Como a Gurgel antecipou o carro elétrico nacional 50 anos atrás


João Augusto do Amaral Gurgel era engenheiro mecânico e não vidente, muito menos profeta. Mas quando pegamos as palavras e ideias que ele revelou há quase 50 anos sobre os carros elétricos, a impressão é a contrária.

Gurgel concedeu entrevista exclusiva a Autoesporte em agosto de 1975 — há 49 anos, portanto —, na qual abordou exaustivamente o tema. E o índice de acerto foi nada menos do que impressionante.

É preciso contextualizar que, naquela época, a Gurgel havia inaugurado recentemente sua fábrica na cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, graças a recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) — o que derruba clamorosamente a tese de que a montadora faliu por nunca ter contado com apoio governamental, como defendem alguns.

O plano de Gurgel previa muito mais do que apenas fabricar um carro elétrico nacional ali, o Itaipu. Na verdade, seu objetivo era muito maior e o próprio município de Rio Claro fazia parte do conjunto da iniciativa.

A ideia do profeta-engenheiro era produzir o Itaipu na fábrica da Gurgel e colocar os carros elétricos para rodar na própria cidade, sem que eles fossem vendidos em uma concessionária. A proposta imaginada por ele previa que os motoristas pegariam os carros em bases, ou seja, pequenas estações dedicadas e espalhadas por Rio Claro, usariam os carros o quanto precisassem, pagando pelo seu período de uso, e os devolveriam depois em qualquer uma das bases. Nessas estações, haveria equipamentos que carregariam as baterias dos carros enquanto eles estivessem parados (na época, Autoesporte definiu os carregadores como “um tipo de parquímetro”).

Ou seja: meio século atrás, sem que sequer pudesse se sonhar com internet, celulares, aplicativos, startups e afins, Gurgel imaginou exatamente o serviço que hoje é oferecido por diversas empresas no país, onde se pode alugar um carro elétrico pagando por minuto. Essa atividade é chamada atualmente de compartilhamento de veículos elétricos ou, ainda, nanolocação.

Há mais: na entrevista de 1975, Gurgel listava vários itens que, em sua visão, faziam de Rio Claro um lugar ideal para instalação do sistema. Os principais eram o fato de a cidade ser essencialmente plana, os deslocamentos mais distantes se resumirem a trajetos de 5 a 6 quilômetros e a velocidade máxima permitida ser de 50 km/h. As características técnicas do Itaipu, o carro elétrico da Gurgel, encaixavam-se perfeitamente nesse perfil: a autonomia máxima do carrinho elétrico nacional variava entre 50 km e 60 km, e a velocidade máxima era de 60 km/h.

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Destronando de vez a tese de que Gurgel não recebia apoio oficial para suas iniciativas, a prefeitura de Rio Claro, na época, cedeu áreas na cidade de maneira gratuita para a montagem das tais bases-estacionamento para os Itaipu. E tem mais: a Companhia Energética de São Paulo, a Cesp, então estatal, ofereceu energia grátis para Gurgel carregar os carros nessas bases.

Segundo Gurgel, tratava-se de “uma experiência prática, pioneira no Brasil e, possivelmente, no mundo: um sistema integrado de veículos urbanos elétricos”.

“É possível que esse grande passo do mundo moderno, rumo à revolução no sistema de transporte individual urbano, seja dado no Brasil. Os alicerces estão lançados”, previa o empresário brasileiro.

Essa profecia ele errou, infelizmente. Afinal, o sistema imaginado por Gurgel nunca entrou em funcionamento, muito por causa de decisões seguintes tomadas por ele próprio, como priorizar a produção dos utilitários com mecânica VW refrigerada a ar, do que por eventual falta de apoio externo. Ao todo, menos de 30 Itaipu foram fabricados.

Outro ponto em que o “profeta Gurgel” foi enfático dizia respeito à necessidade de incentivos para que os elétricos pudessem alcançar uma maior efetividade de mercado. Na entrevista, ele defendeu que os carros elétricos fossem isentos da Taxa Rodoviária (atual IPVA) e pagassem Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido.

“O carro elétrico é uma nova indústria automobilística que está em fase de implantação. E, como tal, necessita de incentivos para que possa nascer e crescer com vigor”, defendeu então o fundador da Gurgel.

O engenheiro-vidente foi além: “Mais um bom motivo para a indústria nacional de veículos elétricos merecer incentivos é que esses veículos ajudam a poupar gasolina, diesel e demais derivados de petróleo”.

Gurgel morreu em 2009 e, assim, não chegou a ver carros elétricos de passeio circulando em nossas ruas como hoje (todos importados). Mas suas ideias, conceitos e experiências não só podem como devem servir para as empresas que aqui atuam, mesmo que quase 50 anos depois.

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Fonte: direitonews

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