Opinião: novo carro “popular” não pode ser baseado em modelos baratos do passado


Os primeiros anos da década de 1960 foram atribulados. Inflação batendo na casa dos três dígitos, salário despencando, incerteza política e produção industrial estagnada. “Fulano deve estar em dificuldade, comprou um Teimoso” – eu usava calças curtas, mas lembro do comentário à mesa de jantar sobre a aquisição de um vizinho: um opaco e inodoro Willys Gordini Teimoso, melancólico representante da primeira onda de carros populares no Brasil.

O Teimoso era o carro mais em conta dentre o quarteto com nomes de personagens de pastelão mexicano (Profissional, apelido do Simca Chambord; Pracinha, da DKW Vemaguete; e Pé de Boi, o Fusca pelado).

Custava 3 milhões de cruzeiros, cerca de R$ 85 mil (atualizados pelo IGP-DI, índice que aqui será usado para todas as conversões) e, como todos os demais populares, tinha financiamento direto pela Caixa Econômica Federal com juros de 1% ao mês em até 48 parcelas.

Um Gordini custava 5 milhões de cruzeiros (hoje, R$ 142 mil), mas era equipado com bancos acolchoados e lanternas, itens dispensáveis no irmão pobre: os bancos eram uma espécie de cadeira de praia com armações de aço cobertas por uma capa de vinil. E uma solitária luz acima da placa traseira cumpria a função das luzes de freio e de posição – como não havia lanternas, a chave de seta era retirada.

Não tinha conforto, mas agilidade: pesava cerca de 700 kg, 80 kg a menos que o Gordini equipado, e vinha com o mesmo motor de 32 cv.

Trinta anos mais tarde, inflação de quatro dígitos, salário despencando, incerteza política e etc, me vejo ao volante de um Uno com motor Fiasa (o mesmo 1.050 de 51 cv que equipava o Fiat 147), com curso dos pistões reduzido em 3 mm para ter a capacidade cúbica rebaixada para 994 cm³ (48,5 cv). Com isso, recolhia o IPI simbólico de 0,1% para ser negociado por pouco mais de R$ 7,2 mil em valores da época, o equivalente a atuais R$ 77.700.

Retrovisor direito, encosto de cabeça, câmbio de cinco marchas e tampa do porta-luvas, entre outros itens de acabamento, eram opcionais. Foi o primeiro popular da segunda onda, iniciada em 1993, e recebeu o nome de Mille.

Com ele, vieram o Chevrolet Chevette Júnior com seus vidros delgados, o Ford Escort Hobby com sua morosidade, o VW Gol 1000. E ainda, o Fusca ressuscitado em 1993, depois de sete anos fora de linha, pelo então presidente Itamar Franco. A Kombi, com arquitetura mecânica igual à do Fusca 1.600, também seria agraciada, por conta de manobra política do fabricante.

Se os populares dos anos 1960 não passaram de tentativa frustrada para recuperar as vendas, os dos anos 1990 tiveram êxito: 45% de todos os automóveis vendidos desde então são 1.0. Mas revendo a história do carro popular, quando leio sobre a possibilidade de uma terceira onda de espartanos, o que me vem à cabeça é um hatch duas portas com motor um litro e o mínimo obrigatório de equipamentos.

E concluo que a melhor solução seria alterar esses parâmetros: em vez de privilegiar a capacidade cúbica do motor e o desconforto, que tal beneficiar a eficiência energética e a segurança?

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Fonte: direitonews

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