Crianças como agentes radicalizadores de outras crianças?
“Às vezes, essa radicalização ocorre entre eles, é recíproco, entre os próprios adolescentes, entre as próprias crianças ocorre essa radicalização. Um menino daqui da Bahia se conecta on-line, numa subcultura on-line nociva, com um menino de Vitória, no Espírito Santo, e um radicaliza o outro. E essa radicalização é recíproca.”
“É uma rede onde todas essas plataformas se conectam, então o indivíduo está no TikTok, do TikTok ele é direcionado para uma subcultura on-line no Discord. No Discord ele consegue um espaço seguro, porque é mais difícil a moderação dentro do Discord pelo próprio design da plataforma, e a partir daí ele começa um processo de autorradicalização on-line, que pode chegar até o extremismo violento, ideologicamente motivado, em forma, por exemplo, de atentados em ambientes escolares.”
Avanço do extremismo é fruto da terceira onda de radicalização on-line
Por que as crianças se tornaram o principal alvo?
“Então elas são como um livro em branco, onde quem chega consegue escrever e moldar aquela criança da forma que bem entender. Além disso, a gente tem mudanças na própria sociedade que foram ocorrendo e que, obviamente, mudaram também o jeito da criança viver hoje.”
“Às vezes, eles têm ali queixas legítimas. Às vezes, aquela criança está sofrendo algum tipo de preconceito, algum tipo de violência. Às vezes, ela não consegue se relacionar. Então ela fica mais vulnerável a outros indivíduos maliciosos que chegam para poder trazer novas ideias extremistas para aquela pessoa e falar para ela: ‘Olha, mas isso é culpa desse tal grupo’, ou ‘Isso é culpa dos judeus’, ou ‘Isso é culpa de um suposto grupo globalista'”, afirma a pesquisadora.
“Nós temos que pensar que o adolescente necessita desse acolhimento e desse pertencimento. E, realmente, [a Internet] é um local onde as pessoas que fazem esse tipo de aliciamento são experts em trazer esse pertencimento. Porque elas acolhem quem for, quem chegar. Então, não se olha ali cor, raça, gênero, idade… Eles aceitam a pessoa como ela é. Então isso traz um grau de pertencimento muito grande”, afirma a pesquisadora.
“Com uma sensação de fraternidade, eles passam a apresentar um comportamento de seita. Em alguns casos, essa violência on-line migra para o mundo físico na forma de ataques a escolas.”
“O que eu quero dizer é que existem vários fatores que levam a esse tipo de extremismo, e não necessariamente que os adolescentes sejam engajados nessa ideologia. Por exemplo, vamos voltar para Columbine. Existiam aqueles casacos pretos que ainda hoje alguns autores [de ataques a escolas] utilizam, sobretudos pretos. Mas isso nada mais era do que uma vestimenta utilizada por adolescentes de anos anteriores a Columbine, que eram veteranos. Então eles se chamavam de ‘máfia do sobretudo’. E eles eram excluídos, se sentiam excluídos. Era uma turma de uns 12 que usava aqueles casacos.”
O humor ‘despretensioso’ como primeira isca para crianças
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“Hoje, por exemplo, você tem redes como TikTok, cujo público majoritário é […] de menos de 15 anos de idade. E essas redes ganham dinheiro […] produzindo atenção, produzindo respostas rápidas para demandas complexas e produzindo a ideia de que tem muita gente que pensa como eu, aquilo que alguns autores vão chamar de política do eco, que é a ideia de que eu falo e todo mundo escuta o que eu estou dizendo porque todo mundo concorda comigo. Todo mundo, nesse caso, são as bolhas produzidas por esse clique que eu dou.”
O que fez do Brasil um território fértil para extremistas?
O vício em ódio e o fascínio pela violência como forma de resolução de conflitos
“Existem pessoas que acabam vivendo tantos conflitos de violência, e isso afeta até a adrenalina do corpo, que em ambientes de mais calma e tranquilidade eles se sentem desprovidos de vitalidade”, argumenta a psicóloga.
“Os meninos tendem a ser capturados por esses grupos, inicialmente pela pauta de uma rejeição, de uma dificuldade com o feminino, com a sexualidade e o feminino. A partir do ingresso desses conteúdos, vêm outros que vão se incrementando, que são os conteúdos racistas, então vem a ideologia supremacista, muito implementada.”
“Existe, por exemplo, contra o feminino uma ideia que associa a supremacia branca, que é de que os povos que são de origem africana e de religiões não cristãs, que são os islâmicos, que eles têm mais mulheres, eles têm mais filhos e, proporcionalmente, eles vão dominar o mundo porque, em termos numéricos, são mais numerosos.”
O que explica o supremacismo pardo?
“Ele monta um combo. Então, de cada ideologia extremista, ele tira um pouco do que responde às suas queixas e depois pega de uma outra ideologia extremista o que responde a algumas outras queixas dele. E forma o seu próprio prato, né, o seu próprio combo de ideologias extremistas”, complementa.
Como impedir a radicalização?
“A gente sabe que a criança precisa ter o seu espaço, a sua intimidade, mas as famílias precisam fazer um acordo com os filhos, [dizer]: ‘Olha, eu vou precisar monitorar os conteúdos que você está tendo acesso.’ Crianças pequenas, adolescentes, os pais precisam monitorar. Isso faz parte do cuidado mesmo. Isso tem que ser dito, tem que ser acordado.”
“Um dos principais marcadores dentro de grupos extremistas e ecossistemas extremistas é justamente a desumanização do outro. Quando você coloca intragrupo versus extragrupo. Então aquele outro é visto como um inimigo a ser aniquilado, e a misantropia também é muito forte dentro desses ecossistemas extremistas”, explica a pesquisadora.
O que dizem as big techs?
Soberania digital, a próxima fronteira contra o radicalismo
“É fundamental que a gente adote as estratégias feitas fora do Brasil e traga para cá. As estratégias para que a gente tire dessas seitas radicalizadas pessoas que estão por lá, porque em algum sentido receberam respostas para dramas e traumas que elas têm na família, dramas e traumas que elas têm na vida. É preciso começar um processo de desradicalização no Brasil, sem sombra de dúvida.”
“Esse controle vai ser feito a partir da aprovação de leis que intimidem uma liberdade supostamente incontrolável dessas redes sociais. As redes sociais não funcionam de forma livre, elas funcionam a partir de uma lógica de mercado e lucro. E essa lógica de mercado e lucro é o que condiciona as formas que elas têm de funcionar. O que a gente está tentando produzir a partir do grupo de trabalho são leis que impeçam que essa suposta liberdade continue sem controle e vinculando essas leis à lei do país.”
Educação como porta de saída da radicalização
“Nós, adultos, também fomos jogados para esse mundo virtual sem termos conhecimento, sem termos uma preparação de como utilizá-lo. Então nós só podemos orientar esses adolescentes se também tivermos uma preparação e uma educação”, explica a psicóloga.
“Educação transforma mais do que leis. Eu acredito que as leis são necessárias, sim, porque nós precisamos delas para viver em sociedade, regularmos o nosso convívio, mas a educação faz com que nós tenhamos essa criticidade e essa consciência de que é necessário compreender as leis, e não apenas aplicar como uma punição se não há transformação. As leis cerceiam, regulam, mas não transformam. O que transforma realmente é a educação, é a conscientização, é a responsabilização”, finaliza.
Fonte: sputniknewsbrasil