Analistas: Brasil é um dos países que menos acessam recursos do banco do BRICS por ‘desconhecimento’


Em 2020, por exemplo, foi o único país-membro que recusou a cota de US$ 1 bilhão (R$ 5,02 bilhões) para enfrentamento da pandemia de COVID-19. De acordo com dados do último relatório anual disponibilizado na página do NBD, até dezembro de 2021 o Brasil acessou pouco mais de US$ 4,9 bilhões (R$ 24,5 bilhões) em financiamentos de projetos, índice um pouco maior que o da Rússia, que alcançou US$ 4,5 bilhões (R$ 22,5 bilhões). O valor é inferior ao de países como África do Sul (US$ 5,2 bilhões, ou R$ 26 bilhões), Índia (US$ 7 bilhões, ou R$ 35,1 bilhões) e China (US$ 7,4 bilhões, ou R$ 37,1 bilhões).
O país já teve aprovados quase 30 projetos no banco, que desde agosto é dirigido pela ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff. O último listado dizia respeito à mobilidade urbana do município de Serra (ES), com a liberação de US$ 57,6 milhões (R$ 288,9 milhões) em julho. Enquanto isso, o país segue com demandas urgentes que poderiam ser parcialmente atendidas com recursos do banco. Como exemplo, números da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto apontam que o Brasil vai precisar investir R$ 893 bilhões para universalizar o saneamento básico.
A professora de economia do Insper Juliana Inhasz disse à Sputnik Brasil que desde 2018 já havia críticas à pouca utilização do país dos recursos disponibilizados pelo NBD.
“Durante um bom tempo tivemos baixa taxa de juros, […] talvez não [fazendo] […] sentido gerar financiamentos no exterior. Agora as taxas estão altas e tem toda uma questão de incertezas. E, muito além disso, todo esse questionamento de como acessar esses valores”, enfatiza.
Ainda em 2018, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer, o Brasil chegou a assinar um acordo para a instalação do Escritório Regional para as Américas, em São Paulo, que, passados quase cinco anos, sequer foi finalizado. Durante o governo Jair Bolsonaro, um decreto chegou a ser publicado para promulgar o ato, mas sem definição de prazos.

“Ainda não temos esse escritório. Isso também pode ser um grande entrave, aliado ao desconhecimento e à baixa busca por esses recursos [por empresas, governos estaduais e municipais e pela própria União]”, acrescenta a especialista, que vê uma probabilidade de a presidência de Dilma no banco acelerar o processo de instalação. “Também falta um pouco de conhecimento sobre quais projetos podem ser de fato financiados pelo banco”, diz.

Plano estratégico prioriza sustentabilidade

Desde 2022 o plano estratégico de atuação do banco do BRICS prioriza projetos sustentáveis, com foco em energia limpa, redução das emissões de carbono, proteção ambiental e infraestrutura social. Entre os projetos de destaque do portfólio do banco, nenhum é brasileiro: todas são propostas de energia limpa e de infraestrutura de transporte e saneamento, na China ou na Índia. Luana Paris, analista de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre o BRICS (GEBRICS) da Universidade de São Paulo (USP), lembrou, em entrevista à Sputnik Brasil, que há uma série de critérios para que o projeto seja aprovado.

“Precisam se enquadrar nessa pegada de maior sustentabilidade, inclusive na própria execução, para conseguir os recursos. Talvez os outros países estejam mais preparados, tenham projetos que se enquadrem melhor nesses escopos e acabem com maior índice de aprovação que o Brasil. […] É necessário se adequar a esse novo objetivo para conseguir angariar recursos”, explica.

Na última conferência do NBD, o vice-presidente e diretor de risco da instituição, Anil Kishora, pontuou que até 2026 o financiamento climático vai representar 40% da carteira do banco. “Estamos empenhados em apoiar uma transição bem-sucedida e urgente dos seus países-membros para um futuro de baixo carbono e resiliente ao clima”, afirmou à época, com priorização de financiamento para o setor privado.

Apoio à retomada econômica

Questionada sobre como os recursos do banco do BRICS podem ajudar na retomada econômica do Brasil, a analista de relações internacionais da PUC Minas disse que “é improvável que só com projetos financiados pelo NBD se consiga pensar em uma situação nesse sentido”. Porém Luana Paris defende que a longo prazo esses recursos podem trazer resultados consideráveis. “É como se fosse de grão em grão. De projeto em projeto, que vai ter uma grande repercussão local, você pode ir gerando impactos que, no final de alguns anos, serão positivos”, enfatiza.

Já a professora de economia do Insper, Juliana Inhasz, defende que o país se utilize da própria estratégia da instituição, que é a sustentabilidade como projeto central, para o país alavancar sua economia. “Seria interessante que esse recurso fosse usado para financiar uma infraestrutura com energia limpa, melhor do que a que temos hoje, e auxiliasse em uma reindustrialização no país inteligente e estratégica”, conclui.

Nesta semana, inclusive, o banco aprovou um empréstimo de US$ 1 bilhão (R$ 5,02 bilhões) ao governo brasileiro durante reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Marrakech, no Marrocos. O contrato foi celebrado entre a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O pagamento será feito ao longo de 30 anos, com juros anuais de 1,64%, e a destinação dos valores ainda será definida pela pasta.

Concorrência com Índia e China

Apesar de os dois países terem cotas iguais de financiamento no NBD, o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) Livio Ribeiro argumenta que o peso político de China e Índia é maior.

“Ter cotas iguais, de fato, não é o mesmo que ter uma equidade de seleção. O voto [dos membros] pode ter o mesmo peso, mas a política por trás de cada um é bastante diferente. E é nisso que China e Índia se destacam”, relata.

Além disso, o pesquisador, que é sócio da BRCG Consultoria, vê que o mercado brasileiro conta com a atuação de instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que canaliza importantes investimentos no país.
“E tem ainda a questão de que o Brasil, de todos os demais [Rússia, China, Índia], com exceção da África do Sul, seja o país que invista menos no banco. Então faz sentido que acesse menos fundos destinados a fomento de investimentos”, acredita, ressaltando ainda que nos últimos anos o país também viu a entrada intensa de capital chinês para financiar obras de infraestrutura e indústrias.
Só que no ano passado os investimentos chineses no Brasil foram menores do que na Argentina, que, em 2024, também fará parte do BRICS: US$ 1,3 bilhão (R$ 6,5 bilhões), principalmente em tecnologia e transição energética, contra US$ 1,34 bilhão (R$ 6,7 bilhões) dos argentinos.

Crescimento que atrai

País que já ultrapassa a China em termos de crescimento anual da economia, com taxas acima de 6%, a Índia tem chamado a atenção do mundo. Em agosto, um grupo de 30 industriais brasileiros foi até a África do Sul, durante conferência de empresários dos países que fazem parte do BRICS, para buscar investimentos dos demais membros. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, chegou a defender uma maior aproximação brasileira com a Índia, dado seu desenvolvimento vigoroso. “Certamente, com esse novo nível de crescimento econômico, deverão surgir muitas oportunidades”, disse à época.
O professor da FGV concorda com a necessidade de intensificar as relações entre os dois países. “[…] a Índia vai despontando pela sua pujança econômica, pelo seu desempenho recente e esperado para o futuro próximo como um ator cada vez mais importante, com o qual o Brasil ainda não tem tanta ligação quanto poderia ter”.
Já com relação à entrada dos seis novos membros do BRICS no ano que vem — além da Argentina, passam a compor o grupo Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Irã e Egito —, o especialista afirmou à Sputnik Brasil que a expansão pode ajudar a fortalecer a posição brasileira na geopolítica.

“As oportunidades de fato estão no fortalecimento da posição brasileira como um player global, não comercial, mas um ator relevante na seara geopolítica, na arena política global. E [há] outros pontos também relevantes, como o Brasil estar hoje na presidência da cadeira rotativa do Conselho de Segurança [da ONU]”, finaliza.

Fonte: sputniknewsbrasil

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