Atualmente, 40 mil funcionários trabalham nos prédios da Esplanada projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, considerado um dos pais de Brasília. Outros 25 mil estão nos imóveis alugados em áreas vizinhas. Um estudo do Ministério da Economia feito há quase dois anos e que ficou engavetado na pasta mostra que todos poderiam trabalhar nos prédios públicos originais da construção da capital.
A maior fatia do bolo reservado a aluguéis milionários, porém, fica com as empresas da família Venâncio: ao menos R$ 38,2 milhões. O clã teve origem com Antônio Venâncio da Silva, um ex-lavrador de Assaré (CE) que começou a ganhar dinheiro ao comprar e depois revender a casa do Padre Cícero em Juazeiro. O empresário, porém, ficou milionário mesmo a partir dos primórdios de Brasília, cidade onde investiu na construção de shoppings.
A família Baracat, que veio de Ourinhos (SP) no começo da capital, é outra que lucra com aluguéis para o governo. O patriarca Miguel fornecia madeira para as obras de Brasília. Neste ano, os descendentes dele ganharão R$ 17,5 milhões do governo em aluguéis.
Entre os políticos que lucram com aluguéis está o ex-senador Paulo Octávio, hoje candidato do PSD ao governo do Distrito Federal. Em 2022, o Poder Executivo empenhou (isto é, reservou) ao menos R$ 23,7 milhões para pagar aluguéis e outras despesas relacionadas a imóveis do empresário.
Para empresas ligadas ao também ex-senador Luiz Estevão, estão reservados ao menos outros R$ 14,8 milhões. Estevão teve o mandato cassado em 2002, o primeiro da história do Senado, por envolvimento no caso Lalau, como ficou conhecido um esquema operado pelo juiz trabalhista Nicolau dos Santos Neto de desvio de recursos da construção do prédio do TRT em São Paulo, nos anos 1990. Por sua vez, o empresário Ramez Farah vai faturar R$ 12,7 milhões e o ex-senador Eunício Oliveira, do MDB do Ceará, R$ 6,1 milhões.
Batizado de “Relatório nº 2”, o estudo que propõe a volta dos servidores para a Esplanada foi elaborado por servidores da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério da Economia, no fim de março de 2020, ainda no começo da pandemia de covid-19. Os técnicos estimaram que, em média, cada servidor da região da administração federal no Plano Piloto tem para si uma área de trabalho de 17,8 metros quadrados – já incluídos aí todas as utilidades, como restaurantes, auditórios, berçários, salas de reunião etc.
O valor é muito maior que o padrão da iniciativa privada. É maior ainda que o determinado pelo próprio governo: a regra atual da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) exige que o Executivo considere de 6 a 9m² de área útil por pessoa, ao alugar um imóvel.
MODERNISTA
Projetados por Oscar Niemeyer nos anos 1950, muitos dos prédios enfileirados da Esplanada preservam o mobiliário modernista original, com pesadas divisórias em madeira escura e salas amplas. Segundo o relatório da equipe do ministro Paulo Guedes, a Esplanada poderia comportar mais 25 mil servidores se o espaço médio fosse reduzido de 17,8 m² para 11,2 m² por pessoa, um valor acima do utilizado nos escritórios atuais. ‘Com essa otimização, a Esplanada poderia comportar até 65.000 pessoas, aumentando em mais de 60% sua ocupação atual’, diz um trecho do documento.
O texto destaca ainda que esta otimização poderia representar uma economia de até R$ 700 milhões por ano. ‘Apesar dos fortes indícios de vantajosidade, a hipótese cogitada carece de análises mais detalhadas dos custos, benefícios e potencialidades técnicas, atividades que fogem ao escopo do estudo’, escreveram os autores.
TOMBAMENTO
Antonio Carpintero é professor aposentado do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), e especialista na história da cidade. Segundo ele, o tombamento da capital federal não impede mudanças no interior dos prédios. ‘Brasília é tombada como espaço urbano. O que é tombado é a carcaça. Dentro, você poderia mexer. Inclusive, as divisórias internas dos ministérios são de paredes leves. São divisórias de madeira. Pode-se mudar, desde o início (da construção)’. ‘Claro que o gabinete do ministro tem que ser mantido com uma certa amplitude, porque tem um papel de representação ali. Mas não tem nada absurdo na proposta de adensar o uso dos ministérios’.
‘Aliás, a construção de prédios para aluguel na W3 (avenida comercial) é em si mesmo um escândalo. A terra do Distrito Federal foi desapropriada para a construção (dos prédios públicos). Depois, é revendida para a iniciativa privada para ser então alugada novamente’, diz Carpintero.
Procurado, o Ministério da Economia não respondeu à reportagem. Disse apenas que o estudo foi elaborado em 2019, mas não foi atualizado.
ALTO LUXO
Em 2022, a lista de maiores gastos com aluguel é encabeçada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A agência reguladora está hoje instalada num prédio envidraçado às margens do Lago Paranoá, no Setor de Clubes Sul, da família Venâncio. Este ano, a agência reservou R$ 28 milhões para cobrir despesas relacionadas ao prédio, entre aluguel e condomínio, dos quais R$ 16,5 milhões já foram pagos. O prédio se chama Venâncio Green Building. Tem 12 anos e é inacessível por transporte público, contando com 141 vagas de garagem.
A última corporação brasiliense a adentrar o mercado de escritórios de alto padrão foi a Polícia Federal. Em junho passado, a PF mudou-se de sua antiga sede num prédio próprio, conhecido como ‘Máscara Negra’ para um edifício envidraçado na avenida W3 Norte, chamado Multibrasil Corporate da família Baracat.
Formado por quatro torres, o complexo tem 518 vagas de garagem, restaurante, auditório e academia de ginástica privativa. Com isto, as despesas saltaram de R$ 273,6 mil para R$ 1,2 milhão mensais – ou R$ 17,3 milhões por ano. Até agora, em 2022, já estão empenhados R$ 15,1 milhões para atender a essas despesas.
Mesmo com um prédio na Esplanada, o Ministério da Saúde aluga o prédio PO 700, erguido pelo empreiteiro Paulo Octávio na quadra 702 da Asa Norte. Vem daí o nome do edifício, projetado pelo arquiteto paulistano Ruy Ohtake. Em 2022, estão reservados R$ 15,9 milhões para despesas relacionadas ao prédio, que abriga também a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), fundação subordinada ao MS.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.