Cacau: Projeto de lei pede anistia de mais de R$ 80 mi de dívidas provenientes da vassoura de bruxa no sul da Bahia


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Quando o assunto é preço depois de muitos anos o momento atual é considerado muito positivo para o produtor de cacau. A oferta global restrita do produto eleva as cotações no mercado internacional, trazendo oportunidades nunca antes vistas pelo produtor brasileiro, que têm aproveitado o momento para garantir boas margens. Na Bahia, no entanto, apesar do momento positivo para o mercado, o cenário ainda é de muita incerteza e um elevado número de produtores lutam na justiça pela anistia de uma dívida que já dura há mais de 30 anos. O setor fala em valores próximos de R$ 80 milhões.  

Para se entender o atual cenário, no entanto, é preciso voltar no tempo e falar sobre a crise no setor cacaueiro do Brasil que começou no final dos anos 1980, com a ocorrência da vassoura de bruxa. Uma das doenças mais graves da cultura e que foi identificada pela primeira vez no estado em 1989. 

As lavouras da Bahia foram duramente afetadas e o problema praticamente devastou a produção do até então, maior produtor de cacau do Brasil. “Acrescenta-se aqui que a Bahia, devido às condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento e disseminação dessa praga, chegou a perder 75% da sua produção, gerando desemprego e êxodo rural, além de desmatamento da Mata Atlântica e aumento da violência urbana”, destaca o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) ao Notícias Agrícolas. 

Diante deste cenário, o Governo Federal criou o Programa de Recuperação da Lavoura Cacaueira Baiana (PRLCB) com objetivo de restaurar as lavouras, conter a vassoura de bruxa e aumentar a produção. Para isso, foi criada uma linha de crédito especial para as ações com suporte da CEPLAC para recomendações de como controlar a praga e dar continuidade nos trabalhos. 

As ações, no entanto, não surtiram os efeitos imaginados e muitos produtores viram o próprio negócio quebrar, sem ao menos conseguir arcar com o pagamento dos créditos obtidos. Desde então, a produção de cacau na Bahia não é mais a mesma e muitos produtores ainda buscam por soluções não apenas para avançar com a produção, retomar seu espaço no mercado, mas também para quitação das dívidas. 

Buscando soluções para o setor produtivo, o senador Angelo Coronel (PSB/BA) criou o projeto de lei número 479 com o objetivo de instituir o Novo Programa de Reestruturação da Região Cacaueira da Bahia – Renova Cacau, solicitando ainda a remissão das dívidas oriundas de crédito rural lançada nos anos 90. 

A PL 479 solicita o reconhecimento da ineficácia do antigo programa de restauração e reconhecimento da falha nas políticas adotadas na época. 

O setor fala que a dívida em aproximadamente R$ 80 milhões, divididos em aproxidamente três mil produtores de cacau. Mas para Vanuza Barroso – presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC) acredita que o valor pode ser ainda mais significativo. Os produtores chegaram a ser aconselhados a renegociaçãos dos valores, mas essa ação também não funcionou como o esperado. 

“Foi um erro atrás de outro erro. Isso foi reconhecido pela Ceplac anos depois com duas notas técnicas e ainda existe uma nota técnica em sigilo. Então, nada mais que justo ter a anistia dessas dívidas. Deveria não só ter a anistia, mas também serem ressarcidos dos prejuízo tomados”, disse. 

A presidente destaca ainda que as condições registradas nos anos 90 até hoje deixam rastros de pobreza, desemprego, violência e exôdo rural. “As pessoas mudaram daquela região. Quando falhe a principal economia de uma região, toda aquela área vai afundar e foi o que aconteceu, tivemos que mudar, migrar para outro estado. E assim muita gente teve que tomar outros rumos diante essa problemática da vassoura de bruxa”, afirma.

DÍVIDA QUE IMPEDE O FUTURO DA PRODUÇÃO 

O setor do cacau no Brasil tem certo otimismo com os próximos anos, mas ainda assim, alguns gargalos ainda precisam ser solucionados e entre eles, a facilidade de acesso a linhas de crédito para pequenos produtores. 

Segundo a Vanuza, as condições vistas no passado e as dívidas recorrentes impedem que produtores consigam avançar com tecnologia e restauração das áreas, apesar do cenário tão positivo para os preços.

“Como a Justiça é lenta, tem produtor que ainda se encontra em primeira instância, tem produtor como dívida ativa. Como essas pessoas terão acesso a novos créditos? Não consegue, é impossível. É mais que inteligente da parte do governo perdoar essas dívidas para que a economia volte a girar”, complementa. 

Segundo relato de produtores de cacau que estão na Justiça tentando acerta o financeiro das fazendas, tantos anos depois o problema é que as dívidas mais que duplicaram de valor. Como por exemplo, o caso de uma família que fez o empréstimo de aproximadamente R$ 190 mil, não teve avanço na produção, precisou demitir parte dos funcionários e o problema virou uma grande “bola de neve”. 

“Depois de pagar todos os direitos trabalhistas dos funcionários, como se deve, ficamos sem dinheiro para continuar pagando ao banco. A partir daí, devido aos juros e às multas, o débito foi crescendo assustadoramente até se tornar impagável. Hoje  o valor que a nossa família deve ultrapassa em muito todo o nosso patrimônio. O valor atual, só da nossa família está em torno de R$ 2.800.000,00”, disse ao Notícias Agrícolas. 

A produção é concentrada no Sul da Bahia, em uma área de 104 hectares que já chegou a produzir em média de cinco mil arrobas de cacau, mas sem os recursos necessários, a produção hoje não chega a mil arrobas ao ano. 

“São muitos anos de sofrimento, recebendo notificações da justiça, visitas de oficiais de justiça e  sem direito a cheque especial no Banco do Brasil. Eu e meu irmão já tivemos dinheiro bloqueado no banco. No meu caso foram pouco mais de 2.000,00 na conta corrente e um valor ridículo de R$ 80,00 que eu tinha na poupança. Bloquear um valor tão pequeno na poupança é inclusive proibido por lei, mas fui aconselhada a não reclamar”, relata. 

Atualmente, o projeto de LEI 479 está em tramitação no Senado Federal e o setor tem a expectativa de que os problemas sejam solucionados brevemente com a aprovação. Ao Notícias Agrícolas, via nota oficial, o Mapa reconhece a dificuldade de avanço nos investimentos enquanto as dívidas estiverem ativas. 

Confira as repostas do MAPA na íntegra: 

Com base nos questionamentos apresentados pela reportagem, o Ministério da Agricultura e Pecuária esclarece que a crise da lavoura cacaueira iniciada no final dos anos 1980 teve como fatores determinantes:

a) o declínio dos preços do cacau, com queda substancial de 66,7% considerando o período de 1990 a 2005;
b) os planos econômicos do Governo Federal que contribuíram para queda nos preços do cacau;
c) a indisponibilidade de crédito a partir da safra 1987/1988, justamente no período de declínio dos preços; e
d) a ocorrência da vassoura de bruxa do cacaueiro, uma das mais graves doenças do cacaueiro, causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa, identificada pela primeira vez na região cacaueira da Bahia em 1989.  Uma vez instalada, a doença afetou fortemente o sistema produtivo já enfraquecido por adversidades climáticas e demais fatores listados acima. Acrescenta-se aqui que a Bahia, devido às condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento e disseminação dessa praga, chegou a perder 75% da sua produção, gerando desemprego e êxodo rural, além de desmatamento da Mata Atlântica e aumento da violência urbana.

Neste contexto, o Governo Federal criou o Programa de Recuperação da Lavoura Cacaueira Baiana (PRLCB), com objetivo de promover a recuperação das plantações, conter o avanço da enfermidade (vassoura de bruxa) e aumentar a produção de cacau. Para tanto, utilizou-se o crédito como alicerce do programa, que foi constituído de duas fases, agrupadas em etapas como segue:

– As 1ª e 2ª etapas do PRLCB foram executadas na safra 1995/1996, em meio à intensa severidade da infestação de vassoura de bruxa na região. Em caráter emergencial, a CEPLAC recomendou o controle cultural com objetivo de reduzir o avanço do fungo, prática universal adotada por todos os países onde a doença ocorre. Importante observar que os produtores, que obtiveram crédito, realizaram controle cultural e foram essenciais para reduzir a velocidade de expansão do fungo, que poderia ter alcançado níveis bem mais alarmantes naquele período. Esses produtores deixaram como legado a perspectiva de incrementos de produção, contribuindo, dessa forma, com a economia da região cacaueira. Entretanto, a 1ª e 2ª Etapas do programa não ofereceram aos produtores o retorno econômico suficiente para o pagamento dos financiamentos e encargos. Segundo a nota “esta é uma forte razão que justifica providências no sentido de sanar as dívidas dos cacauicultores, pois estas não devem ser entendidas sob condições de normalidade dos débitos rurais, ao contrário, merecem amparo dos dispositivos legais aplicáveis a situações catastróficas e emergenciais.”

– As 3ª e 4ª etapas do PRLCB foram implementadas por meio da Resolução nº 2.513, de 17/06/98; e Resolução nº 2.887 de 31/08/2001, ambas do Banco Central. Nessa fase, o Programa objetivava substituição de plantações suscetíveis, por intermédio da recomposição de estande e da enxertia de cacaueiros com material resistente à vassoura-de-bruxa. Vale ressaltar que o PRLCB teve como um dos principais entraves que contribuíram para sua ineficácia o fato de o financiamento não atender o custo total do manejo integrado recomendado pela CEPLAC. O sucesso do controle da doença dependia da adoção, de forma continuada, de todas as tecnologias recomendadas para o manejo integrado, a fim de permitir o controle da doença, assegurando alta produtividade, sustentabilidade socioambiental e competitividade no complexo mercado do cacau. Dessa forma, sem financiamento adequado, os produtores não puderam explorar convenientemente o potencial produtivo das novas cultivares (clonais) ou mesmo garantir a manutenção das áreas estabelecidas. A insuficiência dos recursos de custeio, a alta dos preços dos insumos e a pequena margem de retorno econômico do negócio cacau, nesse período, tiveram contribuição decisiva para redução no uso dessas tecnologias e, portanto, contribuíram para a ineficiência do Programa. Desse modo, não puderam gerar renda necessária para atender as obrigações bancárias.

Desta maneira, é possível afirmar que, devido a fatores externos, as orientações oferecidas pela CEPLAC aos produtores como solução ao combate da doença da vassoura de bruxa não surtiram os efeitos pretendidos. Atualmente, a CEPLAC dispõe de alta tecnologia para a cacauicultura, com 18 cultivares de cacau clonal recomendadas, com alta produtividade, resistência as doenças (principalmente a vassoura de bruxa) e atributos de qualidade. O cultivo do cacaueiro está em expansão e há necessidade de novos incentivos e, neste sentido, o problema de endividamento dos produtores impede que haja crédito novo na região em questão, freando seu desenvolvimento.
 

Fonte: noticiasagricolas

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