Via @portalmigalhas | Em 14 de novembro, o governo Federal, por meio do MTE – Ministério do Trabalho e Emprego, emitiu a portaria 3.665/23, em substituição à portaria 671/21, para estabelecer que setores do comércio e dos serviços só poderiam operar em feriados mediante autorização em convenções coletivas.
No entanto, diante da forte reação e críticas do setor empresarial, o ministro do MTE, Luiz Marinho, afirmou que o governo irá revogar a portaria e publicará, nos próximos dias, uma nova portaria com o mesmo conteúdo, mas com vigência a partir de março de 2024.
O advogado Antonio Galvão Peres, do sócio do escritório Robortella e Peres Advogados e professor de Direito do Trabalho, ressaltou que a portaria 671/21, em vigor nos últimos anos, equiparava domingos e feriados, concedendo autorização permanente em ambas as datas. Entretanto, a lei 10.101/00 traz sentido diverso: permite o trabalho aos domingos no comércio, mas, nos feriados, apenas se “autorizado em convenção coletiva de trabalho”.
“Havia, portanto, uma aparente contradição entre a portaria e a lei Federal, mas, a rigor, a CLT também permite ao ministro do Trabalho conceder novas autorizações para trabalho permanente aos domingos e feriados em qualquer atividade (arts. 68 e 70), como havia feito o ministro anterior na portaria 671/21.”
Segundo o especialista, a questão é polêmica: “Se houve excesso de regulamentação diante de lei específica ou se essa previsão específica não afasta a atribuição ampla delegada pela CLT ao ministro do Trabalho”, pontua.
Apesar disso, o advogado ressalta que a maior surpresa não reside na questão jurídica apresentada pela nova portaria, mas na alteração repentina de algo que estava consolidado, “dando aos sindicatos uma vantagem importante na negociação com as entidades patronais”.
O mesmo sentimento de surpresa é destacado pelo sócio da área trabalhista do escritório L.O. Baptista Advogados, Fábio Chong de Lima. Segundo o especialista, a nova portaria, além de ferir a legislação Federal, possui um impacto enorme na sociedade que, em sua opinião, não foi, claramente, dimensionado pelo governo.
“Ironicamente, parece ter pego de surpresa o próprio ministro do Trabalho, que tentou minimizar os reflexos da alteração da regra e transferir a responsabilidade para as centrais sindicais.”
De acordo com Lima, o argumento do governo de que não haveria maiores prejuízos devido à cobertura da maioria dos estabelecimentos por convenções e acordos coletivos não se sustenta.
“Se isso fosse verdade, não haveria necessidade de uma portaria do Ministério do Trabalho. E o que dizer das localidades onde não há acordos e convenções coletivas?”
Além disso, o advogado da L.O. Baptista ressaltou que convenções e acordos coletivos têm prazo de validade e precisam ser renegociados a cada um ou dois anos.
“Ou seja, a norma coletiva que hoje respalda a abertura de determinado estabelecimento comercial não terá o mesmo efeito no futuro, exigindo novas negociações.”
Outra crítica de Lima é quanto aos ajustes com os sindicatos para abertura do comércio em feriados.
“Se o sindicato simplesmente se recusar a negociar, o estabelecimento comercial não poderá funcionar. Ou, mesmo que o sindicato concorde em negociar, o que será exigido, em contrapartida? Exigir norma coletiva é conceder ao sindicato a prerrogativa de definir o funcionamento do comércio aos domingos em determinada localidade, uma competência que claramente não lhe cabe.”
Em busca do equilíbrio
Segundo Lima, o mais apropriado seria não interferir na legislação que, em sua opinião, está funcionando. No entanto, uma vez que o governo decidiu intervir na relação empregado-empregador, deveria ter consultado as partes envolvidas antes de promulgar qualquer norma. “Pelo que se sabe, nem empregados e tampouco empregadores foram ouvidos”, afirma.
Segundo ele, a tão mencionada “segurança jurídica” precisa de fato prevalecer, sob o risco do mercado se tornar cada vez menos atraente para empresas e investidores.
“Não se trata de adotar um discurso ‘pró-empresariado’, mas é preciso ter em mente que são as empresas e os investidores que geram emprego e riqueza em nossa sociedade.”
Já Peres acredita que a lei 10.101/00, por ter sido alterada diversas vezes, não possui redação satisfatória; são remendos feitos ao longo do tempo.
“Aliás, a própria inclusão do tema (trabalho aos domingos e feriados no comércio) em uma lei destinada a regular a participação nos lucros e resultados por si só já afronta a LC 95/98, que disciplina a técnica legislativa e veda os conhecidos ‘jabutis’ (art. 7º, I).”
Para Peres, o art. 6º-A, ao referir-se à negociação coletiva, é, rigorosamente, desnecessário à luz dos art. 611-A e 611-B da CLT, bem como diante do tema 1.046 de repercussão geral do STF.
“Ela estimula uma interpretação restritiva de que a autorização somente poderia decorrer de ‘convenção coletiva’, afastando as hipóteses de ‘acordo coletivo’.”
Dessa forma, Peres entende que a melhor opção seria suprimir esse preceito e manter a autorização permanente em portaria ou alterá-lo para permitir que a autorização advenha de negociação coletiva ou de ato do poder executivo.
“Melhor ainda seria eliminar esse ‘jabuti’ e tratar do tema em lei específica”, finaliza.