Você já aliviou sanções sobre um governo inimigo apenas para vê-lo causar um banho de sangue pouco tempo depois? Já reverteu as políticas criadas por seu antecessor somente para acabar numa situação pior do que antes?
Se isso soa familiar, você não está sozinho; esses cenários estão prestes a se repetir – mais uma vez – para Joe Biden, desta vez na Venezuela, que balança à beira de uma potencial guerra civil na esteira de uma eleição amplamente considerada pela comunidade internacional como manipulada pelo ditador Nicolás Maduro.
Embora não se possa atribuir a Biden a responsabilidade pelos eventos na Venezuela, a influência americana reflete claramente os fracassos da política externa durante sua administração.
Em outubro passado, após 18 meses de intensas negociações no Catar, o Governo Biden anunciou uma pausa temporária das sanções às exportações de ouro e petróleo venezuelano por seis meses. Na teoria, a contrapartida foi a libertação de cinco presos políticos pelo regime de Maduro e a celebração de um acordo por eleições livres e justas no país – o Acordo de Barbados.
Na prática, a reversão das sanções, impostas à Venezuela durante o Governo Trump, teve como objetivo facilitar a compra de petróleo venezuelano pelos Estados Unidos numa tentativa de baixar os preços dos combustíveis e resgatar a economia americana de uma espiral inflacionária.
Portanto, Joe Biden não se preocupou em exigir qualquer monitoramento internacional das eleições venezuelanas, reformas profundas da legislação eleitoral ou medidas de transparência – se contentando com o acordo mais básico que fizesse o petróleo fluir.
Um ex-alto funcionário dos EUA descreveu as concessões como sendo “de uma generosidade impressionante”, segundo o Financial Times. Na época, a oposição venezuelana alertou que o governo americano era ingênuo ao acreditar que Maduro pretendia realizar eleições livres e que aliviar as sanções apenas impulsionaria uma “explosão da corrupção”.
O Departamento de Estado de Biden rapidamente rebateu essas críticas, insistindo que o acordo colocava em vigor uma “nova estrutura de incentivos”, sob a qual o regime de Maduro não precisaria mais recorrer ao mercado negro para exportar suas commodities, supostamente tornando as transações mais lucrativas e alinhando interesses entre americanos e venezuelanos. Uma garantia frágil como admitiu uma fonte anônima do congresso americano ao Financial Times: “Estamos traçando uma linha na areia, para tentar evitar escalada autoritária”.
Vale lembrar que em setembro de 2023, um mês antes de aliviar as sanções sobre a Venezuela, o Governo Biden aprovou a liberação de US$ 6 bilhões em ativos iranianos congelados, em um acordo que trocou cinco prisioneiros iranianos por cinco americanos detidos no Irã.
O diplomata americano responsável pelo acordo, Brett McGurk, assegurou ao mundo que o dinheiro seria usado apenas para fins estritamente humanitários. No entanto, apenas um mês depois, o grupo terrorista Hamas, financiado pelo Irã, lançou os mortais ataques de 7 de outubro a Israel, desencadeando o conflito em andamento na região.
Agora, às vésperas das eleições na Venezuela, Maduro prometeu literalmente um “banho de sangue” caso saísse perdedor — e tudo indica que ele segue disposto a cumprir sua promessa.
Assim como com o Irã, as tentativas de Biden de apaziguar uma ditadura brutal falhou novamente com Maduro. Só que agora, as consequências estão se desdobrando a apenas 2.000 quilômetros das fronteiras dos Estados Unidos – aproximadamente metade da distância entre Los Angeles e Nova York.
Conforme aconteceu com a situação na fronteira dos EUA com o México – onde o afã de Biden em reverter as políticas da era Trump acabou causando tantos problemas que ele foi obrigado a retomar muitas das políticas descartadas – as sanções à Venezuela foram restabelecidas em abril passado, quando provavelmente já era tarde demais.
À medida que as tensões políticas aumentam, também aumenta o risco de uma imigração em massa de venezuelanos para os Estados Unidos, uma situação que há muito tempo preocupa políticos e especialistas. Apesar disso, a vice-presidente Kamala Harris – apontada como ‘chefe da fronteira’ por Joe Biden – tem preferido se concentrar em outras questões, como a promoção do aborto, em vez de lidar com “questões complexas como imigração”, segundo reportagem da Associated Press.
Para piorar a situação, Maduro é considerado o maior aliado de Vladimir Putin no continente, com Venezuela e Rússia cooperando cada vez mais em áreas como óleo & gás e defesa, e realizando exercícios militares conjuntos nos últimos anos.
Em dezembro passado, a ditadura venezuelana aprovou com sucesso um referendo nacional buscando anexar a região rica em petróleo do Essequibo, pertencente à vizinha Guiana — um território que se estende por 85.000 quilômetros quadrados, aproximadamente a área do estado do Rio Grande do Norte.
Desde a realização do referendo, a Venezuela tem enviado tropas e armamentos e construído infraestrutura militar na região da fronteira com a Guiana. Em resposta, em maio passado, dois caças F-18 da Marinha dos EUA realizaram um voo sobre Georgetown, a capital da Guiana, em uma demonstração de força e apoio de Washington.
No entanto, uma mensagem muito mais significativa do que a imagem de dois caças sobrevoando a Guiana emerge ao analisarmos os eventos recentes, da retirada desastrosa do Afeganistão às guerras em curso na Ucrânia e em Gaza, até a ameaça iminente de guerra civil na Venezuela: os erros de política externa do Governo Biden não apenas estão se acumulando, mas também se aproximando cada vez mais de suas fronteiras.
* Jefferson Vieira é economista com uma década de experiência no mercado financeiro e em organizações multilaterais, baseado na Europa.
Fonte: gazetadopovo