IGOR GIELOW – Se economizou palavras mais incisivas ao reafirmar sua aliança antiocidental com Vladimir Putin, Xi Jinping adotou integralmente a retórica do presidente russo nesta sexta (16) e colocou o combate às “revoluções coloridas” como uma prioridade.
“Nós devemos evitar que forças externas instiguem uma revolução colorida”, disse o líder chinês a outros 14 chefes de Estado, Putin inclusive, no fórum da Organização de Cooperação de Xangai (SCO na sigla inglesa), entidade criada por Pequim em 2001 que Xi gostaria de ver como embrião de um bloco alternativo ao Ocidente.
Revolução colorida é um termo surgido nos anos 2000, quando países da ex-União Soviética passaram por revoltas contra seus governos alinhados a Moscou. A questão da cor é porque cada movimento tinha uma: rosa na Geórgia em 2003, e laranja na Ucrânia em 2004, para ficar nos exemplos mais famosos.
O apoio americano e europeu às revoltas, que invariavelmente degeneravam em governos disfuncionais, fez com que Moscou as denunciasse como golpes ocidentais visando minar a influência do Kremlin. O termo, midiático e de fácil uso nas CNNs e BBCs do mercado, se espalhou.
Assim, algumas das insurreições da dita Primavera Árabe, poucas realmente revoltas populares, também foram assim chamadas. Em janeiro deste ano, quando a Rússia interveio na crise que ameaçou o governo do aliado Cazaquistão, o chanceler chinês, Wang Yi, já havia mencionado o termo putinista.
Xi foi além, e disse que irá montar um centro regional na Ásia Central para atividades antiterroristas, e se ofereceu para custear o treinamento de 2.000 policiais de países-membros da SCO. Não faltará analista ocidental a ver a formação de uma guarda pretoriana contra revoluções coloridas em gênese. No caso chinês, há um recado adicional aos movimentos separatistas de Hong Kong, apoiados pelos EUA, e de Xinjiang, cuja repressão é denunciada como genocídio por Washington.
O chinês, contudo, se manteve fiel a seu estilo. Não mencionou a Guerra da Ucrânia, iniciada por Putin em fevereiro e que na prática remonta ao embate fulcral entre Moscou e Kiev iniciado na Revolução Laranja de 2004: a manutenção do território ucraniano como uma área de influência russa a separar as forças da Otan (aliança militar ocidental) das fronteiras do Kremlin.
Xi já havia feito isso na véspera, quando inclusive ouviu do russo a consideração de que Moscou compreende as preocupações chinesas com o conflito, recebendo amenidades diplomáticas em troca e o reforço da união dos países na Guerra Fria 2.0 que opões China aos EUA.
O chinês enfrenta problemas econômicos e está prestes a consolidar ainda mais seu poder personalista no Congresso do Partido Comunista Chinês de outubro, então tudo o que não precisa é provocar demais o Ocidente com quem tem grande ligação.
Sua fala desta sexta, contudo, confirma a formação lenta de um bloco que Pequim pretende liderar sob o discurso de rejeição ao unipolarismo pós-Guerra Fria dos EUA. A invasão da Ucrânia poderia ser a salva inicial do processo, abrindo caminho inclusive para uma ação chinesa contra Taiwan, ilha que considera uma província rebelde.
O fracasso até aqui de Putin em dobrar o vizinho, agora reforçado pela contraofensiva na região de Kharkiv, tornou-se um problema para Xi porque aumenta o risco de que o regime de sanções ocidentais contra Moscou acabe respingando em negócios chineses.
Por ora, até pela interdependência econômica com EUA e Europa, esse risco é mínimo, mas está colocado. Por outro lado, interessa à China uma Rússia que ainda mostre seus dentes militares de forma crível.
A SCO tem oito países-membros e diversos observadores. Nesta cúpula, aprovou o processo de entrada de dois aliados de Moscou: Belarus e Irã, este um dos mais agudos regimes antiamericanos do planeta. Mas estão presentes também países com interesses mais abertos, como a membro Índia, a observadora Turquia, e a nova convidada como parceira estratégica, a Arábia Saudita.
Também nesta sexta, dois integrantes da SCO se estranharam e usaram o fórum para reduzir tensão: houve troca de tiros em uma fronteira disputada entre o Quirguistão, aliado firme de Putin, e o Tadjiquistão. Um cessar-fogo, contudo, foi arranjado e parece ter poupado o fragilizado líder russo de mais uma crise nas suas fronteiras estratégicas.
Além da guerra, outra situação envolve dois parceiros estratégicos da SCO, a aliada russa Armênia e o protegido turco Azerbaijão, que continuam se estranhando na esteira de novos embates na região de Nagorno-Karabakh, objeto de uma guerra ganha por Baku em 2020.
O governo armênio disse que os mortos nesta semana chegaram a 200 no seu lado, e uma missão da “mini-Otan” de Putin, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva, chegou à região nesta sexta para tentar monitorar o cessar-fogo provisório.