A crise hídrica que se avizinha é uma lembrança trágica do impacto desastroso da violência e do conflito iniciado em outubro passado sobre a população local. Já são mais de 31 mil mortos até então, uma catástrofe humanitária que vem assolando a Faixa de Gaza desde o início das operações israelenses em resposta aos atentados do Hamas. Nesse ínterim, segundo uma afirmação do fundo das Nações Unidas para a infância (UNICEF) há hoje uma grande preocupação de que “[o] número de mortes aumente exponencialmente”, em especial “se as crianças continuarem a beber água imprópria e não tiverem acesso a medicamentos”.
Os mais de dois milhões de palestinos que vivem em Gaza recebem entre um e três litros de água potável por dia e muitas vezes precisam recorrer ao mar ou a outras fontes disponíveis para o atendimento de suas necessidades básicas. Muitos sofrem de desidratação, gripe e doenças de pele causadas pela falta de água potável. No centro dessa crise hídrica, por sua vez, está um aquífero costeiro, principal fonte de água doce da região, que se encontra à beira do colapso. Décadas de utilização excessiva, combinada com a poluição proveniente de esgotos e da agricultura, deixaram a água do aquífero num estado muito aquém do ideal, para dizer o mínimo. Como se não bastasse, as recentes operações militares de Israel danificaram ainda mais esses escassos recursos.
Seja como for, a crise hídrica em Gaza é um problema complexo causado por uma combinação de fatores ambientais, políticos e econômicos. O abastecimento de água doce para a região provém quase inteiramente de aquíferos costeiros, ao passo que a procura por água potável excede consideravelmente a taxa de recarga natural deles. Disso resulta um uso excessivo dos aquíferos, o que só faz agravar a situação dos palestinos. À medida que os níveis diminuem no aquífero, a água do mar circundante no Mediterrâneo acaba infiltrando-se, elevando a salinidade das poucas fontes à disposição dos palestinos residentes em Gaza. Logo, cada vez mais essas águas vão se tornando impróprias para o consumo humano, assim como para a agricultura local. Gaza, por sua vez, precisa então recorrer a Israel, para obter o restante necessário de sua água potável, cujo governo há anos desenvolveu centrais de dessalinização.
No entanto, devido ao curso das operações militares, Israel tem restringido o acesso aos materiais necessários para a criação de infraestruturas hídricas adicionais para Gaza. As medidas de controle implementadas pelos militares israelenses têm o potencial de atrasar ou mesmo de interromper quase todos os serviços hídricos básicos para Gaza, tais como canalizações e manutenção dos equipamentos de dessalinização da água do mar. Tudo isso coloca obstáculos significativos à capacidade de Gaza de receber o necessário para sua subsistência, seja quando falamos de água potável, seja quando falamos de serviços básicos. No mais, anos de conflito entre o Hamas e Israel também causaram danos significativos a outras estruturas referentes ao fornecimento de água e esgotos para a região. Desde 2021, por exemplo, mais de 200 blocos de abastecimento de água foram danificados, resultando em perdas na casa dos 15 milhões de dólares.
Como se não bastasse, tanto fertilizantes quanto pesticidas utilizados na agricultura local frequentemente acabam por contaminar parte das águas subterrâneas em Gaza, causando a propagação de substâncias tóxicas. Essa situação é um dos muitos fatores que também contribui para aumentar o desemprego entre a população palestina, colocando ainda mais pressão sobre os moradores de Gaza e resultando, no limite, num ciclo vicioso de pobreza e escassez. Além disso, a ocupação militar israelense hoje em curso e outras restrições territoriais à Faixa de Gaza reduziram bastante o espaço físico para a agricultura, afetando os meios de subsistência de diversas famílias e perturbando o desenvolvimento local. Em seu conjunto, essas medidas vêm exacerbando a desertificação e tornando Gaza mais vulnerável às mudanças climáticas, outro dos principais problemas enfrentados pela região.
Afinal, a mudança nos padrões de precipitação de chuvas também coloca em risco o abastecimento futuro de água em Gaza, ao passo que a insegurança hídrica aumenta a cada dia a sensação de insegurança entre os palestinos. Esses, por sua vez, já vem experimentando sérias dificuldades no acesso à água potável devido à situação e por conta, como já mencionado, das operações de Israel em Gaza iniciadas em outubro. De todo modo, mesmo antes da guerra, os palestinos em Gaza tinham acesso a apenas um quinto da água potável recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Tamanha discrepância só exacerba as contradições entre a região e Israel, acirrando as tensões locais envolvendo o Hamas e o governo em Tel Aviv. Com a infraestrutura devastada pela guerra, o acesso à água potável cada vez mais inviabilizado e a continuada perda de vidas, Gaza se tornou um verdadeiro epicentro das injustiças humanas.
Em meados de 2023, a UNICEF já informava que mais de 90% da água de Gaza não era totalmente segura para o consumo. Para além da má qualidade da água, há desafios sérios com relação à manutenção de seu abastecimento consistente às casas palestinas devido à falta sazonal de eletricidade, bem como de combustível. Mais recentemente, o secretário-geral da ONU, António Guterres, também alertou para a situação, mencionando que: para além da sede, a fome generalizada também torna-se iminente em Gaza, situação essa que tende a piorar no decurso das operações de Israel. Sendo assim, Gaza corre o risco de terminar não apenas sem os mantimentos necessários para a sua própria subsistência, mas também sem nenhum vestígio de dignidade humana.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!
Fonte: sputniknewsbrasil