Para Augusto Aras, termo requisitar foi incluído na lei devido a falha de técnica legislativa e não deve ser interpretado como obrigatoriedade
Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF
O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (16) defendendo que a Corte interprete um trecho da Lei 14.344/2022 a fim de deixar claro que delegados de polícia não têm poderes determinantes em relação ao Ministério Público. Para o PGR, por uma questão de falha de técnica legislativa, incluiu-se o termo “requisitar” como uma das atribuições das autoridades policiais direcionadas ao MP”. Assim, a expressão não deve ser lida no sentido de obrigatoriedade. A manifestação se deu na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.192, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), sob relatoria da ministra Rosa Weber.
O artigo 21, parágrafo 1º da norma questionada prevê que delegados poderão requisitar ao Ministério Público a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra crianças e adolescentes. Esse trecho, na avaliação do PGR, abre margem para interpretação no sentido de que a autoridade policial poderia ordenar ao órgão ministerial a propositura de ação cautelar, o que é incabível.
No documento, Aras explica que poder requisitório se reveste dos atributos de autoexecutoriedade, imperatividade e presunção de legitimidade, e dispensa autorização judicial prévia para produzir efeitos. Dessa forma, é poder de ordem e de mando que não admite questionamentos por parte do destinatário. Esse poder é dado, em alguns casos, à autoridade policial, como nas hipóteses em que pode requisitar a órgãos públicos informações sobre suspeitos e vítimas. No entanto, a Constituição Federal atribui somente ao Ministério Público as funções de “promover, privativamente, a ação penal pública” e de “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais” (art. 129, I e VIII, da CF).
“Se cabe ao Ministério Público promover, privativamente, a ação penal, a norma impugnada mostra-se incompatível com essa atribuição constitucional dada ao Parquet, ao conceder à autoridade policial poder para requisitar do Ministério Público a propositura de uma ação penal específica, no caso de ação cautelar voltada à produção de prova nas causas que envolvam violência contra criança e adolescente”, afirma o PGR em um dos trechos do parecer.
O próprio STF entende que o inquérito policial não é sequer indispensável para que o MP promova a ação penal. Por essa razão, somente ao Ministério Público cabe avaliar a necessidade de medida cautelar destinada a preservar provas, assim como promover a ação penal cautelar correspondente.
Aras chama atenção para o fato de, no mesmo artigo, no inciso VI, o legislador ter utilizado a expressão correta, ao estabelecer que entre as medidas de proteção pertinentes está a de representar ao Ministério Público para que proponha ação cautelar de antecipação de prova. “Ao delegado de polícia cabe auxiliar o órgão ministerial na adoção de providências necessárias a impedir a prática de infração penal e a resguardar as provas existentes, objetivando a máxima proteção das crianças e dos adolescentes em situação de violência doméstica e familiar”, complementa o PGR.
A fim de evitar o caráter ambíguo da norma impugnada, o procurador-geral da República entende que deve ser dada interpretação conforme à Constituição ao parágrafo 1º do artigo 21 da Lei 14.344/2022, para estabelecer que a expressão “requisitar” não tem o sentido de obrigatoriedade.