‘Dexit’: Alemanha fora da União Europeia? Delírio nacionalista ou futuro possível?


Defensora feroz da saída do país da UE, a legenda culpa o bloco pela recessão econômica alemã e levanta a bandeira do “Dexit” — termo que une o nome do país em alemão (Deutschland) com a palavra “exit” (“saída”, em inglês), em alusão à saída do Reino Unido da UE, em 2020, apelidada de Brexit.
Em conversa com a equipe do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o professor de relações internacionais do Ibmec Brasília Eduardo Galvão explicou que embora a ideia não seja majoritária, vem ganhando espaço nas discussões nacionais.
Entretanto, para ele, em meio à recessão, agravada pelo apoio à Ucrânia no conflito contra a Rússia, tal saída poderia piorar a situação econômica do país.

“A integração na União Europeia oferece algumas vantagens econômicas, como acesso a um mercado único, a redes de segurança financeira, e essa saída implicaria uma renegociação de todos esses acordos comerciais. Isso poderia resultar, talvez, em tarifas mais altas e em outras barreiras comerciais”, comentou.

Por outro lado, o professor do Ibmec ponderou que a perda da influência política e econômica na região poderá diminuir a capacidade da Alemanha de decidir, direcionar e moldar as políticas e iniciativas europeias para o próprio benefício.

“A Alemanha tem uma posição central na economia da União Europeia. Então uma eventual saída poderia agravar, sim, a recessão e tornaria essa recuperação ainda mais desafiadora.”

Também ouvido pelo Mundioka, o professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Kai Michael Kenkel considera a ideia do Dexit um tanto “absurda”. Segundo o especialista, hoje a Alemanha está “completamente integrada em quase todos os aspectos da sua existência” com seus vizinhos e parceiros europeus, e durante décadas a “força motriz da economia alemã” têm sido as exportações de empresas especializadas de pequeno e médio porte para os demais países da comunidade.

“A Alemanha está muito longe de cogitar uma saída da União Europeia. Alice Weidel, uma das líderes do AfD, quer colocar em pauta a ideia de um referendo, um voto popular sobre a saída da comunidade. Só que aí esbarra na Constituição, que proíbe o referendo, devido a experiências que tivemos durante a era nazista. Seria necessária uma mudança na Constituição, passando por uma supermaioria no Parlamento” explica ele.

UE sobreviveria sem a Alemanha?

A economia alemã representa cerca de 25% do PIB do bloco, 50% das importações e 58% das exportações, acrescentou Kenkel. Caso abandonasse a UE, a Alemanha teria perdas da economia de 5%, afirma ele.

“Somente para a região mais industrializada e com maior população, a Vestfália, os prejuízos seriam de cerca de 40 bilhões de euros [R$ 218 bilhões] e perda de meio milhão de empregos. Ou seja, é uma perda catastrófica a nível econômico para os alemães se eles saem da UE”, comentou Kenkel, que é cidadão alemão.

Perder a maior economia e um dos principais contribuintes desestabilizaria o bloco de maneira profunda, frisou Galvão, o que pode afetar também a coesão política e reduzir a influência global do grupo.

“Para a União Europeia, perder a maior economia e um dos principais contribuintes financeiros do bloco, desestabilizaria economicamente o bloco. Afetaria também a coesão política e poderia reduzir sua influência global” acrescentou o professor do IBMEC.

A perda dos vínculos, dos acordos de cooperação, facilitações, acessos a mercados oriundos do bloco traz a necessidade do país começar as negociações do zero, individualmente com cada país.
A eventual partida da Alemanha poderia “representar um verdadeiro terremoto político e econômico, tanto para o bloco quanto para o próprio país”, avaliou o especialista.

“São países de dimensões pequenas, embora economias pujantes. A força de negociar em bloco traz muitas vantagens. Até aqui na América Latina, o Brasil quer retomar o Mercosul para poder ter mais vantagens comerciais nas negociações. Dar um passo dessa magnitude, nesse momento, talvez seja bem precipitado“, comentou ele.

Brexit e Dexit

“Agora, claro, a saída do Reino Unido, e uma saída da Alemanha, pode ser motivador para que outros países pensem que também não vale tanto a pena”, especulou Galvão.
Ao mesmo tempo, ambos os entrevistados concordam que as dificuldades que o Reino Unido enfrentou e ainda enfrentam por ter saído da UE, evidenciaram complexidades e prejuízos dessa atitude:

“Agora há filas nos aeroportos, expulsão de muitos estrangeiros nos últimos meses por causa da nova interpretação das leis, supermercados vazios, uma enorme burocracia”, elenca o professor da PUC. “Foi um custo enorme, os preços sobem, os produtos não chegam. Muito ruim para o Reino Unido e seria ainda pior para a Alemanha”, opinou Kenkel.

Ele salientou que diferente do Reino Unido, que tem instituições milenares, a Alemanha “deu um reset total em 1949 com a fundação da República Federal”. Logo, as instituições políticas alemãs cresceram no contexto da UE e foram criadas para funcionar dentro “desse contexto de responsabilidade, de decisões compartilhadas com os parceiros”.

Vácuo de poder com consequências planetárias

Sem a Alemanha como elemento mediador, encontrar consenso dentro do bloco europeu pode ser bem mais complicado, segundo, Galvão, e pode reconfigurar as relações da comunidade com outras potências, como Estados Unidos, China e Rússia.
“Isso afetaria desde as negociações comerciais até acordos climáticos, a postura da União Europeia em conflitos globais”, disse ele.
O especialista aponta que a UE perderia 25% do seu poder econômico e “haveria um problema físico de conectar os Benelux [Bélgica, Luxemburgo e Holanda], a França com a Polônia, o leste da Europa”.

“A Alemanha tem um papel crucial na definição das políticas econômicas e nas direções estratégicas que o bloco implementa. Essa liderança permite que a Alemanha impulsione iniciativas importantes e contribua para a estabilidade econômica tanto dela como da UE.”

Ele destacou que a discussão sobre a atual hegemonia alemã gera no interior da UE debates e reivindicações sobre colaboração mais equitativa entre os Estados-membros. “E esse equilíbrio entre liderar e colaborar é essencial para a coesão e eficácia da União Europeia.”
Ao mesmo tempo, Kenkel ponderou que nas questões de política externa, a Alemanha tem se mostrado incapaz de exercer um papel de liderança que o bloco espera dela.

“Está faltando na Alemanha, exatamente, saber para onde vai. Economicamente, a Alemanha tem seus espaços dentro das instituições e da política. […] Nos últimos 10 anos, os parceiros querem que a Alemanha tenha clareza sobre o ponto de vista nacional alemão e Alemanha não tem esse reflexo”, concluiu ele.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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