Projeto de usina nuclear na Lua é o 1º passo para missões em Marte, dizem analistas


No início de março, Yuri Borisov, chefe da agência espacial russa, Roscosmos, anunciou que Rússia e China têm trabalhado em conjunto para instalar uma usina nuclear na Lua entre 2033 e 2035.

“Hoje estamos considerando seriamente um projeto — em algum momento no periódo de 2033–2035 — para entregar e instalar uma unidade de energia na superfície lunar junto com nossos colegas chineses“, disse Borisov.

No anúncio, Borisov destacou que a medida abre margem para que no futuro possam ser construídos assentamentos lunares, uma vez que painéis solares não têm a capacidade para fornecer energia elétrica suficiente para isso.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam que oportunidades a empreitada traz, bem como possíveis impactos geopolíticos.
Para Pedro Martinez, mestre em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e líder da linha de pesquisa de segurança espacial do Laboratório de Simulações e Cenários (LSC), a corrida pelo uso da energia nuclear na Lua já é uma realidade.
“A gente já tem visto notícias em relação ao uso da energia nuclear na Lua já faz algum tempo. Os Estados Unidos estão já atualmente contratando empresas para seu projeto Artemis. E agora Rússia e China se unem e vão provavelmente fazer isso. Eu acho que é um passo, digamos, esperado e natural para as ambições desses países, para a Lua e para missões futuras em Marte, por exemplo.”
Maquete da planejada Estação Orbital da Rússia (ROSS, na sigla em russo) no estande da corporação estatal russa Roscosmos em exposição no Fórum Técnico-Militar Internacional EXÉRCITO-2023, no Centro de Convenções e Exposições Patriot - Sputnik Brasil, 1920, 27.10.2023

Ele ressalta que, de fato, o uso de energia solar não seria viável na Lua por conta da pouca luz recebida pelo satélite natural, da mesma forma que ocorre com satélites enviados a distâncias muito grandes, que necessitam de propulsores nucleares.
“Por isso que satélites que vão para distâncias muito grandes utilizam energia nuclear, porque não têm a capacidade de adquirir energia solar. Então, por enquanto, a gente tem a energia nuclear como uma possibilidade poderosa… claro, perigosa, mas é o projeto que países como Rússia, China, Estados Unidos estão buscando para manter os seus projetos espaciais em dia”, explica o pesquisador.
Por sua vez, Raquel Missagia, professora colaboradora de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), sublinha que, apesar de trazer espanto, a tecnologia para construir uma usina nuclear na Lua “ainda está em desenvolvimento”.

“O que acontece é que a energia nuclear é muito mais potente, inclusive, do que a energia solar. […] Daí a justificativa de você utilizar a energia nuclear em solo lunar. Então tem uma tecnologia ainda em desenvolvimento. O tempo para isso chegar, acontecer, os impeditivos técnicos, todo esse processo ainda tem que ser alcançado para que de fato isso aconteça.”

Quais os impactos geopolíticos do uso de energia nuclear na Lua?

Martinez destaca que a corrida para criar usinas nucleares na Lua tem potencial para gerar tensões geopolíticas imprevisíveis.
“O espaço é um lugar com muito pouca regulação. A gente tem só um tratado de 1967 que dá alguns passos em relação a evitar conflitos, porém não impede que o espaço seja utilizado de maneira militar e de maneira ofensiva aqui na Terra. Então a construção de economias com base em energia nuclear na Lua por parte de China, Rússia e Estados Unidos cria precedentes para possíveis conflitos.”
Ele acrescenta que o objetivo da instalação de uma usina nuclear na Lua é fazer do satélite natural uma espécie de “grande estacionamento” para missões a Marte, que necessitam “de fontes de energia que sejam potentes e confiáveis como a nuclear”.
De acordo com Martinez, o projeto é mais um indício de que o mundo vive uma nova corrida espacial, iniciada a partir dos anos 2010 e calcada não na cooperação, mas na multiplicação de atores envolvidos.
“Você tem países como a China, como o Japão e como a Índia levando satélites, rovers, carros robóticos para a Lua, tem o crescimento de atores privados, como a Blue Origin, a SpaceX, fazendo do espaço um lugar de economia possível. Então você tem uma multiplicação de satélites. O que a gente tem visto nessa nova era de exploração espacial é uma tensão maior entre atores. A cooperação que a gente viu, por exemplo, na Estação Espacial Internacional, ela já não é tanto o foco”, explica.

“O que a gente tem visto é a multiplicação de atores, por exemplo, em sistemas de navegação. Em sistemas de navegação, você tem tanto a Rússia, tanto a China quanto os Estados Unidos fazendo os seus próprios e não confiando em cooperação. Então a gente tem visto um crescimento de tensões e uma diminuição de cooperação nessa nova era de tecnologia espacial”, complementa.

Raquel destaca que dentro do contexto das relações internacionais já existe um acirramento geopolítico que tem de um lado o Ocidente coletivo, representado pelos EUA e seu programa Artemis, feito em parceria com outros países ocidentais, e do outro o Sul Global, liderado por Rússia e China.
“Ou seja, há uma série de pontos de vista estratégicos que precisam ser pensados aqui. Tanto do ponto de vista mais estratégico, stricto sensu, que a gente está falando, da ocupação, colocação desses equipamentos nucleares em solo lunar, o que vai trazer uma contestação e um ambiente de ainda maior tensão […], e também do ponto de vista militar, em que você pode ter, então, uma difusão maior de tecnologias críticas e sensíveis nessa área.”

Há recurso financeiro disponível para a empreitada?

Com conflitos simultâneos ao redor do mundo, muitos países enfrentam graves problemas econômicos. Diante disso, haveria recurso disponível para investir em um projeto caro como a criação de uma usina nuclear na Lua? Para Martinez, “o recurso para o espaço é consequência do uso da defesa na Terra”.
Foguete portador Soyuz-2.1b com carga na plataforma de lançamento 31 (Vostok) do Cosmódromo de Baikonur, Cazaquistão, foto publicada em 21 de novembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 24.06.2023

“A gente vê o espaço como um ativo importante em guerras atuais. A gente está tendo o conflito no Leste Europeu em que se utilizam satélites. A gente vê a profusão de armas antissatélites como uma possibilidade de conflito futuro, ou seja, uma arma que sai da Terra em direção a satélites inimigos. Você tem uma vulnerabilidade muito grande porque satélites estão, digamos, flutuando ao redor da Terra e não tem nada que os defenda. Então o investimento de grandes potências em relação à atividade espacial é mais uma fase do aumento de gastos de defesa no mundo todo.”

Raquel aponta que há iniciativas para criar parcerias baseadas no ponto de vista geopolítico, mas também na necessidade de divisão de gastos, uma vez que “a exploração espacial é muito custosa”.
“Se a gente pensar, por exemplo, no que é a Estação Espacial Internacional, ela é um grupo de países que conseguiu lançar a estação através, na verdade, de vários países investindo financeiramente, investindo cientificamente, tecnologicamente nessa estação. O projeto da Estação Lunar Internacional de Pesquisa de Rússia e China também vai nessa direção de buscar parceiros para que não apenas os custos orçamentários desse grande projeto possam ser divididos, mas também o desenvolvimento científico e tecnológico”, explica a especialista.

“O projeto Artemis tem em torno de 33 países fazendo parte. O Brasil, inclusive, faz parte do projeto Artemis. Já a China e a Rússia vêm tentando trazer mais países para fazer parte da construção dessa Estação Lunar Internacional de Pesquisa. Inclusive os países que formam o BRICS foram convidados pela Rússia a fazerem parte dessa iniciativa”, acrescenta.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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