Língua árabe ganha destaque conforme Sul Global amplia espaço na geopolítica (VÍDEO)


O Dia da Língua Árabe é celebrado mundialmente nesta segunda-feira (18). A data tem como intuito divulgar a cultura árabe e o seu idioma, que está entre os dez mais falados no mundo, com 274 milhões de pessoas versadas no dialeto.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas explicam como o ensino da linguagem contribui para o combate à islamofobia, as raízes compartilhadas entre o árabe e a língua portuguesa e a importância de popularizar a cultura árabe em um momento que o Sul Global amplia seu espaço e importância na geopolítica global.
Mansur Peixoto, criador do projeto História Islâmica, afirma que houve um aumento no número de pessoas que buscam informações sobre o que acontece no Oriente Médio em fontes fidedignas, bem como o aprendizado da língua árabe. Segundo ele, o universo árabe tem se tornado cada dia mais importante ao redor do mundo.

“Não por questões somente geopolíticas relacionadas a conflito, como tradicionalmente é repassado, mas também por outras questões. Por exemplo, o futebol agora está começando a migrar em massa para o Oriente Médio, você tem a economia também fazendo valer o BRICS agora, com a introdução de diversos países médio-orientais.”

Ele acrescenta que o Brasil compartilha uma relação profunda com a cultura árabe, e lembra que o país tem a maior comunidade árabe fora do Oriente Médio.
Peixoto argumenta que o aprendizado da língua árabe contribui para o combate à islamofobia, uma vez que serve de ponto de partida para uma imersão cultural que dissipa preconceitos.

Qual a influência árabe na língua portuguesa?

Na língua portuguesa há muitos vocábulos de origem árabe. Segundo Peixoto, isso reflete a conexão histórica entre ambos os idiomas, que data da época em que a península ibérica era povoada por muçulmanos.

“O português é uma língua fortemente carregada pelo árabe na sua formação. Um dos grandes lexicógrafos da história do Brasil, que foi Antonio Houaiss, que era ele mesmo também um brasileiro de origem árabe, de origem sírio-libanesa, faz ali um texto muito interessante, um artigo que tem publicado na página de História Islâmica, em que ele coloca como a língua árabe começou, como a língua árabe fez parte da construção do idioma português”, explica Peixoto.

Ele destaca que a partir do ano de 711 da Era Cristã “os muçulmanos, pelo Califado Omíada, vão anexar a península ibérica, quando Portugal ainda não existia”.
“O Reino de Portugal vai começar sua expansão no século XII sobre um território islamizado e arabizado. Então a formação da língua portuguesa se dá por uma base latina, uma base germânica e uma base árabe. Óbvio que ao longo dos séculos a base latina vai suplantando a base árabe, mas como o Antonio Houaiss bem coloca, o idioma árabe era um texto do idioma português medieval original.”

Quais palavras da língua portuguesa têm origem árabe?

Segundo Peixoto, algumas palavras em português que têm origem árabe, devido a esse intercâmbio cultural, são: alface, que vem de al-khass; açúcar, que vem de al-sukkar; azeite, que vem de az-zait; azeitona, que vem de zaytūnah; e alicerce, que vem al-isās.
Questionado sobre a busca por publicações relativas à cultura árabe no mercado editorial, Peixoto diz que geralmente essa procura (que antes estava ligada a picos de publicação sobre o Oriente Médio e o mundo islâmico) tem se tornado mais constante, embora não haja uma produção nacional robusta, mas sim traduções estrangeiras.

“Isso geralmente acompanha o surgimento de conflitos. Quando o conflito começa, o conflito explode, digamos assim, você entra nas maiores livrarias do país e você já encontra lá, logo na bancada de frente, livros falando sobre aquela situação no Oriente Médio. […] Porém o que eu tenho notado nos últimos anos é que a quantidade de livros que vêm sendo publicados tem sido cada vez maior, de pessoas que buscam, digamos assim, fazer esse intercâmbio do que é produzido, tanto academicamente como para a divulgação acadêmica fora do Brasil, e trazendo aqui para a gente no idioma português, o que tem facilitado a pesquisa e o estudo de muita gente.”

Peixoto aponta que a ascensão do BRICS no cenário global, com a entrada de países de língua árabe, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, e de maioria muçulmana, como o Irã, que é persa, influencia na divulgação da cultura árabe.
Ele acrescenta que assim como o universo do futebol está deixando de ser europeu para ser um universo árabe, a mesma tendência se dará, ao longo dos tempos, com diversas indústrias, como a do cinema e a da música.

Desafios para a inserção da língua árabe na sociedade brasileira

Jemima Alves, doutora em letras pela Universidade de São Paulo (USP) e tradutora do árabe, afirma que a procura pelo aprendizado da língua árabe no Brasil existe, embora grande parte dos interessados sejam “pessoas ligadas à história do Oriente Médio, às relações internacionais e à diplomacia”.

“Mas as [pessoas] que se dedicam mesmo ao aprendizado são aquelas que se identificam com a cultura e têm interesse pela literatura árabe”, explica Jemima.

Ela afirma que a expansão do BRICS, com a entrada de países de língua árabe e cultura islâmica, pode contribuir para a popularização do idioma, mas destaca que, por ser muito complexo, é difícil pensar no aprendizado apenas como uma tendência.
“Pode ser que o interesse desperte, mas é preciso muito empenho de quem não vive no contexto árabe para aprender o idioma.”
Segundo ela, um dos desafios para a popularização da língua árabe no Brasil é o fato de que uma minoria no país se expressa em uma segunda língua.

“As pessoas ainda são movidas a aprender uma segunda língua pela necessidade do mercado, e essa necessidade geralmente não passa pelos idiomas do Sul Global. O oferecimento da língua árabe também é algo ainda muito limitado no país, e, por incrível que pareça, a maior parte da população, por desconhecimento, não consegue ainda encontrar pontes de identificação com as culturas dos povos árabes”, explica Jemima.

A especialista ressalta que o aprendizado da língua árabe é uma importante ferramenta no combate à islamofobia. Ela aponta que “aprender a falar um idioma é experienciar o mundo por outras lentes culturais e se achegar o mais próximo de um povo estrangeiro”.
Bandeiras dos países-membros do BRICS durante a 15ª cúpula do BRICS, em Joanesburgo, na África do Sul - Sputnik Brasil, 1920, 14.09.2023

“Quando se aprende a língua árabe, você compreende, ao contrário do doutrinamento de uma história eurocentrista e uma mídia sensacionalista que temos, quão rica é a cultura dos povos árabes e quão diversos eles podem ser entre si. Esse intercâmbio entre quaisquer culturas é imprescindível para a desconstrução dos estereótipos que nos foram ensinados, e acho que é o mesmo com a islamofobia.”

Ela acrescenta que aprender um idioma é o meio que dá a percepção mais próxima de um outro povo. “Quando aprendemos a língua árabe aprendemos também todas as variações culturais e religiosas que compreendem o ser árabe.”
Assim como Peixoto, Jemima aponta a importância da difusão da literatura traduzida para a aproximação das culturas árabe e brasileira, e afirma que isso pode contribuir para despertar o interesse pelo idioma.
“Há sempre aqueles leitores que, movidos pela beleza das imagens que lhes chegam no seu idioma, têm despertada a curiosidade de saber como aquilo é dito no idioma em que foi escrito. É como se fosse uma necessidade de deixar o narrador dizer na sua língua aquilo que lhe chega.”
Ela cita como exemplo de autor contemporâneo de língua árabe o poeta palestino Mahmoud Darwish.

“No momento, não podemos deixar escapar o que acontece na Palestina, e por isso Mahmoud Darwish, o poeta palestino, tem sido uma das vozes literárias que mais ecoam nesse cenário de desespero. Com muita beleza e lirismo, ele canta os horrores da guerra na Palestina e do exílio, como um esforço hercúleo de tentar nos humanizar novamente. Traduzido e conhecido no mundo todo, Mahmoud Darwish chega ao Brasil por meio de várias obras traduzidas para o português e publicadas pela Editora Tabla. Se couber uma indicação, eu apontaria ‘Memória para o Esquecimento’, traduzido pela Safa Jubran.”

Soldados das Forças de Defesa de Israel (FDI) na área de Hebron, na Cisjordânia - Sputnik Brasil, 1920, 15.12.2023

Fonte: sputniknewsbrasil

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