Votos de juízes divergem sobre gastos de Moro, segurança, impacto da fama e Selma Arruda


O placar em 1 a 1 no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) revela dois caminhos distintos para os votos no julgamento de Sergio Moro (União-PR), que teve início em Curitiba na última segunda-feira (1º). O senador é julgado por suposto abuso de poder econômico nas eleições de 2022, quando após a pré-candidatura à Presidência da República pelo Podemos, o ex-juiz venceu o pleito ao Senado no estado do Paraná pelo atual partido.

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Se no primeiro dia de julgamento, a tese da somatória das campanhas, de autoria do PL e da Federação PT-PV-PCdoB, foi rechaçada pelo relator do processo, Luciano Carrasco Falavinha Souza, no segundo dia de julgamento, o voto do desembargador José Rodrigo Sade, acolheu o parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE) que considerou que houve a injeção de cerca de R$ 2 milhões na pré-campanha, apresentando uma interpretação na contramão do voto do relator em diversos pontos, como segurança, o impacto da fama de Moro na pré-candidatura e até a jurisprudência do caso da ex-senadora Selma Arruda.

Nomeado em fevereiro pelo presidente Lula (PT) e empossado no início de março como titular da cadeira de jurista no TRE-PR, Sade aponta para um “descompasso entre o conceito de ‘gastos moderados’ na pré-campanha e os gigantescos aportes de recursos” com objetivo de alavancar a imagem e a candidatura de Moro. “O que se tem de concreto ato é que o montante aplicado é magnífico, superando com folgas o valor investido pela maioria dos seus adversários na campanha, conforme pelos próprios registrado nas suas prestações de contas”, afirmou o desembargador.

Depois do voto pela cassação e inelegibilidade do ex-juiz da Lava Jato, a decana do TRE-PR, Cláudia Cristina Cristofani, pediu vista para suspensão do julgamento até a próxima segunda-feira (8), citando as linhas contraditórias apresentadas nos dois primeiros votos na Corte com necessidade de análise e estudo do caso. A previsão é que o julgamento seja finalizado até a terça-feira (9). Ainda cabe recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A pré-campanha e o percentual de gastos permitidos com o Fundo Eleitoral é um tema nebuloso dentro da legislação eleitoral sem regulamentação definida, o que provoca discordâncias nas premissas adotadas para a apreciação de cada caso.

Confira os principais pontos de contradição entre os votos do relator do processo e do desembargador Rodrigo Sade.

  • Gastos na pré-campanha

Ao derrubar a tese do “downgrade”, ou seja, a somatória da pré-campanha de Moro como presidenciável com o período de campanha eleitoral no Paraná, o relator Falavinha afirmou que apenas R$ 224.778,00 podem ser considerados como gastos de pré-campanha de Moro, valor compatível com a corrida ao Senado. Além disso, ele defende que mesmo que se levasse em conta o valor gasto no período em que Moro era pré-candidato a presidente, a soma seria de R$ 854.791,00, abaixo da casa de R$ 2 milhões, calculados no parecer do MPE, que acatou parcialmente o pedido de cassação.

Já o novo desembargador da Corte defendeu que não se pode falar que os gastos realizados na pré-campanha são acessíveis ao “candidato médio” ou são “pouco significativos” por corresponderem a 45,65% do teto, sendo que o escritório do suplente de Moro, o advogado Luis Felipe Cunha, teria emitido parecer de limite de gastos em 30%.

“Houve a quebra da isonomia do pleito, comprometendo sua lisura e legitimidade, de modo que deve ser reconhecida a prática de abuso de poder econômico, uma vez que foram comprovadamente realizadas condutas aptas a caracterizá-lo”, defende no voto. “Ainda que a campanha presidencial seja módica, sua pré-campanha tende a trabalhar com valores inimagináveis para uma campanha ao Senado”, acrescenta.

  • Intencionalidade

Enquanto o relator do processo afirmou que seria necessária a comprovação da intenção inicial de Moro de concorrer ao Senado e usar a pré-candidatura a presidente como uma forma de aumentar a exposição e os investimentos na campanha como senador, Rodrigo Sade considerou esse ponto como “irrelevante” e afirmou que o prejuízo à normalidade e legitimidade das eleições devem ser aferidas de forma objetiva.

“Em um cenário público e notório de polarização que vigorou desde o início na eleição presidencial de 2021, o investigado Sérgio Moro assumiu verdadeiro risco em se lançar e começar a gastar como pré-candidato presidencial, expondo-se, assim, deliberadamente a ver sua candidatura impugnada sob a acusação de abuso de poder econômico”, rebate. Ainda conforme Sade, ao tentar participar de três eleições diferentes, Moro “desequilibrou a seu favor” a eleição ao Senado pelo Paraná.

  • Impacto no eleitorado paranaense

Além da intencionalidade, o relator Luciano Carrasco Falavinha também defende que os atos de pré-campanha de Moro como presidenciável deveriam ter sidos dirigidos ao estado do Paraná para embasar a suposta vantagem no pleito ao Senado. Em seu voto, ele também lembra que um recurso do PT no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) impediu a transferência do domicílio eleitoral de Moro ao estado vizinho após a filiação ao União Brasil, restando ao ex-juiz a disputa como candidato a senador paranaense.

Neste ponto, Sade também contraria o relator ao argumentar que o alcance das redes sociais e a alta propagação das mídias atuais extrapolam os limites geográficos, sendo que os atos de campanha não estão mais concentrados na praça local.

“Nos autos, há provas contundentes de que os investigados e, em especial, Sergio Moro, tinham à sua disposição um forte esquema de produção de material para a internet e de uso das redes sociais, com o que havia uma potencialização de todos os seus atos, independentemente de onde fossem realizados.”

  • Fama do ex-juiz da Lava Jato

Sade também rebate no voto a defesa do senador que argumenta que a pré-campanha a presidente da República não beneficiou a imagem em exposição do ex-juiz, que já era nacionalmente conhecido pelo combate à corrupção durante a operação Lava Jato, o que também foi citado pelo relator que usou a expressão: “até as pedras conhecem Sergio Moro”.

Na avaliação do juiz eleitoral que votou nesta quarta-feira, a argumentação “não passa de retórica”. “Caso essa fama fosse suficiente para, por si só, alçá-lo ao cargo pretendido, não faria sentido os partidos destinarem à sua pré-candidatura a quantia absurda de dinheiro que aplicaram, bastando aguardar as eleições. A tal fama do investigado é um conceito amplo, que não necessariamente encerra apenas referencial positivo, daí porque evidentemente ele decidiu que seria necessário construir sua personagem de político buscando cargo eletivo”, analisa Sade.

  • Ameaça do PCC e segurança

Em seu voto, o desembargador lembra que a defesa sustenta a tese de que o gasto com segurança privada e escolta de Moro seria considerado como “indiferente eleitoral”, argumento acolhido pelo relator que desconsiderou o montante pago pelo serviço nas despesas de campanha sob justificativa que o ex-juiz e o ex-ministro da Justiça sofria ameaças do Primeiro Comando da Capital (PCC).

De acordo com Sade, a investigação levantou um total de R$ 535.185,22 gasto com o serviço na fase de pré-campanha. “O fundamento decisivo para incluir tal gasto como despesa de campanha, decorre do próprio depoimento prestado pelo investigado Sergio Moro. Saiu dele o reconhecimento de que, longe de ser um indiferente eleitoral, seu forte esquema de segurança financiado com dinheiro público foi, na realidade, condição essencial para realização de sua campanha”, aponta.

  • Selma Arruda

Os limites de gastos na pré-campanha é considerado uma “zona cinzenta” na Justiça Eleitoral e a jurisprudência pode ser usada como balizador em decisões dos tribunais. Por isso, a cassação da ex-senadora Selma Arruda por gastos em propagandas durante pré-campanha foi amplamente lembrada durante o processo de Sergio Moro. No entanto, Falavinha e Sade também divergem sobre o tema nos dois primeiros votos do julgamento.

O relator rechaçou a comparação e chamou o paralelo de “forte narrativa criada”. Já o desembargador afirma que existem “ponto de aproximação” nos dois casos e que a situação é “bastante similar”. “A ex-magistrada que ingressa na política, disputa vaga para o Senado e se vale de vultosos aportes financeiros na pré-campanha, antecipando gastos eleitorais. Nos presentes, a situação é ainda mais grave, uma vez que também restou configurada a extrapolação do teto de gastos, questão que não se configurou no precedente”, compara Sade.

Fonte: gazetadopovo

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