Via @metropoles | Após entrar na mira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o juiz Robinson José de Albuquerque Lima, da Justiça de Pernambuco, revogou a própria liminar que beneficiava o esquema “limpa-nome”, que já ocultou mais de R$ 20 bilhões em dívidas nas bases de consultas de protestos em todo o país, como o Serasa, por meio de decisões judiciais sigilosas.
O magistrado é um dos investigados pelo CNJ após reportagem do Metrópoles que revelou, há dez dias, dezenas de decisões liminares a favor de associações que vendem a retirada do nome de empresas e pessoas endividadas dos mecanismos de pesquisa.
Nessa quinta-feira (14/9), o juiz Albuquerque Lima afirmou, nos autos de uma decisão concedida à Associação Brasileira de Defesa do Empresário e Consumidor, que chegou ao seu “conhecimento informal” que a demanda judicial “ostenta potencial efeito validador de eventuais atos fraudulentos praticados por terceiros supostamente interessados nos efeitos práticos e econômicos decorrentes da baixa da negativação”.
O magistrado menciona ainda pessoas que têm se mudado de endereço constantemente para driblar notificações de cartórios de protestos de dívidas e de empresas que têm aberto mais de um CNPJ para esconder apontamentos de inadimplência no Serasa e obter linhas de crédito.
“Postas estas razões, firmado no princípio geral de cautela, soa imperativo neste estágio do processo revogar a decisão que deferiu a tutela da urgência, bem como as respectivas extensões deste processo que lhe seguiram, para todos os jurídicos e legais efeitos”, decidiu o juiz que havia dado a liminar.
O juiz e a associação
Titular da 7ª Vara Cível de Recife, Albuquerque Lima concedeu diversas liminares à Associação Brasileira de Defesa do Empresário e Consumidor, entidade que reúne empresários que vendem o esquema “limpa-nome”. A associação obteve dele decisões sigilosas que determinam ao Serasa e ao Instituto de Protestos de São Paulo a retirada dos nomes dos inadimplentes de suas bases de endividados.
As decisões não anulam as dívidas e nem derrubam os protestos dos cartórios, mas fazem os nomes dos endividados desaparecerem desses mecanismos de pesquisa usados diariamente pelo mercado de crédito. Nos autos, esses devedores aparecem como associados das entidades que movem os processos. Na prática, eles são clientes de empresas que cobram até R$ 1,5 mil para ocultarem as dívidas.
Escolha do juiz
No caso analisado pelo magistrado, a associação moveu mais de uma dezena de processos idênticos e desistiu de todos, exceto daquele que caiu com o juiz Albuquerque Lima. Esta é uma fórmula comum usada para tentar “escolher” o juiz que vai julgar a causa, driblando o sistema de sorteios do Judiciário.
Em uma estratégia agressiva para escolher um juiz, essas entidades movem ações na Paraíba, Piauí e Pernambuco. Parte das ações é impetrada em varas do interior, com apenas uma comarca. Nas capitais, movem mais de dez vezes o mesmo pedido e desistem daqueles que não caem com o magistrado que concede a liminar.
Juízes têm dado liminares que beneficiam, de uma só vez, milhares de pessoas e empresas anexadas como filiadas pelas associações que movem os processos. Uma dessas associações tem como endereço o mesmo local onde funciona uma empresa que vende o serviço limpa-nome.
Investigação
Decisões de Albuquerque Lima têm trechos idênticos e, como mostrou o Metrópoles, as suas liminares também são copiadas por outro magistrado no interior de Pernambuco. O corregedor do CNJ, ministro Luis Felipe Salomão, pediu explicações a ambos os magistrados e a três Tribunais de Justiça sobre essas decisões.
O ministro afirmou que os fatos veiculados autorizam atuação da Corregedoria do CNJ “ante a sua aparente gravidade”.
Segundo Salomão, as reportagens “revelam, além de possível orquestramento de litigância massiva contendo demandas artificiais, também circunstância de potencial manipulação da distribuição de processos visando a ocultação de dívidas em prol de beneficiários específicos, e por empresas supostamente desprovidas de regularidade”.
Após a publicação da reportagem, no dia 5 de setembro, o juiz Albuquerque Lima afirmou ao Metrópoles que não pode comentar processos em curso. “Ao longo de 29 anos de magistratura, sempre procurei conduzir-me dentro dos mais rigorosos princípios legais e, portanto, estou vetado de emitir quaisquer opiniões, interpretações e ou entendimentos fora dos autos, acerca de temas discutidos em ações judiciais em geral, antes, em curso, ou após a respectiva propositura, demandas essas que quase sempre se encontram sob a apreciação do juízo ad quem, instância revisora por excelência”.
Luiz Vassallo
Fonte @metropoles