Depois de Pelé e Roberto Carlos, há mais alguém querendo se autoproclamar rei no Brasil. O BYD King é mais uma aposta da chinesa, dessa vez em um segmento especialmente desafiador: o de sedãs médios.
Não apenas por ser uma categoria que está definhando no país, representando menos de 3% do total de nosso mercado em 2024, segundo a Federação Nacional dos Distribuidores de Veículos Automotores (Fenabrave), mas também porque aqui é o Toyota Corolla quem reina de verdade, concentrando nada menos que dois terços de todas as vendas.
Como o Song Pro, o King chega às lojas em duas versões: GL (R$ 175.800) e GS (R$ 181.800), ambas híbridas plug-in, com recarga externa. A principal diferença fica sob o assoalho, no conjunto de baterias: a versão de entrada oferece 8,3 kWh, já a de topo tem 18,3 kWh, mesma capacidade da linha Song (tanto o Pro quanto o Plus).
Em comum, as versões têm o motor 1.5 aspirado a gasolina DM-i, que desenvolve 110 cv de potência e 13,8 kgfm de torque sozinho. Na variante de 8,3 kWh, a potência combinada chega a 209 cv; na de 18,3 kWh, alcança 235 cv. Diferentemente do que ocorre com os Song, o torque combinado do King não é divulgado pela BYD.
O câmbio, com apenas uma marcha mecânica, similar ao da Honda, é chamado pela fabricante de CVT (continuamente variável) e tem as demais relações preenchidas pelo motor elétrico.
Estilo é um ponto forte do King. O sedã chinês desembarca no Brasil com grade frontal distinta de outros BYD: estilo carretel, como nos Lexus, e dotada de linhas horizontais filetadas. A traseira tem lanternas de LED interligadas com acabamento escurecido e uma tampa bem grande para o porta-malas.
Talvez o aspecto visual mais agradável seja sua imposição de cupê, pois o King tem uma queda progressiva no teto que parte da coluna C e termina no limite do porta-malas. Se o Corolla ficou famoso pela sobriedade, o novo BYD tenta ser mais ousado.
Falando de dimensões, o sedã chinês ostenta 4,78 metros de comprimento, 1,84 m de largura, 1,49 m de altura e 2,72 m de distância entre-eixos. Já o porta-malas não cresce aos olhos, mas entrega bons 450 litros de volume.
Não seria um BYD se não tivesse algum recurso bacana para exibir para o vizinho, certo? No King, a central multimídia de 12,8″ giratória está lá, com conexão de Android Auto (sem fio) e Apple CarPlay (com fio).
A lista de recursos inclui carregador de celular por indução, painel de instrumentos digital, freio de estacionamento eletrônico e teto solar na versão GS. O olhar de inveja pode estar garantido, mas faltaram itens de segurança ativa que o Corolla traz de série em todas as versões. Falaremos deles em breve.
Para trazer o jogo a seu favor, o BYD King chegou tocando no emocional dos brasileiros. O comercial de lançamento mostra imagens históricas de Pelé com a narrativa de como nasce um novo rei, usando o apelido do maior jogador de futebol de todos os tempos para fazer alusão ao nome do carro. O apelo afetivo tenta mostrar que o novato tem potencial para chegar ao topo e tirar a coroa do Toyota Corolla, líder de vendas entre os sedãs médios desde 2015.
O King estreou no dia 29 de junho, mesma data que, em 1958, ficou conhecida como o “dia do rei” após a final da Copa do Mundo. O apelido de Rei do Futebol surgiu depois que Pelé, então com 17 anos, marcou dois gols na vitória da Seleção Brasileira por 5×2 contra a Suécia na decisão do Mundial realizado no próprio país nórdico. Com o apito final, o apelido criado pelo jornalista Nelson Rodrigues meses antes da Copa saía do Brasil e tomava conta das manchetes dos jornais mundo afora.
Efemérides à parte, colocamos King e Corolla em campo para saber se o novato tem potencial para tirar a coroa que se encaixa tão bem no tradicional Toyota.
De um lado, o Corolla Altis Hybrid (R$ 187.790). Um híbrido pleno (HEV) e flex, sem recarga externa, com motor 1.8 de até 101 cv e 14,5 kgfm, que trabalha com um elétrico de tração de 72 cv e 16,6 kgfm, entregando 122 cv de potência combinada — o torque combinado não é revelado. O câmbio é do tipo transeixo, chamado pela Toyota de e-CVT.
Do outro lado, o King GS (R$ 181.800), na especificação de 235 cv e 18,3 kWh PHEV (híbrida plug-in), movido apenas a gasolina e com as famosas baterias Blade (íons de lítio). A unidade usada para produção desta reportagem foi cedida a Autoesporte pela BYD Osten Tatuapé (SP).
Quando entro no King, um pênalti. A central multimídia giratória não tem conexão sem fio com Apple CarPlay — só Android Auto. Ponto para o Corolla, com sua tela bem menos moderna, de 10,5″, porém compatível com ambos sem cabo. Ao menos há duas entradas USB (tipo A) e carregador de celular por indução — item oferecido apenas na versão Altis Premium do sedã japonês (R$ 198.890).
Os assentos dianteiros do King, ambos com ajustes elétricos, são inteiriços no estilo concha, e a posição de dirigir é baixa, o que agrada. São características de carros esportivos, o que não é o caso do King — o mais próximo que ele chega disso é na similaridade do nome com o apelido do maior atleta do futebol.
O bom aproveitamento de espaço e a praticidade dos comandos merecem destaque no BYD. O console central tem a posição alta e deixa o motorista isolado do passageiro. Na superfície ficam botão de ignição, manopla giratória do câmbio, seleção dos modos de condução, controle do ar-condicionado de duas zonas e acionamento do freio de estacionamento eletrônico.
Sob o console, em vez de a peça plástica ser fechada, há uma ótima área para guardar objetos. Outro baú fica escondido sob o apoio de braço. No banco de trás, os 2,72 metros de entre-eixos dão ótimo espaço para as pernas até para pessoas com quase 1,90 m de altura (meu caso). O caimento cupê do teto também não compromete o conforto da cabeça e, para melhorar, o túnel central é praticamente plano.
Há apoio de braço central com dois porta-copos, saídas de ar-condicionado, outras duas entradas USB tipo A e um compartimento para apoiar o celular. Contudo, assim como na frente, o banco traseiro é baixo e não oferece muita sustentação para as coxas. A velocidades mais elevadas ou nas curvas fechadas, o corpo não fica muito firme e é preciso recorrer à boa e velha alça de teto para se manter ereto.
Em ação, o King tem uma direção leve, direta e ágil para o dia a dia. As arrancadas são bem mais vigorosas que as do Corolla, como já se esperava com seus 113 cv a mais. É como aquele jogador jovem que mostra mais vigor físico do que o veterano em campo. Mais adiante falaremos dos números de pista.
Por ser um híbrido plug-in, o King oferece dois modos de tração: EV (elétrico) e HEV (híbrido). No primeiro, são 80 km de autonomia elétrica, segundo o Inmetro, e 120 km de acordo com a BYD. Em nosso teste, chegamos ao meio-termo (cerca de 100 km), o que por si só é ótimo para uso urbano sem gastar com combustível. O silêncio reina na cabine e as respostas do acelerador são imediatas, com torque instantâneo de 33,1 kgfm.
No modo HEV, o motor a gasolina entra em ação conforme a necessidade, ajudando a poupar bateria e manter o bom fôlego. Mesmo com o 1.5 aspirado em ação, o silêncio na cabine ainda reina. São três modos de condução, Normal, Eco e Sport, disponíveis tanto em EV quanto em HEV. O ponto negativo é que as baterias não suportam carga rápida: só em corrente alternada (AC) a até 6,6 kW. Nessa potência, são 2h50 para a recarga completa.
Como já explicamos, o câmbio do King tem apenas uma marcha mecânica e as demais relações são preenchidas pelo motor elétrico. Na prática, o desempenho é suave e sem trancos. Uma curiosidade é que o console central é tão elevado que, em curvas fechadas e a velocidades mais altas, o motorista bate o cotovelo no apoio de braço.
A BYD elevou o nível — para melhor — de carros chineses no Brasil, mas ainda deixa a desejar no acerto de suspensão. O King é exemplo disso. O sedã híbrido tem suspensão traseira por eixo de torção e um acerto bem firme. Esse sistema é bem mais simples que o do Corolla, que usa sistema multilink, com maior capacidade de absorção dos impactos do solo.
Essas irregularidades acabam sendo bem mais sentidas na cabine dele do que na do Toyota. É como jogar em um campo de futebol com gramado desnivelado, enquanto no Corolla sente-se aquele famoso tapete.
A ausência de um pacote Adas, com itens como frenagem autônoma de emergência e controle de cruzeiro adaptativo (ACC), tem impacto no geral, mas as faltas mais sentidas são de alerta de ponto cego e assistente de permanência em faixa, pois o King tem carroceria longa e retrovisores pequenos.
O Corolla traz tudo isso e entrega mais segurança. Mas a versão Altis Hybrid deve outros equipamentos. Além de não ter recarga externa (é um híbrido pleno, com 1,7 kWh em suas baterias de níquel-cádmio), faltam ajustes elétricos no banco do motorista, carregador de celular por indução e ar-condicionado de duas zonas, disponíveis só na Altis Premium.
Todos esses itens vêm de série no King GS. Por outro lado, o acabamento do sedã japonês é melhor, com borracha de qualidade superior no painel. O entre-eixos de 2,70 m (- 2 cm) deixa o espaço no banco traseiro do Corolla igualmente bom, mas ele tem um estofamento mais confortável. Há dupla entrada USB (tipo C) e saídas de ar-condicionado.
Em movimento, a posição de dirigir do Toyota também é superior, com uma postura melhor no banco. Na manopla de câmbio, o motorista pode ativar o modo EV, que permite a tração exclusiva do motor elétrico por alguns metros a até 30 km/h. Depois, só volta em ação em momentos específicos para ajudar o 1.8 aspirado a poupar combustível. O silêncio a bordo e o conforto da suspensão só são interrompidos pelo câmbio, que faz o motor “gritar” sem necessidade.
Os números de nosso teste no Rota 127 Campo de Provas, em Tatuí (SP), mostram que, em desempenho, o aspirante reina sobre o rival. Enquanto o King vai de zero a 100 km/h em 7,3 segundos, o Corolla o faz em 11 s. Em todas as provas de aceleração e retomada o sedã chinês se sai melhor. Quanto ao consumo, o King marca 21,7 km/l na cidade e 21,3 km/l na estrada.
O Corolla não faz feio com gasolina no tanque, mas fica aquém: 19,7 km/l em ciclo urbano e 17,7 km/l no rodoviário. E a garantia de cinco anos do Toyota é integral, já os seis anos do rival não valem para todos os itens.
Relacionar King e Pelé foi uma boa jogada da BYD, porém a superioridade dele sobre o Corolla está longe de ser como a do rei do futebol. O custo/benefício faz o King vencer este comparativo por pouco, mas roubar a coroa do Corolla nas vendas será outra história…
O conjunto bem mais potente e a autonomia elétrica pesam na escolha. Nasce um novo rei? Aí já é forçar uma situação improvável de acontecer, mas o King vence o Corolla nesta batalha e mostra ter predicados para incomodar. Entre isso e assumir a liderança nas vendas há um abismo. A reputação do sedã japonês é um império muito mais difícil de derrubar.
Agradecimento: Shopping Praça da Moça – Rua Manoel da Nóbrega, 712, Diadema, SP
*Cesta de peças: Retrovisor direito, farol direito, para-choque dianteiro, lanterna traseira direita, filtro de ar (elemento), filtro de ar do motor, jogo de quatro amortecedores, pastilhas de freio dianteiras, filtro de óleo do motor e filtro de combustível (se aplicável)
**Seguro: O valor é uma média entre as cotações das principais seguradoras do país com base no perfil padrão de Autoesporte, sem bônus
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Fonte: direitonews