Exército quer mais mulheres em missões de paz e estuda inserção feminina no serviço militar


O Exército está aumentando a participação de mulheres militares brasileiras que servem em missões de paz da ONU ao redor do mundo. Hoje elas atuam principalmente em países da África, como Saara Ocidental, República Democrática do Congo, Sudão do Sul e República Centro Africana. Em paralelo, o Exército e o Ministério da Defesa estudam iniciar a participação feminina no serviço militar inicial no Brasil, que atualmente recruta apenas homens.

“É um orgulho ter visto de 2018 para 2024, em um espaço curto de tempo, um incremento do efetivo feminino no Exército Brasileiro de 8 mil para 13 mil militares”, disse o comandante do Exército, general Tomás Paiva, durante o seminário “Peacekeepers brasileiras: destaques do Brasil na implementação da agenda sobre mulheres, paz e segurança”, organizado pelo Exército e pela Rede Brasileira de Operações de Paz do Brasil (REBRAPAZ) na quinta-feira (21) em Brasília.

Hoje o Brasil tem 10 militares brasileiras em missões de paz individuais pelo mundo. Como o país não participa com grandes efetivos de tropas em missões de combate, como ocorreu no Haiti entre 2004 e 2017, o número total de militares e policiais brasileiros servindo em missões não passa de 90. A ideia é ir aumentando a participação feminina, mesmo além do mínimo estabelecido pela ONU, que o Brasil já cumpre. Nesse sentido, ao menos mais duas mulheres já estão sendo designadas para novas missões internacionais.

“Por meio de uma melhor colocação dessas mulheres, como agentes ativos da operação de paz, a gente quer melhorar também a posição de um dos grupos mais vulneráveis na área de conflito, que é o grupo das mulheres e das meninas. Elas são oprimidas na área de conflito. Muitas vezes são submetidas a todo tipo de violência, não só violência sexual”, disse o general André Luís Novaes Miranda, comandante do Comando de Operações Terrestres do Exército.

Além disso, segundo Novaes, a presença de mulheres nas equipes militares da ONU melhora o engajamento e a receptividade das mulheres locais na área de conflito.

Mas o recrutamento e treinamento dessas profissionais é complexo. “Muitas vezes essas militares passam por processos seletivos altamente competitivos. Os nomes delas vão para uma seleção ONU, que também recebe nomes de mulheres de outros países que também têm boas qualificações. As nossas mulheres têm sido selecionadas pela sua capacidade e, quando vão para o terreno, mostram que realmente têm um resultado de qualidade”, afirmou Eduarda Hamann, Coordenadora-Geral da Rede Brasileira de Pesquisa sobre Operações de Paz (REBRAPAZ).

A capitã Luciana Moreira é um exemplo dessas militares. Em sua trajetória, a capitã foi enviada para duas missões de paz. Em uma delas, no Haiti, fez trabalhos assistenciais junto a orfanatos e instituições haitianas. Ainda recentemente, foi enviada à República Democrática do Congo, onde atuou como Oficial de Coordenação Civil Militar do Batalhão do Uruguai.

No país, a capitã fazia o contato da população civil com os agentes da ONU que atuavam no acolhimento e no atendimento das mulheres em situação de vulnerabilidade extrema. “Lidamos muito com crianças vítimas de abuso sexual e acho que essa foi uma das situações que marcaram o tempo em que estive lá”, relatou. Moreira disse que, em determinados momentos, o fato de ser mulher fez diferença em sua atuação.

“A situação que envolve o abuso, principalmente o sexual, é muito delicada. Mas houve momentos em que eu percebi que algumas meninas e mulheres se sentiam confortáveis em chegar até a mim e contar sobre algum abuso. Muitas pessoas que chegam em missões desse tipo fazem a atividade e vão embora. Mas eu e minha tradutora, que também era mulher, dávamos atenção redobrada para as pessoas e acho que isso passava confiança para elas”, contou a capitã e engenheira do Exército.

Tenente do Exército é finalista de prêmio da ONU

A excelência do trabalho realizado pelas mulheres militares em missões também é reconhecida pela ONU. A tenente-coronel Renata de Castro Monteiro Netto, desdobrada em missão de paz no Sudão do Sul, foi indicada ao prêmio de Defensora Militar da Igualdade de Gênero das Nações Unidas 2023 nesta semana. É a primeira vez que uma militar do Exército concorre ao prêmio nessa categoria. O Brasil já teve duas militares da Marinha premiadas.

Renata iniciou a atuação na missão em fevereiro de 2023, como observadora militar. Além de monitorar atividades de grupos militares e paramilitares, a função da tenente-coronel também incluía identificar e reportar qualquer tipo de violação dos direitos humanos testemunhada durante patrulhas em áreas de conflito.

“Sinto-me muito orgulhosa em representar os 14 mil militares presentes na UNMISS [missão da ONU no Sudão do Sul], que se dedicam todos os dias em prol da manutenção da paz. Por outro lado, sinto uma responsabilidade imensa. De um lado da farda represento a ONU, uma instituição respeitada internacionalmente. Do outro lado, carrego a bandeira do meu país e a enorme tradição de sucesso em missões de paz”, disse Renata de Castro Monteiro Netto.

Exército estuda dedicar para mulheres até 10% das vagas no serviço militar

O comando do Exército e o Ministério da Defesa estão elaborando um estudo para abrir ao segmento feminino o único setor que atualmente só recruta homens: o serviço militar inicial.

Não se trata de conscrição, pois hoje a demanda pelo serviço militar por parte de jovens que completam 18 anos é tão alta que, na prática, só participa quem realmente quer e nem todos os interessados conseguem as vagas. Ao todo são recrutados cerca de 55 mil jovens por ano. A ideia é que inicialmente entre 5% e 10% dessas vagas passem a ser destinadas às mulheres.

Segundo o general Novaes, atualmente as mulheres já estão presentes em todas as outras linha profissionais do Exército (militares de carreira e serviço temporário), inclusive em funções de combate. Elas somam ao todo 13 mil mulheres.

“Desde 2017 também temos mulheres na linha militar bélica das combatentes de carreira, ela não estão em todas as armas ainda, mas já operam na linha de frente. Também temos a primeira mulher fazendo o curso de piloto de helicóptero, mulheres que já fizeram o curso de paraquedismo, com o curso de guerra na selva. Elas estão em todos os lugares”, afirmou o general .

Em 2017 o Exército estabeleceu a inclusão delas na Linha do Ensino Militar Bélico, formação realizada na Academia Militar da Agulhas Negras. Também foi a primeira vez que elas puderam frequentar a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), a Escola de Sargentos de Logística (EsSLog) e o Centro de Instrução de Aviação do Exército (CI Av Ex). Assim, em 2018 e, posteriormente, em 2021, a Força Terrestre contou com as primeiras turmas de sargentos e oficiais da linha bélica com a presença de mulheres.

A sargento Anne Maria Deligne Vitor foi uma das que se formou no Centro de Instrução de Aviação do Exército. Com 27 anos, Deligne deu início à sua trajetória na força em 2017. “Sempre quis ser militar, mas eu desconhecia as formas de ingresso nas Forças Armadas. Foi então que eu vi uma propaganda na TV falando sobre o concurso para ingresso de mulheres sargento no Exército”, conta à Gazeta do Povo.

Depois de aprovada e formada como sargento, Deligne deu início à sua especialização na área da aviação, concluída em 2021. A militar atua na manutenção de aeronaves e exerce sua profissão com satisfação. Em uma área que por muitos anos foi ocupada apenas por homens, ela conta que o acolhimento e incentivo para as mulheres faz parte do cotidiano.

“Eu acredito que a gente é muito capaz e cada uma de nós abre espaço para que outras venham. Então durante a nossa formação, nós somos incentivadas pelos nossos instrutores a desafiar as nossas capacidades nos mais diversos aspectos, para que a gente possa entender que somos capazes de tudo. Eu acredito que a gente só tende a abrir espaço para que outras venham e mais vagas sejam abertas”, afirmou.

Fonte: gazetadopovo

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