Pressão europeia não visa combater desmatamento, mas frear crescimento da cadeia produtiva de soja, aponta produtores


Débora Siqueira – Especial para O Documento – O produtor rural e presidente do Sindicato Rural de Sinop, Ilson Redivo, deve entrar no próximo ano na lista de 2 mil propriedades rurais de Mato Grosso que não estão em conformidade com a Moratória da Soja, e sofrem com retaliações em não poder comercializar a produção por ter realizado desmatamento após 22 de julho de 2008 no bioma Amazônia. O objetivo inicial da iniciativa é eliminar o desmatamento da cadeia de produção da soja.

O cerne da questão que tem levado os agricultores de Mato Grosso a travarem uma batalha com a tradings representadas pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) é de que o Código Florestal Brasileiro deixa bem claro o conceito do desmatamento legal e o ilegal.

“Comprei uma área de 788 hectares há 10 anos e não abri nada nada, é 100% mato. A documentação saiu apenas agora, tive problema com a titulação e depois de todos esses anos consegui regularizar junto ao Intermat (Instituto de Terras de Mato Grosso) e tenho processo de regularização ambiental junto a Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente). Pelo Código Florestal, eu posso abrir 20% dessa área, cerca de 157 hectares, mas se eu fizer isso, entro na Moratória da Soja e bloqueia além desses 157 hectares os outros 1550 hectares que já planto soja”, explicou o produtor.

O bloqueio das áreas não é pelo novo local aberto, mas pelo CPF do produtor, inviabilizando toda a produção. Outra questão que também chama atenção é de que o desmatamento não pode ocorrer apenas no caso da soja e milho. Se o produtor resolver abrir novas áreas para plantio de arroz, feijão, gergelim ou outra cultura, não teria problema.

“Não se trata de uma questão ambiental, mas uma forma de barrar o crescimento da produção brasileira. É ideológico. Nos deixa com sentimento de impotência porque o objetivo é claramente impedir o desenvolvimento dessa cadeia produtiva”, argumentou Redivo.

Assim como ele, os produtores rurais associados à Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja) tem o mesmo sentimento de que o crescimento vertiginoso da produção de grãos no Estado nos últimos 50 anos, preocupou concorrentes mundiais, especialmente os europeus e os Estados Unidos que não têm o mesmo desempenho brasileiro de fazer até três safras em um ano.

O vice-presidente da Aprosoja e sojicultor, Luiz Pedro Bier, também aponta o interesse comercial em jogo dos europeus com a Moratória da Soja, iniciada em 2006, pois os produtores brasileiros, especialmente os mato-grossenses, tem sido mais eficiente na produção de grãos.

“A Moratória da Soja coloca 2,6 milhões de hectares de desmate legalizado pelo Código Florestal em situação de ilegalidade. Queremos derrubar essa moratória pois ela não pode estar acima das leis ambientais brasileira, que são seguidas pelos produtores. Não é uma cruzada contra o meio ambiente, mas contra a produção brasileira”, argumentou.

 

Conforme o Ministério da Agricultura e Pecuária, a Moratória da Soja é um acordo entre entres privados e não com o poder público, mas que impacta a soberania nacional. No caso, a Abiove e a Anec fizeram esse acordo com a organização não-governamental Greenpeace de não comprar soja oriunda de área de desmatamento após 22 de julho de 2008. Contudo, sem levar em consideração o Código Florestal Brasileiro de 2012.

“A Moratória da Soja não é assunto do poder público, é estritamente entre privados. A Abiove fez acordo com Greenpence feito anos atrás aparentemente legitimo. Ninguém quer desmatamento no Brasil. O país pode, com certeza, dobrar sua produção de alimentos com o programa de conversão de pastagens instituído pelo Governo Lula com incremento de 40 milhões de hectares de áreas antropizadas. Não precisamos de desmatamento para crescer, mas temos o Código Florestal que nos dá direito e permite ao cidadão que tenha direito a supressão vegetal de fazer conforme as regras vigentes. Esse acordo de entes privados e o Greenpeace tira o direito constitucional e leva o produtor a uma ilegalidade que não existe e isso está errado”, disse o ministro Carlos Fávaro. Ele também é produtor de soja no Estado e ex-presidente da Aprosoja.

Enquanto os produtores brasileiros detêm 100% da produção, já as tradings como Cargill, Amaggi, Bunge, dentre outras dezenas de empresas, juntas são responsáveis pela compra e comercialização de 95% da safra brasileira de soja e milho.

Além de movimentar os três poderes contrários à Moratória da Soja, o próximo passo dos produtores é judicializar a ação e levar o tema ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Outra medida é estimular é comercializar a soja com outras empresas não signatárias à Abiove.

Impacto de R$ 23 bilhões na economia de MT

As empresas signatárias da Moratória da Soja utilizam cruzamento do mapeamento anual das áreas com plantio de soja no bioma com os polígonos de desmatamento identificados pelo Prodes Amazônia (Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira) do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sem levar em conta se houve autorização do desmate dos órgãos ambientais como a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) em Mato Grosso.

Diante da situação, os produtores de Mato Grosso se rebelaram e buscam derrubar a Moratória da Soja e conseguiu apoio das prefeituras e câmaras municipais, Governo do Estado, Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado. Há uma lei que busca corta incentivos fiscais das empresas instaladas no Estado e que são signatárias do acordo que causa impacto econômico de R$ 23 bilhões na economia estadual.

O governador do Estado Mauro Mendes criticou a moratória, afirmando que ela desrespeita os cidadãos e produtores regionais, além de contrariar o Código Florestal Brasileiro. “O desrespeito da moratória atinge não apenas os produtores e cidadãos de Mato Grosso, mas também o Congresso Nacional, ao desconsiderar o Código Florestal Brasileiro, uma das legislações ambientais mais importantes dos últimos anos. Essas empresas estão usando seu poder econômico para impor essa medida”, argumentou Mendes.

A Assembleia Legislativa aprovou em primeira votação no dia 22 de maio o projeto de lei 2256/2023, de autoria do deputado estadual Gilberto Cattani (PL), que retira os incentivos fiscais dessas empresas.

Carta de maio

Durante seminário realizado entre o TCE e a Aprosoja “Impactos das Moratórias da Soja e da Carne nas Desigualdades Regionais”, realizado em 28 de maio, foi redigida a Carta de Maio direcionada aos adidos agrícolas e embaixadas europeias, defendendo a soberania brasileira e criticando o colonialismo europeu.

A França, por exemplo, determina que as suas reservas sejam de 4%, enquanto no bioma amazônico brasileiro, a preservação obrigatória é de 80%. Mesmo assim, o setor produtivo brasileiro convive com acordos como a Moratória da Soja, que restringe a comercialização da soja produzida em áreas convertidas legalmente após 2008 na Amazônia, respeitando o limite de 20%.

A carta pontua também que a matriz energética do Brasil é composta por 93% de fontes renováveis, ao contrário de nações europeias, que recorrem a fontes consideradas “sujas”.

A carta ressalta que os países europeus não exigem “desmatamento zero” para si, mas impõe barreiras comerciais “revestidas de preocupações ambientais” para subjugar os brasileiros, por meio de empresas que ignoram a legislação ambiental e prejudicam a imagem do país, “vendendo a promessa de que apenas eles são capazes de certificar a idoneidade dos nossos produtos”.

Em janeiro deste ano, o produtor Ilson Redivo viralizou ao ser questionado por uma equipe da TF1, uma TV francesa sobre a responsabilidade de conservar.

“O que os ambientalistas fazem? O que os governos europeus fazem? Por que vocês não mudam a matriz energética de vocês? Qual a contribuição que vocês dão para reduzir a emissão de gases poluentes? Eu faço a minha parte muito bem feito. Se todos fizessem o que os produtores brasileiros fazem, o mundo seria outro. Aqui não emitimos poluentes como vocês emitem. É muito faço o que eu digo, mas não façam o que eu faço”.

Abiove quer atender mercado europeu

Por meio da assessoria de imprensa, a Abiove informou que o acordo estabelecido pelas empresas signatárias de não adquirir soja de fazendas com lavouras em desmatamentos realizados após 22 de julho de 2008 no bioma Amazônia completou 18 anos e atende a demanda do mercado europeu que atualmente importa 46% do farelo de soja do Brasil e 6% dos nossos grãos que geram uma receita de US$ 11 bilhões anuais.

“Trata-se de uma iniciativa internacionalmente reconhecida como exemplo de conciliação do desenvolvimento da produção agrícola de larga escala com sustentabilidade ambiental, em seu quesito mais crítico: o desflorestamento zero. A Moratória assegura que a soja produzida no bioma Amazônia e comercializada pelos seus signatários está livre de desflorestamentos ocorridos após o ano de 2008. Realizamos isso por meio do cruzamento do mapeamento anual das áreas com plantio de soja no bioma com os polígonos de desmatamento identificados pelo PRODES Amazônia (Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira) do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)”, informou sem responder porque não é levado em conta o Código Florestal Brasileiro.

A entidade informou ainda que atualmente 2 mil fazendas estão em não conformidade com a Moratória em Mato Grosso, mas que para sair da restrição é relativamente fácil. Basta o produtor assinar um Termo de Compromisso para cumprir com os seguintes itens: não plantar soja em polígono(s) desmatado(s) após 22/07/2008; não desmatar mais nenhuma área da propriedade; apresentar o Cadastro Ambiental Rural (CAR); d) apresentar cópia do mapa digital, preferencialmente em formato shapefile ou kml, utilizado para a confecção do CAR.

A entidade ainda ponderou que houve aspectos positivos na Moratória. Entre as safras 2007/08 e 2023/24, a área ocupada com soja passou de 1,6 milhão de hectares para 7,4 milhões de hectares, respectivamente, com uma parcela residual de 250 mil hectares associada aos desflorestamentos ocorridos após 2008.

“Estes números são um claro indicativo de que a Moratória não coibiu a expansão da soja no bioma Amazônia, mas favoreceu o seu desenvolvimento sem a conversão de floresta primária. Podemos citar também outros aspectos positivos desta iniciativa como a credibilidade nacional e internacional de fazer parte do maior programa de monitoramento ambiental do mundo; eliminação do risco de comprar soja oriunda de desmatamento do Bioma Amazônia; eliminação do risco de comprar soja oriunda de áreas embargadas pelo IBAMA e SEMAs; abertura e atendimento à mercados mais exigentes para a soja livre de desmatamento originada no Bioma Amazônia; e todo o processo é auditado por terceira parte e os relatórios das empresas são verificados por um comitê técnico de auditoria formado pela sociedade civil”.

Fonte: odocumento

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