Antes de mais nada, nunca é demais lembrar que, em séculos anteriores, as potências coloniais europeias justificavam a necessidade de manutenção de seus impérios ultramarinos com base em uma suposta missão civilizatória, cujo objetivo seria introduzir formas mais sofisticadas de organização política e de produção econômica em diferentes regiões. Ora, a motivação ideológica básica para o colonialismo se baseava, entre outras coisas, na falsa ideia de que os europeus levavam a civilização para outros povos e espaços fora do continente. No entanto, o colonialismo nada mais era do que um empreendimento econômico concebido para lucrar com a exploração e a espoliação de diferentes civilizações espalhadas pelos quatro cantos do planeta.
Com o advento da Revolução Industrial na Grã-Bretanha, na segunda metade do século XVIII, e a modernização de outras potências europeias na sequência, o aumento vertiginoso da atividade econômica de países como França, Bélgica, Holanda, Alemanha e da própria Grã-Bretanha fez com que promovessem a expansão de seus domínios políticos pelo globo. Ao estabelecerem seus impérios globais, esses Estados passavam a contar com a importação de produtos primários baratos das colônias, que então importavam produtos manufaturados da Europa em uma relação claramente desigual e injusta.
Apesar desse estado de coisas ter proporcionado a propagação de ferrovias, tecnologias, infraestruturas e técnicas de gestão política para os países colonizados, beneficiou principalmente as potências colonizadoras europeias. Não sem razão, os resultados desse período histórico e a forma como a colonização moldou o destino de diversos povos e civilizações do mundo hoje continuam a ser uma questão importante na pauta de discussões políticas dos países em desenvolvimento. Certos círculos acadêmicos nas ex-colônias, pertencentes ao que ficou conhecido como o Sul Global, debatem sobre o que poderia ter acontecido aos Estados colonizados, caso tivessem a chance de se desenvolver de forma autônoma e sem a intervenção do Ocidente.
Hoje, mais uma vez, os países ditos avançados do Ocidente retomaram o pensamento de que representam a vanguarda política, social e econômica da humanidade. Pressupõe-se então a existência de um conjunto de valores básicos, fundamentados na experiência europeia (e na norte-americana) que, em tese, seriam partilhados por toda a humanidade. A visão dominante por trás desse projeto neocolonial visa, por sua vez, moldar o comportamento das demais sociedades, encorajando-as a adotar o modelo social (individualista e progressista) e econômico (liberal e de livre mercado) ocidental. A partir daí, justificam-se percepções e preconceitos sobre o que é ser desenvolvido e o que fazer para que países em desenvolvimento alcancem por fim um padrão de vida similar ao do Ocidente. Enquanto isso, essa mais recente empreitada neocolonial visa manter uma relação de hierarquia internacional na qual a América do Norte e os países da Europa Ocidental continuem no topo da administração dos processos globais mais relevantes. Em resumo, esse novo estado de coisas é sustentado justamente pela posição desigual entre o Ocidente e os chamados países em desenvolvimento do sistema internacional.
Outro fenômeno importante advindo dessa situação é o da “intervenção humanitária” por parte dos países europeus e dos Estados Unidos em prol da manutenção da paz. Aqui, a importância de conceitos como consentimento, respeito à integridade territorial dos Estados e o não uso da força perdem a sua utilidade e eficácia, em função da interpretação ocidental de que é necessário intervir unilateralmente em certos países e regiões, se o intuito for o de impedir a violação de direitos humanos.
Tais intervenções ocorreram ao longo dos anos 1990 e 2000 nos Bálcãs, no Oriente Médio e no Norte da África, causando resultados catastróficos como o aumento da violência e da instabilidade política regional. Ainda assim, o Ocidente justifica seu projeto neocolonial em função da defesa de valores ditos “universais” que, a depender do caso, devem ser defendidos até mesmo pela via militar. A promoção desses valores, no entanto, implicou somente em dor e sofrimento para as populações dos Estados afetados pela política de intervenção ocidental em seus assuntos domésticos. Essas ações, portanto, demonstram o teor do imperialismo cultural do atual Ocidente. Trata-se de uma espécie de “neocolonialismo civilizatório”, que une a visão liberal europeia com as prescrições dos neoconservadores americanos sobre a necessidade de exportar a democracia estadunidense pelo mundo.
Para além disso, tanto a Europa como os Estados Unidos também utilizam ferramentas de coerção financeira e política como as sanções e o isolamento diplomático, cujo intuito é o de alterar o comportamento de países insubmissos aos novos ditames neocoloniais. Apesar de, em termos jurídicos, os Estados serem reconhecidamente soberanos e independentes, sua posição militar e econômica no sistema pode torná-los mais ou menos vulneráveis a essas chantagens do Ocidente.
Seja como for, a luta política pela emancipação dos países historicamente colonizados continua, e dependerá justamente da superação do insatisfatório padrão de vida de suas populações, bem como da diversificação de suas economias. Por outro lado, a emancipação quanto ao neocolonialismo dependerá obrigatoriamente da defesa dos valores e das tradições culturais autóctones dos mais diferentes povos, em oposição a quaisquer tentativas ocidentais de homogeneizar as ideias e os comportamentos de todo o planeta. Afinal, não há a necessidade de se parecer com o Ocidente. Ser diferente não é ser inferior, significa apenas manter a própria identidade. Grupos como o BRICS e o G20 vêm demonstrando que essa consciência está cada vez mais forte e mais presente. Aliás, eles também servem para pôr limite ao neocolonialismo ocidental que, apesar da nova roupagem, continua tão prepotente e pretensioso como o colonialismo de séculos passados.
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Fonte: sputniknewsbrasil