Os primeiros carros chineses que chegaram ao Brasil foram recebidos com um misto de curiosidade e desconfiança. A maior parte deles decepcionou os consumidores, com exceção dos da JAC. Apesar da modesta qualidade de construção, a marca trazida por Sérgio Habib disparou em vendas em 2011, até ser freada por abrupta alta no Imposto de Importação. Passados 15 anos, a alta de impostos volta a ser sombra para marcas chinesas. Mas o cenário mudou.
De poéticos, Great Wall Motors (GWM) e Build Your Dreams (BYD) só têm os nomes. Os dois grandes grupos da indústria automobilística chinesa compraram as fábricas da Mercedes-Benz (GWM, 2021), em Iracemápolis (SP), e da Ford (BYD, 2023), em Camaçari (BA). Elas se juntam às duas unidades da Caoa Chery, em Anápolis (GO) e Jacareí (SP), a segunda atualmente parada.
Se essa investida já não bastasse para preocupar a indústria local (que o digam os setores têxtil e de calçados), o sinal passou de amarelo a vermelho quando, a partir de meados do ano, o híbrido Haval H6, da GWM, começou a bater o Toyota Corolla Cross em vendas. O elétrico BYD Dolphin chegou às lojas com um conjunto interessante e preço agressivo de R$ 149.800 e, em menos de três meses, decolou em vendas e forçou a queda em cascata dos preços dos concorrentes.
A BYD anunciou investimento de cerca de R$ 3 bilhões para levar a ex-fábrica da Ford à capacidade de produção de até 300 mil híbridos e elétricos ao ano a partir de 2025. Já a GWM começa a produzir em Iracemápolis em maio de 2024, e pode chegar a 100 mil veículos/ano.
“A BYD está no Brasil desde 2015 e estudou nosso mercado. A GWM está voando, montou time afiado, com profissionais de primeira linha. Os chineses vieram para ficar, não só no Brasil, mas na América do Sul. Aqueles carros de baixa qualidade acabaram”, diz Milad Kalume Neto, diretor de desenvolvimento de negócios da Jato Dynamics.
Números divulgados em setembro pela Anfavea, a associação das montadoras, revelam aumento da participação das marcas chinesas na América Latina de 4,6% em 2013 para 21,2% em 2022. No mesmo período, o índice do Brasil caiu de 22,5% para 19,4%. Esse avanço desperta dupla preocupação na indústria nacional, motivada pela crescente confiança no carro chinês convertida em vendas.
“É o fim do preconceito; os chineses estão fazendo carros bem-acabados, equipados, com qualidade e preço competitivo”, destaca Milad.
Cássio Pagliarini, da Bright Consulting, por seu lado, aponta um aspecto em que a presença dos carros chineses ainda precisa ser aprovada: “Estou vendo todo mundo olhar o nível excelente de equipamentos, qualidade, durabilidade e não tenho ouvido críticas de nenhuma espécie aos veículos chineses.
Mas é preciso ter atenção no pós-venda, pois são veículos complexos, que exigem atendimento bem estruturado, com muita tecnologia e estoque de peças suficiente. Se houver um problema, não dá para esperar a peça chegar da China. Então, se tiver essa atenção, é correr para o abraço”.
Milad lembra a previsão de que os carros eletrificados podem ocupar 30% do mercado em 2035. “O momento hoje do Brasil é dos híbridos. Se essa previsão se confirmar, os chineses estarão mordendo boa parte das 600 mil unidades previstas. A indústria brasileira tem de ter receio mesmo”, diz o diretor da Jato.
De 150 mil a 200 mil unidades até o fim de 2025 é a previsão de Pagliarini para a fatia de carros chineses: “Não é algo impossível de acontecer com as empresas somadas. Não deve dar 10% das vendas no Brasil, mas será entre 6% e 7%, depende também da aceitação dos carros. Hoje eles estão trabalhando com modelos bem mais caros sem volume grande de produção. Para alcançar esses volumes, terão de produzir no Brasil veículos mais acessíveis, como Ora, Dolphin e outros modelos”.
FÁBRICAS NO BRASIL
A produção somada das marcas chinesas no Brasil pode chegar a 200 mil unidades por ano até o fim de 2025. A dura batalha de preços, porém, já começou
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Fonte: direitonews