Se você conhece bem o estado de São Paulo já deve ter ouvido falar de cidades como Birigui, Presidente Epitácio, Registro, São José do Rio Pardo, Batatais, Praia Grande, Salto, Mairiporã, Ibiúna, Ubatuba, Jaguariúna… Mas e da Cidade Volkswagen, já ouviu falar?
“Cidade Volkswagen” era o outro nome pelo qual a fábrica Anchieta, em São Bernardo do Campo, era conhecida nos anos 1980. Essa denominação não era à toa: a unidade tinha mais “habitantes” do que as cidades citadas no parágrafo anterior, além de muitas e muitas outras.
Com 35.155 pessoas, ocupava em 1978 o posto equivalente ao da 95ª maior cidade do estado de São Paulo, à frente de nada menos que 475 municípios.
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Com tanta gente em um território extremamente vasto — mais de 1,3 milhão de m² e 831 mil m² de área construída —, o sistema para que tudo que orbitava ao redor da produção diária de mais de 2 mil carros funcionasse perfeitamente exigia uma estrutura digna de uma cidade de verdade.
Os números da fábrica, apresentados em uma edição especial da revista Família VW (publicação interna), são efetivamente descomunais. Para ter uma ideia, existia um departamento chamado Zeladoria, que funcionava como uma espécie de prefeitura. Só ali eram 400 empregados para cuidar exclusivamente da limpeza em geral e da manutenção das áreas verdes espalhadas por 18 alas.
A função de 222 pessoas era varrer os 11 quilômetros de ruas internas, enquanto outros 19 funcionários limpavam, todos os dias, 114 mil m² de vidros, janelas, portas e divisórias. Havia ainda 30 jardineiros contratados pela VW para cuidar de 2 mil vasos de plantas que enfeitavam os escritórios e de 250 mil m² de gramados e canteiros de flores.
Existia ainda dentro da Anchieta o Sitran, sigla para Serviço Interno de Trânsito. Essa turma não só cuidava do trânsito de ônibus fretados que entravam e saíam da fábrica nos vários turnos de produção (cerca de 300 ônibus por vez, uma verdadeira “hora do rush”) como mantinha a estrutura de semáforos, faixas de pedestre e sinalização viária.
O Sitran tinha 178 guardas — que podiam, inclusive, multar quem não respeitasse as regras. Havia também uma linha de ônibus circular dentro da fábrica que fazia 46 viagens diárias transportando aproximadamente 1,2 mil pessoas.
Um capítulo realmente saboroso era o da alimentação (desculpe, não pude evitar): 640 pessoas trabalhavam em um departamento dedicado exclusivamente a preparar 33,5 mil refeições por dia. Cerca de 125 cozinheiros utilizavam 4,2 toneladas de arroz, 1,5 t de feijão, 6,3 t de carne, 6,4 mil ovos, mil litros de óleo, 580 kg de café e 1,7 t de açúcar diariamente.
Calma que tem mais: havia também uma padaria e confeitaria, com 32 funcionários que produziam 76 mil pães por dia (!) para lanches e acompanhamento das refeições. Eles ainda faziam, ali mesmo, sobremesas como doces, bolos e tortas, consumindo mensalmente 40 mil kg de farinha de trigo, 650 kg de fermento, 3,7 mil kg de açúcar, 1,9 mil kg de margarina e 4,6 mil litros de leite.
Vamos lembrar que nos anos 1980 não existia e-mail, certo? Então toda a comunicação interna e externa era feita por meio de papéis. Aí, é claro, havia na Cidade VW um Posto de Correio que manipulava todo dia 148 mil correspondências. E 17 carteiros — ou melhor, mensageiros — coletavam e distribuíam esse material diariamente.
Uma cidade não vive sem banco, não é mesmo? Na da VW havia um posto central e quatro agências do Banco Nacional (aquele mesmo, do boné azul do Senna). Eram 15 mil correntistas e um movimento diário de 3 mil cheques descontados.
E como naqueles tempos também não havia celulares, além dos aparelhos telefônicos espalhados pelas mesas dos escritórios e áreas produtivas existiam oito orelhões instalados estrategicamente para uso de funcionários e visitantes. A Cidade VW tinha até a própria gráfica, onde eram impressos os manuais e outros materiais em 29 máquinas.
Essa estrutura monstruosa, é claro, não existe mais. E não se pode deixar de considerar que tudo o que foi citado até aqui correspondia a uma pequena parte do preço final dos carros. Mas, na época, a Cidade VW era um imenso orgulho industrial.
A partir dos anos 1990 entrou em cena a chamada terceirização, e as necessidades paralelas à fábrica (consideradas “não produtivas”) foram sendo entregues aos poucos a outras empresas fora da unidade. Além disso, foram construídas novas plantas, como as de São José dos Pinhais (PR) e São Carlos (SP), o que espalhou mais os trabalhadores. Com isso, vários prédios da Anchieta foram esvaziados e até demolidos.
Hoje são “apenas” 8,5 mil funcionários ali, quatro vezes menos do que nos anos 1980. Cidade? Não mais. Esse total de “habitantes” equivaleria, pelo Censo 2022, ao 398º lugar no ranking dos municípios paulistas, entre Monte Alegre do Sul e Santo Antônio do Aracanguá.
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Fonte: direitonews