Na hora de decidir o que plantar para o próximo ciclo, dois fatores mais pesam no cálculo dos agricultores: o comportamento dos preços e a previsão do clima. Para o ciclo 2024/25, os produtores gaúchos, que respondem por 70% da safra brasileira de arroz, resolveram manter a aposta no cultivo, ainda que com a pulga atrás da orelha em relação ao comportamento do governo Lula.
Segundo levantamento do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), a área plantada com arroz no estado vai aumentar em 5,3%, chegando a 948 mil hectares. Contribui para essa expansão a provável chegada de um fenômeno La Niña mais fraco, que favorece o arroz com incidência solar e chuvas suficientes para manter as barragens em nível satisfatório.
Depois de duas safras com estiagem e outra com enchentes, os produtores gaúchos também levam em conta uma virtude importante do cereal. “Estamos vivendo extremos climáticos e a opção pelo arroz aumenta, por ser uma cultura com mais resiliência em relação aos estresses hídricos”, diz Flávia Tomita, diretora técnica do Irga. Por outro lado, os baixos preços da soja têm ajudado a retomada do arroz em áreas já cultivadas anteriormente.
Preocupação constante com tendência intervencionista do governo
O único senão é o risco de o governo Lula inventar uma nova intervenção no mercado, como fez neste ano, com os leilões da Conab que pretendiam importar até 1 milhão de toneladas de arroz a um custo de R$ 7 bilhões.
“Nós já temos arroz por menos de 20 reais o saco de 5 kg, tipo 1, de qualidade. E é isso que a gente tem demonstrado ao governo, que o mercado voltou à normalidade e os problemas são pontuais”, diz Alexandre Velho, presidente da Federação das Associações dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz).
Em alguns grandes centros do Norte e Nordeste, onde o preço do arroz se mantém mais elevado, a própria indústria tem aumentado as importações para equilibrar a oferta.
Em junho, a Conab chegou a bater o martelo no primeiro leilão de arroz. Mas o certame bilionário acabou anulado após uma série de suspeitas de irregularidades, favorecimentos e fraude. Um ex-assessor do então secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, era sócio de duas corretoras que ganharam a disputa. Dentre os vencedores, estavam fábrica de sorvetes, locadora de carros e mercearia, empresas não habilitadas para operar com comércio exterior.
Importação e exportação já funcionam como válvula regulatória
O leilão não ocorreu, mas o estrago veio. “Houve um efeito prejudicial porque esse anúncio provocou uma corrida dos consumidores aos supermercados, procurando se estocar de arroz, o que não era necessário. Então, houve um ligeiro desabastecimento em função desta compra maior, no mesmo momento em que o Rio Grande do Sul passava por uma situação muito delicada na logística, com muitas estradadas interrompidas, pontes caídas e excesso de chuvas”, recorda o dirigente da Federarroz.
Como ficou comprovado nos dias seguintes à catástrofe das enchentes, a quase totalidade da safra de arroz gaúcha já havia sido colhida. A quebra foi de menos de 2%.
O entrave logístico durou poucos dias, mas, mesmo que tivesse se estendido por algumas semanas, já havia previsão de a própria indústria recorrer às importações, como ocorre normalmente para regular oferta e demanda. É o que tem acontecido a cada ano, com o país ora importando, ora exportando arroz. Em 2023, o Brasil exportou 1,73 milhão de toneladas e importou 1,4 milhão, segundo estimativas da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz).
Arroz importado veio, mas pelas mãos da indústria
De janeiro a julho, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC/Secex), o país importou 186 mil toneladas de arroz do Paraguai, 128 mil da Tailândia, 114 mil do Uruguai e 15 mil da Argentina.
“Esse fluxo de um milhão e pouco de toneladas de saída e um milhão e pouco de entrada é normal, é o ideal para deixar o sistema funcionando bem. Para você não chegar num momento em que está quebrando o produtor ou, em outro momento, quebrando a indústria”, avalia o consultor de commodities agrícolas Vlamir Brandalizze.
Mesmo no cenário de turbulências vivido em 2024, em função do arroubo intervencionista do governo, o arroz brasileiro segue como um dos mais baratos dentre 96 países pesquisados.
Na lista de preços, o país está na 85.ª posição, enquanto a Argentina está na 75.ª, o Uruguai na 67.ª, o México na 55.ª, Cuba na 36.ª e os EUA na 1.ª posição. O mercado brasileiro é concorrido e “tem arroz para tudo que é custo”, observa Brandalizze.
Os preços hoje podem variar de R$ 20 até R$ 40 por 5 kg, para marcas mais famosas. “Mesmo as marcas mais caras estão com preço menor do que no pico, na virada do ano passado, quando o governo fez aquele barulhão”, diz o analista.
Leilões da Conab, mesmo anulados, descalibraram os negócios
Os leilões de arroz do governo Lula, ainda que não tenham chegado ao estágio final de inundar o mercado com o cereal, acabaram descalibrando o fluxo dos negócios. “Bagunçou todo o calendário, todo o fluxo de comercialização. O consumidor se estocou e isso acabou prejudicando o fluxo da demanda ao longo do ano”, aponta Evandro de Oliveira, analista da agência Safras & Mercado em Porto Alegre (RS).
“O problema do arroz nunca foi oferta, sempre foi desincentivo, com altos custos de produção e grande carga tributária que vai desde a semente até a prateleira do supermercado”, acrescenta Oliveira. Um exemplo desse desincentivo estaria no ICMS, de 18%, enquanto para o arroz importado o governo Lula zerou a incidência do imposto de importação.
Para as próximas semanas e meses, sem a intervenção estatal, a tendência é de o setor se reacomodar, conforme as demandas do mercado e os fatores determinantes de clima e preço.
Brandalizze estima que a produção brasileira de arroz no ciclo 2024/25 poderá aumentar em até um milhão de toneladas, atingindo 11,5 milhões. “Devemos ter um bom ano de abastecimento e isso vai dar fôlego para o produtor, porque o mercado internacional também está firme. Então, se começar a cair demais o preço aqui na hora da colheita, ele coloca na exportação para limitar a queda, para não ter que trabalhar abaixo do custo”, sustenta.
Governo insiste na tese de controle de preços
Num movimento para tentar salvar algum protagonismo após o fiasco dos leilões, o governo federal anunciou em julho um acordo com os agricultores e a indústria. Dentre outros pontos, prevê esforço conjunto para abastecer locais onde for identificada alta de preços incomum. Como parte dessa estratégia está a manutenção de estoques perto dos grandes centros consumidores.
Mesmo esse acordo, contudo, não deixa de estar contaminado, da parte estatal, por um viés intervencionista. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, insiste que o arroz tem que ter “um preço justo”. A questão é saber quem define o que é um preço justo. Corre-se o risco, observa Brandalizze, de o governo dizer que um determinado valor é justo, enquanto, na prática, ele não cobre os custos de produção.
Para que o arroz chegue gôndolas a R$ 4 o quilo, como insiste o presidente Lula, os produtores teriam que receber menos de R$ 80 pela saca de 50 kg de arroz com casca, enquanto a cotação atual está em R$ 118. Em termos de custos totais, a produção de uma saca de arroz varia entre R$ 93 e R$ 96; considerando apenas os custos variáveis, o valor oscila entre R$ 75 e R$ 85 a saca, no Rio Grande do Sul.
“Estou no pé dele para baixar o preço do arroz”, diz Lula
Nesse cenário, quais as chances de o governo ressuscitar a ideia de leilões para aquisição de arroz? O presidente Lula, pelo menos, não abandonou a retórica de ameaça ao setor produtivo.
“Eu ando brigando com o Paulo Teixeira [ministro do Desenvolvimento Agrário] porque faz mais de dois meses que eu mandei fazer um leilão para baratear o preço do arroz nesse país. Eu vi um pacote de 5 kg a R$ 33. Falei ‘não é possível’”, disse Lula no dia 24 de agosto. “Ele sabe que estou no pé dele para baixar o preço do arroz porque eu disse que ia baixar o preço da picanha e a picanha baixou”, emendou.
A Gazeta do Povo já mostrou que a baixa do preço da carne está relacionada ao ciclo pecuário, de maior abate de fêmeas, que só deve mudar em 2025 e 2026, e não às ações do governo. Quanto ao arroz, as ameaças de intervenção podem não passar mesmo de bravata, porque o produto lá fora está mais caro.
“Acho que o Ministério da Agricultura aprendeu, porque levou uma lambada. Ele sabe que se quiser mexer no mercado e importar arroz da Ásia, terá de gastar bilhões de reais e vai ficar feio para as contas públicas. Por que o arroz que sai hoje lá do Vietnã e da Tailândia, até chegar ao mercado brasileiro, vai custar mais de 12 reais o quilo”, aponta Brandalizze.
Quanto mais livre o mercado, menor risco de desabastecimento
A alta do arroz, como commodity, é uma realidade mundial que se agravou depois que a Índia, maior exportador, decidiu barrar a maioria dos embarques há um ano.
“O preço do arroz na Ásia vem subindo toda semana. A safra lá já está no final, com uma produção menor que o consumo. Aqui dentro, se o governo não meter o bedelho, o produtor vai plantar mais no Rio Grande do Sul, vai plantar mais nos estados centrais, não só por causa do arroz, mas porque a soja está com o preço muito baixo. O governo não deve se intrometer num negócio que não entende. De preferência, deve deixar o mercado livre. Quanto mais livre, menos risco de problema de abastecimento”, argumenta o engenheiro agrônomo.
Alexandre Velho, da Federarroz, também acredita que o episódio dos leilões anulados possa ter ensinado algo ao governo Lula. “Com argumentos técnicos, e nunca ideológicos, conseguimos momentaneamente demover o governo da ideia de compra de arroz, de qualidade inferior ao nosso”, afirma Velho.
A Gazeta do Povo contatou a Conab, para saber se ainda está nos planos um eventual leilão de arroz. A assessoria respondeu, apenas, que “as projeções da Conab para a próxima safra serão apresentadas no evento de perspectivas previsto para ocorrer na segunda quinzena de setembro”.
Fonte: gazetadopovo