagram, Ana Paula Silva Sanches ainda disse que “eles [muçulmanos] perseguem cristãos, que eles matam cristãos, que eles torturam cristãos”. As falas foram feitas após o Instagram criar adesivos em homenagem ao Ramadã, mês sagrado do Islamismo que ocorria à época do caso. Leia algumas das falas da advogada:
*Advogada condenada por praticar islamofobia
Juiz considerou uso da palavra “bombástico” como escárnio. No acórdão do processo, publicado na última semana, o relator José Rubens Queiroz Gomes escreve que a comunicação da ré denotava desdém contra os muçulmanos.
Advogada simulou uso de hijab e disse: “Quem rir, vai explodir”. A mulher apareceu em outra publicação com um lenço na cabeça e fingiu pedir desculpas, dizendo mesmo que “cansou do cristianismo” e estava “se convertendo ao islamismo”. Durante o processo, afirmou que a representação era “ecumênica, não muçulmana”, mas não convenceu o juiz, que viu “caráter jocoso e de zombaria” na postagem
“Nunca vi tanto muçulmano, tanta gente com lenço no cabelo”, disse ela em outra postagem. Em vídeo, a Ana Paula relata que foi atacada e ameaçada por muçulmanos, e diz: “Eu passei o dia inteiro bloqueando e apagando mensagem dos Mohamed, dos Mubarak, das Jasmin, das Jades. Não é discurso de ódio, cara, eu não falei: ‘vai lá matar muçulmano’, eu falei o que o Islã faz”, afirmou.
Justiça entendeu que mulher “ultrapassou liberdade de expressão”. O juiz José Gomes escreveu que a ré tinha o direito de defender sua crença pela liberdade de expressão, mas que “a liberdade de expressão ou de pensamento não é ilimitada”.
Em defesa, Ana Paula disse que tem “conhecimento técnico” sobre islamismo. Os autos do processo indicam que a mulher alegou que suas falas foram cortadas e retiradas de contexto, “com a clara finalidade de desvirtuar toda realidade”. Além disso, diz que é formada em teologia e tem “conhecimento técnico religioso aprofundado” sobre o tema, e que “nunca propagou qualquer ato de violência, perseguição religiosa ou incentivo a qualquer ato ofensivo para com os islâmicos”.
O valor da indenização será repassado ao Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos. O valor de R$ 20 mil foi considerado “suficiente à reparação da dor sofrida pelas vítimas” e um “desestímulo ao causador do dano”.
Procurada pelo UOL, a advogada Ana Paula Silva Sanches disse que seu posicionamento é “o que consta nos autos”. Ela afirmou que o processo está em “fase de recurso”.
Islamofobia no Brasil cresceu desde início de guerra em Gaza
Pesquisa da USP relatou aumento de islamofobia. Publicado no final de 2023, o relatório do Gracias (Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP) indicou que 92,3% das mulheres e 84% dos homens muçulmanos perceberam um aumento na islamofobia no Brasil após os ataques do Hamas contra cidadãos israelenses, em 7 de outubro do último ano.
Ofensas ocorrem principalmente pela internet. Girrad Samour, presidente da Anaji (Associação Nacional dos Juristas Islâmicos), afirma que os agressores “acham que a internet é terra sem lei” e realizam seus ataques de maneira virtual. Em sua maioria, são xingamentos e ameaças pontuais, mas podem evoluir para perseguições e ataques físicos premeditados.
Associação de juristas recebeu 800% mais denúncias. Um levantamento de abril realizado pela Anaji mostrou que a associação recebeu 8 vezes mais denúncias em relação ao mesmo período no ano anterior. “Tratam o Islã como o mau, enquanto as escrituras pregam o bem, a paz. Dizem que a religião é satanista, que ataca cristãos. As pessoas são manipuladas”, analisa Sammour.
Mulheres são maioria das vítimas. O relatório do Gracias indica que as mulheres relataram aumento de 70% em ataques islamofóbicos contra elas após o início da guerra. Sammour diz que a Anaji 70% das denúncias recebidas pela organização são feitas por mulheres. Os ataques se tornam mais comuns contra elas em lugares públicos, onde aparecem usando os diferentes tipos de lenço, como o hijab, a burca e a shayla.
Poder público falha com muçulmanos, avalia jurista. A Anaji atende muçulmanos alvos de preconceito invisibilizados pelas polícias. Segundo o presidente da associação, o poder público não costuma identificar os ataques sofridos pelos muçulmanos como islamofobia, e assim não permite que os culpados sejam devidamente punidos.
“Fonte da islamofobia é ignorância”, reflete pesquisadora. Francirosy Brabosa acredita que “na sociedade brasileira, falta conhecimento sobre o Islã. É preciso ensinar. Ocorre atrelamento constante ao terrorismo, o que é errado. Há um gap (vazio) de conhecimento que favorece a islamofobia. A imagem do outro é deturpada.”
Aumento da islamofobia é alerta global, alerta ONU. Em março, o secretário-geral da ONU, António Guterres, descreveu a islamofobia como “uma praga que nega e ignora os islâmicos, muçulmanos e suas contribuições”. Leia um trecho do discurso dele:
“A retórica divisiva e a deturpação estão propagando estereótipos, estigmatizando comunidades e criando um ambiente de mal-entendidos e suspeitas. Isso pode levar a um aumento do assédio e até mesmo da violência direta contra os muçulmanos – relatos crescentes estão sendo relatados por grupos da sociedade civil em países de todo o mundo. Alguns estão explorando vergonhosamente o ódio contra os muçulmanos e as políticas de exclusão para obter ganhos políticos. Devemos chamar isso pelo que é. Ódio. Puro e simples.”
*António Guterres, sobre o crescimento da islamofobia no mundo
Thiago Bomfim
Fonte: @uolnoticias