Brasil mira liderança espacial na América Latina após ‘apagão’ orçamentário na última década


Após uma década de ‘apagão’ orçamentário, a expectativa para o ciclo 2022-2031 é de página virada.
É o que revelou à Sputnik Brasil o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Marco Antônio Chamon, que assumiu a entidade em junho deste ano.

Qual é o programa espacial brasileiro?

Os objetivos do plano são ambiciosos: tornar o Brasil líder do setor espacial na América Latina.
O caminho ainda é longo, mas os números deste ano já começam promissores: cerca de R$ 1 bilhão foram destinados à agência, entre recursos do orçamento direto da União e fundos de ciência e tecnologia.
“Esse protagonismo do país está relacionado com a nossa história. Tipicamente, ao longo do tempo, o programa espacial se consolidou com satélites e foguetes, e inclusive já temos artefatos no espaço com tecnologia brasileira. Isso nos levou a uma posição internacional de destaque. A Argentina [que tem a liderança na América do Sul] também é outro país com grande capacidade na área e temos parcerias”, acrescentou.

Quando começou o programa espacial brasileiro?

O ano era 1961 quando o então presidente Jânio Quadros criou o grupo de organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais. Entre os 63 anos que separam a gestação do programa até hoje, é no ramo de satélites que o Brasil vem se destacando.
Para o professor doutor do curso de engenharia aeroespacial e coordenador do programa Nanosatc-BR (nanossatélite brasileiro) na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Eduardo Escobar Bürger, o país tem grande potencial para assumir a liderança no setor espacial latino-americano, principalmente no nicho de satélites e nanossatélites.

“O país já demonstrou essa capacidade com o lançamento do satélite Amazônia-1, o primeiro de observação da Terra projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil, a partir da plataforma PMM [plataforma multi-missão]. Precisamos aproveitar os potenciais crescimentos do setor espacial”, disse à Sputnik Brasil.

Conforme o especialista, as estimativas da Space Foundation, entidade que representa a indústria espacial global, apontam para um crescimento de 41% da área nos próximos cinco anos.
“O Brasil, com seu foco em satélites, tem a oportunidade de assumir uma posição de liderança na América Latina nesse mercado em expansão. Apesar do potencial, o país enfrenta desafios como a necessidade de investimentos coerentes e consistentes por parte do governo, de melhorar a infraestrutura e desenvolver legislações adequadas para o setor espacial”, defendeu.
Bürger inclusive ajudou no desenvolvimento de uma das versões do PNAE, que, segundo ele, tem tradição em apresentar propostas ousadas.
Porém, o grande desafio do programa ainda é a questão orçamentária, a exemplo da queda de 80% dos recursos na comparação entre 2012 e 2021 — passaram de R$ 714 milhões para R$ 97 milhões.
“Historicamente, observamos que uma parcela considerável do programa acaba não sendo realizada, ou sofre atrasos significativos, devido a cortes orçamentários e limitações de financiamento. Isso cria um descompasso entre o planejamento estratégico e a realidade operacional, comprometendo o potencial do Brasil de se firmar como um player de destaque no cenário espacial internacional”.

Quanto o Brasil investe no programa espacial?

Diante desse cenário, uma das principais mudanças trazidas pelo novo programa de atividades espaciais é a atuação a partir de diferentes cenários: orçamentos para o período que vão desde R$ 1,2 bilhão a R$ 13,2 bilhões. O presidente da AEB, Marco Chamon, adianta que o plano que será executado até 2031 conta com dois grandes projetos que envolvem parceiros internacionais: China e Argentina.
Com os chineses, está em desenvolvimento o satélite Cbers-6: a metade brasileira do equipamento é feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos.
Ao todo, serão investidos US$ 100 milhões (R$ 490 milhões) no projeto e a expectativa é que seja lançado em 2028.
O equipamento vai usar um radar no lugar de câmeras, o que permitirá imagens da Amazônia mesmo em períodos de céu coberto por nuvens.

O projeto ainda deve ajudar no monitoramento de rios e da costa brasileira, com a identificação, por exemplo, de manchas de óleo. A parceria espacial com a China já tem 35 anos de duração e só em satélites já teve recursos de quase R$ 1,5 bilhão no período. Dois ainda seguem em operação no espaço: o Cbers-4 e o Cbers-4A, que estão a mais de 630 km da Terra.

Como o Brasil se posiciona na exploração espacial?

Já com o país vizinho, a parceria envolve a viabilização do Satélite Argentino-Brasileiro de Informações Ambientais (SABIA-Mar), cujo lançamento está previsto para 2026. O objetivo da tecnologia é realizar o sensoriamento remoto de superfícies aquáticas, com a radiometria da cor do oceano — isso ajuda a entender os efeitos das mudanças climáticas no ecossistema do mar.
“O programa espacial tem a sua atuação voltada para beneficiar a sociedade em várias áreas, como comunicação, sistemas de navegação por satélite, monitoramento meteorológico, meio ambiente e mudanças climáticas. Fazemos o monitoramento do desmatamento das florestas usando imagens de satélite, atuamos na defesa e nos transportes”, acrescenta Chamon.
Segundo ele, grande parte dos recursos da entidade é voltado para a aplicação industrial principalmente na cadeia de produção de satélites, o que garante avanço tecnológico e geração de renda.
Outro parceiro crucial para o desenvolvimento do programa espacial é a Rússia. Em abril, durante o 38º Simpósio Espacial nos Estados Unidos, o coordenador de satélites e aplicações da AEB, Rodrigo Leonardi, lembrou que o país espera o amadurecimento das relações com os russos na área de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
“É um quadro no qual estamos agora a colocar os nossos esforços para compartilhar experiência e informação e que pode evoluir no futuro para termos uma cooperação mais madura juntos. É uma área que temos de explorar”, afirmou à época.

Satélites brasileiros em 2023 e os riscos de desinvestimento

Desaceleração da pesquisa, perda de talentos para o exterior, impactos na competitividade e até dependência de tecnologia estrangeira. O professor da UFSM alerta que essas são algumas das consequências da queda de recursos para o setor espacial acumulada nos últimos dez anos e que, caso voltem a acontecer, podem atrapalhar e muito o projeto brasileiro de liderança na América Latina.
“Com essa redução de recursos, há uma inevitável desaceleração na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias. Isso acaba atrasando ou até inviabilizando projetos inovadores”, frisou Bürger.
Como exemplo, o especialista citou os programas para desenvolvimento em nanossatélites (equipamentos com massa menor que 10 kg), que são tendência global por atenderem de forma mais rápida às necessidades do mercado e da pesquisa científica, além de serem mais baratos.
Mesmo com diversos cursos de engenharia aeroespacial no país, o número dos chamados ‘nanosats brasileiros’ lançados é ínfimo em comparação com o potencial, aponta o especialista à Sputnik.
“Pelo volume de cursos de aeroespacial que temos no país, era para estarmos lançando vários nanosats por ano, gerando recursos humanos qualificados (e já com experiência em sistemas reais), tecnologias inovadoras que são testadas no espaço por esses satélites miniaturizados e também ciência, a partir de estudos realizados com sensores embarcados. Porém, o que vemos é uma síndrome do primeiro nanosat”, criticou.

Por que o Brasil não lança foguetes?

Reconhecida internacionalmente por ter uma das melhores localizações geográficas do planeta, o Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, já foi alvo de diversas promessas para melhor aproveitamento do seu potencial — desde 1983, foram realizados 500 lançamentos. Neste ano, a base brasileira trouxe um novo capítulo para o programa especial: inaugurou a primeira parceria de lançamento experimental com uma empresa privada de outro país.
O foguete sul-coreano HANBIT-TLV levou a bordo carga útil desenvolvida 100% no país em um voo que durou pouco mais de 4 minutos e 30 segundos. Para o presidente da Agência Espacial Brasileira, o sucesso do lançamento mostra que o centro está totalmente apto para projetos nacionais e estrangeiros em qualquer época do ano. Desde a abertura da estrutura para empresas fora do país, segundo Bürger, já foram concedidas só neste ano 12 licenças para lançamentos.
“Desde que o programa foi lançado, sempre houve o objetivo de lançar foguetes brasileiros e seguimos buscando autonomia na área espacial, que é cada vez maior para a nossa capacidade de construir e usar satélites. Recentemente, a Força Aérea Brasileira abriu o uso para empresas estrangeiras [o que ajuda na cooperação com o Brasil para a área]”, finalizou.

Fonte: sputniknewsbrasil

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