“Até a postura melancólica e solitária de Gorbachev nos últimos anos dá uma pista de que tipo de legado e não é um legado que ele gostaria de ter associado ao seu nome. Já nos últimos anos ele vinha demonstrando arrependimento por causa de algumas das suas políticas e insistindo que nunca tinha sido sua intenção promover a dissolução da União Soviética”, aponta Ianhez. “Outro elemento que nos ajuda a compreender esse legado é o fato de que ele é visto de maneira muito diferente no Ocidente e na Rússia no espaço pós-soviético.”
“É um momento em que ele cai no ostracismo, digamos assim, algo que na Rússia vem desde muito cedo. Já na década de 1990, o desempenho dele nas eleições foi terrível, já demonstra um descontentamento muito grande da população em relação a ele. De modo que seu legado é um legado dúbio. Gorbachev é tratado como um herói no Ocidente. Ainda que ele dissesse não ter a intenção de dissolver a União Soviética, ele praticamente entregou a Guerra Fria nas mãos do adversário, unilateralmente diminuindo as capacidades militares da União Soviética e abrindo mão da relação que a União Soviética tinha com seus aliados do Leste Europeu. Até hoje, algumas das consequências disso conseguimos observar, sendo o caso mais claro o conflito da Ucrânia, que tem sua raiz, justamente, no âmbito da OTAN e da reunificação alemã”, explica.
“Entre os liberais russos, o Yeltsin ainda é, até certo ponto, uma figura admirada, enquanto o Gorbachev é visto como um comunista que perdeu o trem da história”, indica. “E entre aqueles que simpatizam com a União Soviética ele é visto como um traidor. Há, inclusive, teorias da conspiração recorrentes no imaginário russo de que ele teria feito isso por interesse pessoal, que ele teria vendido o país por interesses financeiros, teses que não se sustentam no material que nós temos. Mas, de toda a forma, ressoa bastante entre alguns círculos aqui na Rússia.”
Improviso, ingenuidade e crítica pública da própria mãe
Engolido pelo monstro que criou
“Ele não pensou nas consequências de aliar uma reforma política a uma reforma econômica em um passo acelerado, em um período curto de tempo, e acabou criando seus próprios monstros. E um deles o engoliria: é o Boris Yeltsin”.
Tragédia de Chernobyl
“Ele vai adiar muito uma visita a Cuba, ele não lidava bem com a maioria dos líderes do bloco oriental, enquanto fez uma amizade com Margareth Thatcher, com o Bush pai, com o próprio Ronald Reagan, com quem sempre teve uma relação boa. Ele gostava desse papel midiático, dava frequentes entrevistas, saía na rua para ser fotografado junto ao povo. Algo que funcionou por um tempo na União Soviética, mas ele acaba se dedicando mais a viajar para o Ocidente. E, conforme as reformas afetavam a vida dos cidadãos soviéticos e ficava cada vez mais difícil para ele se apresentar como uma figura carismática dentro de casa, ele, a gente pode perceber, vai contando cada vez mais com essa popularidade que ele tem fora da União Soviética, que ele tem no Ocidente. [Isso chega] a um ponto que é visto como sendo ruim dentro da União Soviética. Porque parecia que ele estava apresentando um espetáculo ali para um outro público”, conclui o historiador.