Deputados e senadores estão tentando pegar carona na situação dramática do Rio Grande do Sul para tentar emplacar iniciativas de benefícios fiscais e assistenciais válidas não só para o estado arrasado pelas fortes chuvas, mas também em localidades em todo o país e no atual período pré-eleitoral. Além dos nove projetos direcionados especificamente à crise gaúcha, apresentados para serem debatidos e pautados, outras propostas estão sendo encaminhadas de olho no socorro financeiro da União a diferentes setores e unidades da Federação.
Entre as propostas está a antecipação do pagamento de emendas parlamentares para diversos estados, o perdão de dívidas agrícolas em nível nacional e a volta do auxílio emergencial adotado na pandemia. O governo se comprometeu com a liberação de R$ 1,3 bilhão em emendas para o Rio Grande do Sul, das quais R$ 448 milhões na forma de emendas Pix – chamadas tecnicamente de transferências especiais. Mas uma mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada na Comissão Mista de Orçamento (CMO) na quarta-feira (8) pode ainda ampliar o montante dessas liberações, para alcançar todas as áreas afetadas por calamidades ou emergências de saúde.
Conforme o mapa do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), do Ministério de Integração Nacional, o país tem atualmente 1.640 municípios considerados formalmente como em estado de calamidade ou situação de emergência. A maioria dos casos não está relacionada a enchentes. Boa parte se deve a crises de saúde pública.
Apenas para o
Ministério da Saúde, há 605 municípios, nove estados e o Distrito Federal sob
vigência de decretos de emergência publicados por conta de crises sanitárias.
Destas, 316 se referem a surtos de dengue, sob o reconhecimento de doença viral
fora do controle. Essas localidades, concentradas no Sul e Centro-Oeste estão nas
que seriam favorecidas pela antecipação das emendas Pix. Ainda há a chance de outros
municípios que decretassem calamidade ou emergência em saúde também poderiam
embarcar na liberação e aumento dos montantes a serem pagos antes das eleições
municipais.
O deputado AJ Albuquerque (PP-CE), relator do projeto que modifica a LDO deste ano, o PLN 4/24, levou adiante a proposta que permite ao governo executar com prioridade os recursos de emendas parlamentares ao Orçamento para cidades em situação de calamidade pública. Esse ponto foi encaminhado por 13 deputados da bancada do Rio Grande do Sul e prioriza municípios em emergência de saúde pública. O deputado Claudio Cajado (PP-BA) lamentou a mudança: “isso simplesmente afasta todo o trabalho que o país teve para avançar rumo a um governo responsável. É um grande retrocesso”.
Aplicação de emendas sem fiscalização federal
Os valores das emendas Pix estão reservadas no Orçamento, mas sua liberação antes do período eleitoral forçaria o governo a contingenciar outros gastos para manter o equilíbrio do caixa. Suas destinações caem direto no caixa dos estados e municípios sem nenhuma finalidade definida ou garantias de que a prefeitura ou o governo estadual vai aplicar o dinheiro no combate à calamidade. O Tribunal de Contas da União (TCU) vai acompanhar, por exemplo, a aplicação de recursos emergenciais no Rio Grande do Sul em três frentes: a resposta da defesa civil, as ações de reconstrução e o rearranjo fiscal do estado. Todavia, a Corte não fiscaliza o uso da emenda Pix, tarefa que cabe aos tribunais de contas locais.
Todo o dinheiro que o governo federal gastou até agora para socorrer as vítimas das enchentes já estava aprovada no Orçamento, mas a situação pode levar a um crescimento de despesas, com impacto a ser calculado. O repasse de recursos fora dos limites fiscais ficará restrita ao enfrentamento da calamidade no Rio Grande do Sul, conforme do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) proposto pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) na segunda-feira (6) e sancionado pelo Congresso na quarta-feira (8).
A sessão conjunta do Congresso marcada para esta quinta-feira (9) deve avaliar proposta para priorizar o pagamento de emendas parlamentares destinadas pela bancada do Rio Grande do Sul. Ao confirmar essa intenção, o líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), apresentou ainda texto que permite a reabertura excepcional da destinação de emendas parlamentares, para que deputados e senadores direcionem recursos para o Rio Grande do Sul, inclusive de representantes de outros estados. Essa sugestão foi também aprovada pela CMO.
A primeira sessão do Congresso no ano vinha sendo adiada há duas semanas diante do risco de derrotas em série para o governo, com a derrubada de vetos presidenciais, incluindo o bloqueio de emendas parlamentares no Orçamento. A percepção de um acordo entre governo e Congresso foi confirmada com a aprovação pelo Senado, na noite de quarta-feira (8), do projeto para ressuscitar o Seguro DPVAT, com uma emenda que libera uma despesa extra de R$ 15,7 bilhões no Orçamento de 2024.
A expectativa é que sua aprovação garanta R$ 3,6 bilhões em emendas, enquanto o Congresso trava com o governo embate em torno dos R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão vetadas do Orçamento de 2024, além de um calendário que impõe o pagamento de recursos indicados por deputados e senadores nas áreas de saúde e assistência social ainda no primeiro semestre, antes das eleições.
Para Luiz Felipe Freitas, cientista político e assessor legislativo da Malta Advogados, a prioridade dos congressistas com o tema da corrida eleitoral não consegue ser interrompida nem em meio a um desastre gigantesco como o do Rio Grande do Sul. “Infelizmente, mesmo os fenômenos trágicos como esse acabam se tornando um dos combustíveis para ganhar eleitorado. Apesar de meritória as antecipações das emendas, parlamentares de outros estados podem até fazer destinações aos gaúchos, mas não há dúvidas de que boa parte serão para os próprios redutos eleitorais, visando angariar apoio a seus candidatos em todo Brasil”, explicou.
Congresso analisa nove ações para ajudar o RS
A tragédia no
Rio Grande do Sul motivou a apresentação de duas Propostas de Emenda à
Constituição (PEC) e sete projetos de lei no Congresso, visando apoiar a
recuperação do estado, agilizar a alocação de recursos para áreas afetadas e
proteger as vítimas de desastres climáticos. No Senado, a PEC 15/2024, de
autoria de Alessandro Vieira (MDB-SE), propõe os “orçamentos de guerra” para
calamidades como secas, enchentes e vazamentos tóxicos, permitindo gastos sem
especificar a fonte de recursos, simplificando ritos de contratação e
eliminando restrições para a transferência de recursos da União para estados e
municípios.
Na Câmara, a
PEC apresentada pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS) reserva até 5% das emendas
individuais dos parlamentares para mitigar efeitos de catástrofes e
emergências, garantindo recursos para estados em crise. Outras medidas incluem
a destinação de R$ 2,2 bilhões do fundo eleitoral para reconstrução do estado,
proposta pelo senador Ireneu Orth (PP-RS); isenção de tarifas de água e luz em
áreas de calamidade, sugerida pelo deputado Zucco (PL-RS), e medidas para
auxiliar produtores rurais afetados, com projetos de Zucco e Marcos Pollon
(PL-MS).
Além disso, o deputado Junio Amaral (PL-MG) apresentou projeto que inclui vítimas de desastres na ordem de prioridade para recebimento da restituição do imposto de renda, enquanto a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) propõe punições aos comerciantes que praticarem preços abusivos em razão de desabastecimento.
Por fim, Túlio Gadêlha (Rede-PE) propôs adiar concursos públicos nos locais que decretaram estado de calamidade pública. Nessa toada, o deputado Domingos Sávio (PL-MG) e o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) propuseram a volta do auxílio emergencial para situações de calamidade, mas sem respaldo do governo.
Fonte: gazetadopovo