Brasil e o desafio da descarbonização: como o país mira no futuro se ainda aposta em termelétricas?


Pensado como uma proposta da agenda verde, o Projeto de Lei (PL) nº 11.247/2018, aprovado na Câmara no último dia 29, recebeu inúmeras emendas que não tinham a ver com o tema principal. Uma das mais polêmicas, apresentada pelo relator, o deputado Zé Vitor (PL-MG), foi a que trata da obrigatoriedade de contratação de usinas térmicas a carvão, combustível altamente poluente.
O texto prevê uma prorrogação da operação das termelétricas até 2050, com a energia sendo contratada pela Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar). Segundo estimativas da Abrace Energia, associação que representa os grandes consumidores de energia do país, as usinas a carvão devem adicionar cerca de R$ 5 bilhões à conta de luz anualmente por duas décadas.
Em meio à agenda de descarbonização brasileira, a proposta causou estranheza. Ao defendê-la, no entanto, o relator argumentou que as termelétricas a carvão mineral teriam um papel relevante a desempenhar em termos de segurança do abastecimento durante o período de transição energética, ao mesmo tempo, dando uma “contribuição social importante ao impedir a destruição da economia das regiões carboníferas”.
À Sputnik Brasil, Antonio Lucena, cientista político e professor de relações internacionais da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), discutiu aspectos críticos do atual cenário energético do país.
Lucena destacou a posição de destaque do Brasil na matriz energética, predominantemente renovável, graças às hidrelétricas. No entanto, ressaltou que ainda há avanços necessários, especialmente no que diz respeito às termelétricas, construídas durante o governo Fernando Henrique Cardoso como resposta ao apagão da época.
“Então, as termelétricas seriam utilizadas como elemento complementar às hidrelétricas quando o sistema ficasse sobrecarregado. O problema é que as termelétricas consomem gás natural e isso acaba gerando um problema ambiental, porque mesmo […] sendo menos poluente do que as de carvão mineral, […] o ideal é que houvesse investimento em outros setores”, pontua o especialista.
Questionado sobre os cruzamentos entre o propósito de liderar a descarbonização que o Brasil visa, frente à renovação de investimentos em termelétricas, Diogo Lisbona, pesquisador na área de economia da energia do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (CERI) da Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca a necessidade de uma avaliação criteriosa diante das mudanças na matriz energética do Brasil.

“Essas medidas contrastam primeiro com a matriz que temos, uma matriz renovável. Depois, com a perspectiva de expansão das fontes renováveis, [que] é muito favorável em termos de dotação de recursos renováveis no Brasil”, afirma o pesquisador.

Lisbona destaca a importância das fontes renováveis, como a eólica, a solar e a térmica, explicando que são as mais competitivas e que estão impulsionando a expansão da matriz. Ele ainda faz um alerta em relação às fontes de combustíveis fósseis.
“O que foi colocado agora dentro do PL [nº 11.247/2018] foram novas adições: primeiro, prorrogar térmicas a carvão para depois o preço das térmicas […] da Eletrobras ser revisto. Por consequência, ampliar um pouco o custo dessa geração termelétrica para além dos impactos para o meio ambiente. Essas medidas contrastam primeiro com a matriz que a gente tem, que é uma matriz renovável. Depois, com a perspectiva de expansão dessas fontes renováveis para o Brasil, que tem uma posição em termos de dotação de recursos renováveis muito favorável. E essas fontes são a fronteira da expansão que está acontecendo e, também, em termos de custo. São as fontes mais competitivas [a eólica, a terra e a solar]. São fontes que a contratação […] está acelerada e […] expandindo a matriz”, explica.
“Há sempre certo sinal de alerta dentro dessas tentativas de determinar que fontes de combustíveis fósseis sejam contratadas, a respeito da consideração de competitividade dessas fontes”, alerta Lisbona.
O pesquisador aborda a questão dos contratos de térmicas a carvão no Brasil, levantando a preocupação sobre o término desses contratos — em 2028 — e a necessidade de renovação para garantir a segurança no abastecimento de energia. Ele destaca que, embora o sistema esteja diversificado e renovado, é importante avaliar a necessidade de manter parte desse parque termelétrico, mas questiona o prazo de prorrogação.

“Essa renovação [do investimento em termelétricas] foi realizada por um período longo. Talvez possamos [aqui no Brasil] fazer contratos anuais […]. Esses quase 27 anos de renovação no investimento nesse tipo de energia é algo que chama atenção, e não é no bom sentido”, frisa.

Energia solar e eólica

O analista Antonio Lucena apontou para o Nordeste, onde as energias eólica e solar têm crescido, como exemplo a ser seguido. “Investir em energias renováveis é fundamental para atingir metas de sustentabilidade“, enfatizou, ressaltando que o Brasil possui potencial muito significativo nesse setor.
Quanto à crítica sobre o foco no setor termelétrico, Lucena argumentou a favor das hidrelétricas, apesar dos impactos ambientais associados. Ele apontou a importância de um investimento mais amplo nas fontes renováveis, destacando que o sistema elétrico brasileiro é integrado, exceto por Roraima, que não está conectada à rede nacional.

“O ideal para atingir essas metas de sustentabilidade é que o Brasil investisse ainda mais em energia eólica, como acontece aqui no caso do Nordeste, assim como em painéis […]. Em alguns pontos do território brasileiro nós temos uma incidência de sol maior do que a própria Arábia Saudita [exemplo de energia solar]”, cravou.

Lisbona alerta ainda, caso a proposta avance e seja sancionada, sobre o risco no aumento do repasse nos custos para as contas dos brasileiros.
“As térmicas, se saírem do papel, vão ser muito caras. E vão ter que ser acionadas por muito tempo. Elas vão ficar em locais onde não há infraestrutura de gás ainda. Então, qual é o risco disso? É encarecer a tarifa, perpetuar subsídios e perpetuar a emissão de carvão. O Brasil ainda não tentou não construir o seu mercado de carbono. Então a gente não internalizou esse custo de emitir no país sem que a emissão tenha um preço”, critica.
“O Brasil precisa diversificar ainda mais as suas fontes para que não fique muito centrado em termelétricas”, finaliza Lucena.

Fonte: sputniknewsbrasil

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