Avisos ignorados: a geopolítica antecipou as crises do mundo atual?


Teóricos anteciparam dinâmicas de poder que ainda moldam o cenário internacional, como evidenciado nas migrações forçadas, nas disputas econômicas e na proliferação de bases militares estratégicas.
Especialistas ouvidos pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analisaram esses conflitos à luz das teorias e compartilharam suas compreensões das forças que moldam o mundo multipolar emergente.
Halford Mackinder, um dos fundadores dos conceitos de geopolítica e geoestratégia, destacou a importância tática da Eurásia, ou “Heartland”. Ele acreditava que quem dominasse essa região central poderia controlar o mundo.
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, em conferência de imprensa após reunião com o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou, em 5 de julho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 10.07.2024

Segundo o professor de relações internacionais do Ibmec Lier Pires Ferreira, a atuação russa na Ucrânia pode ser vista como uma tentativa de Moscou de manter sua influência na Eurásia e reafirmar seu status de potência global, considerando “objetivos de segurança nacional e a preservação da Rússia como potência global”.
Nicholas Spykman, outro grande teórico da geopolítica, dizia que o poder mundial não residia apenas no controle do Heartland, mas também no “Rimland” — as áreas costeiras ao redor da Eurásia.
Essa teoria é particularmente relevante nas tensões atuais no mar da China, onde Pequim busca afirmar sua hegemonia regional contra as influências dos Estados Unidos e seus aliados. “O mar da China expõe uma disputa hegemônica entre a China e o Japão, além das tensões na península coreana”, destaca Ferreira.

Como a geopolítica enxerga os conflitos mundiais?

Segundo o professor Kessio Lemos, doutor em relações internacionais e pesquisador no Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), muitos conflitos atuais foram previstos por pensadores da geopolítica clássica e contemporânea.

“A geografia é algo que é muito difícil de mudar. Então se olharmos aqui para a América do Sul, por exemplo, os governos podem passar, partidos políticos podem se alternar no poder, mas a Argentina vai continuar sendo nossa vizinha.”

Lemos explica que o que se testemunha atualmente são “ondas de instabilidade que vêm de um conflito que nas relações internacionais se chama transição hegemônica“.
“A análise dos fenômenos complexos da política internacional deve partir dessa ótica do realismo político, especialmente em tempos de transição hegemônica.”
Ele destaca que essa transição se caracteriza pelo “declínio da potência hegemônica, notadamente os EUA, e a ascensão de novas potências desafiantes no sistema internacional”.
“A expansão da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] era imprudente“, afirma Lemos, ecoando John Mearsheimer. “A partir do momento em que a Rússia não é integrada nessa arquitetura de segurança da Europa, da União Europeia, da OTAN e dos EUA, essa instituição e essa aliança militar se expandem. É natural que a Rússia se sinta cercada.”
As teorias que identificam a Eurásia como central para o controle global também são relevantes, segundo ele. Lemos observa que a Ucrânia, por exemplo, é um corredor estratégico para a Rússia. Dessa forma, a aproximação da Ucrânia com o Ocidente gera percepções de cerco e insegurança.
Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Xi Jinping, presidente chinês, durante cerimônia de reunião oficial na Casa do Congresso Popular na Praça Tiananmen, em Pequim. China, 16 de maio de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 10.07.2024

O que significa um mundo multipolar?

Segundo Ferreira, a era contemporânea trouxe novos desafios geopolíticos, incluindo a ascensão de potências nucleares, gerando um mundo multipolar, e as mudanças climáticas. “Hoje, além dos conflitos tradicionais, temos problemas de caráter humanitário, como refugiados, fome e desastres naturais.”
O mundo multipolar emergente, segundo ele, é uma prova de que as previsões de teóricos como Mackinder e Spykman continuam relevantes. A disputa entre os EUA e a China, a instabilidade no Oriente Médio e as tensões na América Latina, como na Bolívia, mostram que “a ordem mundial sempre foi complexa e multifacetada”.
No contexto asiático, Lemos explica que “o controle das áreas costeiras é crucial para a dominação global”. A crescente assertividade da China, incluindo a construção de ilhas artificiais e a militarização da região, pode ser vista como uma estratégia para ampliar sua influência e segurança.
O pesquisador também aborda a responsabilidade dos pensadores geopolíticos, devido à sua associação com estratégias bélicas. “Os pensadores geopolíticos ensinavam seus líderes a como vencer conflitos, como você vence uma guerra.”

“A geopolítica procura responder aos anseios dos Estados mediante os decisores, os políticos, os governantes, diante de um cenário das relações internacionais.”

Lemos menciona que “o Brasil tem um grande nome” na geopolítica: Carlos de Meira Mattos. Segundo ele, sua linha de pensamento é crítica à tendência de legitimar as ações das grandes potências, muitas vezes em detrimento dos Estados do Sul Global.

“A ausência de pensadores que pensam a partir de uma perspectiva nossa, de fora do centro, da periferia do sistema internacional, é necessária para que os nossos políticos, nossos tomadores de decisão, possam projetar a política externa nos nossos países de forma mais autônoma.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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