Diretores do Banco Central (BC) têm reforçado a percepção de que a taxa Selic, atualmente em 10,5%, subirá no curto prazo. Dois recados claros foram dados na semana passada. O presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, afirmou na sexta-feira (16), em um evento promovido pelo banco Barclays, que os juros serão aumentados se for necessário.
É um cenário que pode desagradar ainda mais ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus aliados, como a presidente do partido, Gleisi Hoffmann.
“Todos os diretores estão adotando nosso discurso oficial. Estamos reforçando que não estamos dando nenhuma orientação específica, mas que faremos o que for necessário para levar a inflação à meta. Elevaremos a taxa de juros se for necessário”, declarou Campos Neto.
O diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, indicado ao cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e nome forte para a sucessão de Campos Neto, afirmou na segunda-feira passada (12) que a alta dos juros está na mesa do BC. Segundo ele, o cenário é “desconfortável” para o cumprimento da meta de inflação, fixada em 3% pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), com uma margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
As perspectivas para a manutenção da taxa Selic no atual nível são cada vez menores. A probabilidade caiu de 73%, no dia 2, para 38%, na quinta-feira (15), segundo os contratos de opção de Copom negociados na B3, a bolsa brasileira. O Comitê de Política Monetária se reúne em 17 e 18 de setembro para tomar uma decisão.
As chances de um aumento de 0,25 ponto percentual na Selic subiram de 11%, em 19 de julho, para 33,1%, na quinta-feira. As probabilidades de um aumento de meio ponto percentual evoluíram de 13% para 22,65%.
As declarações de Campos Neto e de Galípolo reforçam uma tendência já sinalizada pela última ata do comitê, divulgada no início do mês. O documento enfatizou que não haveria hesitação em elevar os juros, se necessário.
Atividade resiliente, inflação crescente e gastos do governo trazem preocupação para os juros
A percepção do mercado financeiro é de que a atividade econômica se mantém resiliente em um cenário de inflação crescente e expectativas de alta nos preços, cada vez mais próximas do teto da meta.
Dois indicadores divulgados na sexta-feira mostram que a economia permanece aquecida. O Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) aponta um crescimento de 2,1% no primeiro semestre. O Monitor do PIB, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), sinalizou uma expansão de 2,3% da economia nos 12 meses encerrados em junho.
“O PIB do segundo trimestre será forte, mesmo considerando o evento climático que atingiu o Rio Grande do Sul entre abril e maio”, disse o economista-chefe da G5 Partners, Luís Otávio Leal.
Economistas do Bradesco também apontam que a atividade resiliente justifica cautela diante da desvalorização do real já observada. Apesar disso, o banco não espera uma alta na taxa Selic para setembro.
Segundo José Alfaix, economista da Rio Bravo Investimentos, é um desafio adicional para a autoridade monetária que, além do dinamismo da atividade, ainda lida com preocupações relacionadas ao cenário externo, ao câmbio elevado e à política fiscal pró-cíclica do governo.
“Em uma última ata, que foi vista como mais conservadora, o IBC-Br apenas reforça a preocupação sobre a eficácia do aperto monetário em uma atividade que continua a mostrar-se dinâmica”, afirmou Alfaix.
A inflação é outra fonte de preocupação. Nos 12 meses encerrados em julho, ela atingiu 4,5%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o maior índice desde janeiro.
Os analistas Victor Beyruti e Yuri Alves, da Guide Investimentos, apontam que esse indicador reforça a maior preocupação do Copom, com os preços de mercado acelerando devido à “normalização” da inflação de bens industriais e à manutenção da alta dos preços de serviços em níveis elevados.
“Começamos o segundo semestre abandonando nosso melhor momento desinflacionário, com uma piora significativa nos núcleos e serviços”, disse Igor Cadilhac, economista do PicPay.
As expectativas para o IPCA em 2024 vêm aumentando nas últimas semanas, segundo o boletim Focus, que contém as previsões coletadas semanalmente pelo BC. Na última divulgação, realizada no dia 12, a expectativa era de uma inflação de 4,2%, a quarta semana consecutiva de alta. No início do ano, projetava-se um aumento médio de 3,9%.
Embora as projeções para 2025 tenham tido uma ligeira queda na semana passada, passando de 3,98% para 3,97%, elas estão bem mais elevadas do que no início do ano, quando estavam em 3,5%. Novas expectativas serão divulgadas nesta segunda-feira (19).
Um dos fatores que contribuem para essa elevação é a incerteza em relação à questão fiscal. Dados do BC mostram que, nos 12 meses encerrados em junho, o resultado primário (gastos do governo, excluídas as despesas com juros da dívida pública, menos a arrecadação) foi deficitário em 2,44% do PIB. Ao fim do governo de Jair Bolsonaro (PL), em dezembro de 2022, havia um superávit de 1,25%.
O endividamento público também vem aumentando: em junho, ele chegou a 77,8% do PIB, o nível mais alto desde fevereiro de 2022. Essa trajetória ascendente tem gerado preocupações tanto na autoridade monetária quanto no mercado financeiro.
São velhos problemas que voltam à tona. “Tivemos uma crise aguda na economia por causa de erros sucessivos de política econômica entre 2008 e 2015. O PIB caiu durante dois anos seguidos, entre 2015 e 2016, algo que não ocorria desde o início dos anos 1930”, destacou o economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, em evento comemorativo aos 80 anos da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), realizado na quinta-feira e que contou com o apoio da Gazeta do Povo.
Fonte: gazetadopovo