O vaivém de caminhões carregados com areia, tijolos e outros materiais para construção é intenso. Mas ao fundo do grande terreno no bairro do Campeche, em Florianópolis (SC), um galpão abriga ao menos uma dezena de caminhões que já estão aposentados da Mercedes-Benz. Essa é a coleção do empresário Paulo Antonio Luiz, conhecido como Caçula.
Ali estão algumas preciosidades da história do transporte de cargas no Brasil. Porém, antes de sair contando sobre os caminhões de Caçula, vale explicar como aqueles brutos foram parar ali. O acervo começou a ser constituído há dez anos, com a aquisição de um L-312 semelhante ao que o pai do colecionador usava para trabalhar décadas atrás.
“Meu pai tinha um caminhão Ford que só dava problema. Certa vez, ele reparou o sistema de freios; quando foi sair, o caminhão não parava. Era só desgosto! Um dia, o caminhão estava guardado na garagem, quando o teto caiu e o destruiu completamente. Meu pai juntou as economias, pegou dinheiro emprestado e comprou um Mercedes L-312. Daí em diante, ele dizia que estava no céu”, brinca. O caminhão do pai de Caçula acabou sendo vendido e desmontado.
Mas o L-312 da coleção pode ser considerado uma raridade. Afinal, é um dos 125 exemplares montados entre o fim de setembro e dezembro de 1956, ano em que a Mercedes-Benz inaugurou a fábrica de São Bernardo do Campo (SP), a primeira da empresa fora da Alemanha. Caçula estima que o caminhão vermelho valha cerca de R$ 250 mil. Ele não se importa em comentar o preço, mas é taxativo quanto aos interessados no caminhão vermelho. “Não está à venda.”
O estado de conservação não poderia ser descrito de outra forma senão impecável, após uma restauração cuidadosa que também incluiu instalação de cintos de segurança e troca do estofamento do banco inteiriço. “Meu pai trabalhava com três ajudantes”, conta o dono, referindo-se a um espaço que acomoda, com algum aperto, duas pessoas.
Fora isso, manual do proprietário, mostradores, volante, alavanca de câmbio e os poucos comandos do painel de metal são originais. E tudo funciona perfeitamente, inclusive o motor de seis cilindros em linha. Aqui vale um adendo: o 312 foi o primeiro caminhão a diesel do Brasil. Até meados dos anos 1950, os pesados que rodavam por aqui usavam motores a gasolina.
A Mercedes apostou tanto no “novo” combustível que decidiu até colocar a inscrição Diesel junto à estrela de três pontas na grade frontal na tampa dianteira — tampa essa que deu o apelido ao modelo: Torpedo, pelo formato de projétil.
Ao lado do Torpedo fica o caminhão mais valioso da coleção, um 1113 de 1982. Se você conhece um pouco de veículos comerciais, deve estar se perguntando: o que um caminhão tão popular pode ter de especial? De fato, a família 1111/1113 é a mais bem-sucedida no Brasil, com mais de 240 mil exemplares vendidos entre 1960 e 1980, milhares deles na ativa até hoje.
O caminhão amarelo das fotos se destaca exatamente por ter uma trajetória única. Com 2 mil km no odômetro, o veículo jamais foi usado para trabalho e é totalmente original. Tanto que, com alguma licença poética, ostenta um adesivo “0 km” no enorme parabrisa.
Pintura, interior, tanque de combustível, estepe sem pneu, feixes de molas e até a graxa dos parafusos são exatamente os mesmos que saíram da fábrica 41 anos atrás. “Na época, havia escassez de pneus. Então a fábrica entregava o aro e o dono que se virasse para arrumar o pneu. Era isso ou não receber o caminhão”, conta Caçula, que decidiu manter a originalidade.
Foi no 1113 que Caçula nos levou para um curto passeio. O motor OM352 de seis cilindros e 130 cv trabalha como se tivesse sido montado pela primeira vez há poucas horas. O ruído na cabine é inevitável (e até desejável), mas é possível manter a conversa em tom razoável.
Durante o papo, Caçula revela que esse exemplar está avaliado em R$ 500 mil, mas, assim como o 312, não está à venda. Dá para entender. Ao longo do passeio, foram várias as vezes em que o zeloso proprietário abriu um largo sorriso e seus olhos brilharam enquanto contava a história da família com os caminhões.
Pouco antes de sairmos em direção ao aeroporto, Caçula nos levou a outro galpão, onde guarda sua mais nova aquisição, um Mercedes-Benz 1618 de 1990. Apesar de ser oito anos (e duas gerações) mais novo que o 1113, o pesado tem algo em comum com o colega de garagem: nunca foi usado para a labuta. Na verdade, o caminhão azul jamais recebeu implemento, tem menos de 100 km rodados e ainda conserva os plásticos originais nos bancos e no freio de estacionamento.
Ao todo, o acervo de Caçula tem 13 caminhões Mercedes-Benz, além de dezenas de motos e bicicletas antigas, um Toyota Bandeirante e dois carros da Ford dos anos 1990 praticamente 0 km, um Escort Hobby e um Versailles.
A coleção começou a ser formada uma década atrás, justamente com a aquisição do 312 vermelho. Depois vieram outros dois similares, mas de 1957; o LP-321, de 1960 (o cara chata); o 1111, de 1969; o 708 E, de 1988; além do 1113 e do 1618. Os próximos passos? Caçula conta que está satisfeito com a coleção atual. Mas, para alguém tão apaixonado e com um acervo tão importante, não seria surpreendente se novos integrantes aparecessem em breve.
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Fonte: direitonews