Argentina e lítio: pode o ‘ouro branco’ ser a salvação da economia do país?


Só em maio deste ano, a Argentina exportou um valor de US$ 60 milhões em lítio (R$ 303 milhões), representando cerca de 19% de todos os minérios exportados pelo país. O metal desempenha um grande papel na transição energética, reduzindo a dependência em combustíveis fósseis.
Para Alexandre Pires, professor de economia e relações internacionais do IBMEC SP, o lítio é um metal fundamental nesse processo, mas não é tão essencial.
“O lítio estaria ali naquele grupo de metais que são importantes, como cobalto e manganês, mas outros têm desempenhado um papel mais importante com relação ao futuro dessa tecnologia“, afirmou em entrevista à Sputnik Brasil.
No entanto, um único minério “não é capaz de alavancar uma economia“, apontou Pires. “Mas você tem um desenvolvimento de uma região, cria um outro polo econômico que sai do eixo da carne, do eixo da exportação, do eixo do turismo. Isso é importante, especialmente para a região do Jujuy [província argentina] e outras”, afirmou.

“Para um país que está procurando alternativas para conseguir dólares, se esse metal permitir a aquisição dessa moeda via exportação, a iminente crise do balanço de pagamentos da Argentina fica mais distante e isso dá ao país tempo de rearranjar suas contas públicas”, disse o economista.

Outra forma que os legisladores argentinos querem se aproveitar do lítio para tentar salvar a turbulenta economia do país é taxando a produção do lítio, fazendo com que os produtores destinem uma porção de suas produções para desenvolvimento de tecnologias de baterias nacionais. A ideia dos legisladores é evitar que o país continue com a “maldição dos recursos” da região, ou seja, ser uma nação exportadora de commodities e não de produtos de alto valor agregado.
Da esquerda para a direita: presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Xi Jinping (China), e Cyril Ramaphosa (África do Sul); o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi; e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, durante cúpula do BRICS na África do Sul. Joanesburgo, 23 de agosto de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 29.09.2023

No entanto, o cenário político da Argentina pode dificultar esse proveito, apontou Jefferson Nascimento, cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro do Observatório Político Sul-Americano e do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina.

“Pela Constituição argentina, as reservas de lítio são controladas pelas províncias e não pelo governo federal. Para mudar isso, demandaria um acordo político muito grande, o que não parece ser a iniciativa do governo deste momento e tampouco será uma iniciativa depois das eleições, não importa qual dos favoritos seja eleito”, explicou Nascimento também em declarações à Sputnik Brasil.

Por conta disso, o acadêmico destaca que uma nacionalização da exploração do lítio, assim como feita por Gabriel Boric, presidente do Chile, dificilmente acontecerá na Argentina. A opinião é compartilhada por Alexandre Pires, que não vê no aspecto econômico uma força maior do que a política.

“Com relação à exploração em si, parece que ela vai continuar no curso que está, muito em resposta a uma demanda crescente, que vem sinalizando que o investimento nessa área daria os retornos necessários. Ou seja, é uma questão que, pelo menos no momento atual, não está politizada, mas pode ser que, num momento subsequente, o lítio venha a ser politizado”, disse Pires.

Ambos os especialistas salientam que hoje já existem iniciativas conjuntas entre os governos federais, regionais e empresas privadas para a exploração dos depósitos de lítio em Jujuy, Catamarca e Salta, províncias onde estão as maiores reservas argentinas.

“Se a gente analisar quais são as corporações que estão investindo mais pesado na produção dessas energias renováveis, são ainda quase que as mesmas corporações que investem na produção de combustíveis fósseis, ou seja, são empresas que vão continuar lucrando muito com a industrialização desses minerais, muitas delas transnacionais”, ressaltou Nascimento.

Eleições presidenciais podem afetar o futuro do lítio

Com o favoritismo de Javier Milei e Patricia Bullrich para vencerem no segundo turno das eleições, é provável que a participação do governo federal no setor se encerre, afirmou Jefferson Nascimento. Isso porque ambos têm como propostas de campanha políticas econômicas de cunho ultraliberal.
“Tanto Milei quanto a Patrícia Bullrich têm perspectivas liberais e têm uma proposta de privatização de empresas públicas e redução do Estado na economia. Então, é provável que essas iniciativas de investimento em pesquisa e produção do lítio em território argentino percam força por conta dessas mudanças na política nacional.”
Milei, por exemplo, fala em encerrar o CONICET, Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas, agência de pesquisa que vem investindo na produção e na industrialização do lítio em conjunto com a YPF, petroleira estatal argentina.
“Para realmente pensar como isso vai avançar vai depender muito do que vai acontecer nas eleições e ver qual o nível que a crise econômica vai ganhar nos próximos anos. O cenário é de incerteza e precisamos acompanhar e ver o que vai acontecer”, conclui Nascimento.
Javier Milei deve abrandar caráter antissistêmico se for eleito - Sputnik Brasil, 1920, 22.09.2023

Fonte: sputniknewsbrasil

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