CURITIBA, PR – Legalmente, o trabalhador não pode ser demitido por ter ou manifestar sua opinião política. Porém, em tempos de polarização, pode acontecer de o profissional ser surpreendido com uma dispensa sem justa causa, em que o empregador não detalha o motivo de sua decisão.
Dispensas ou represálias por conta de opinião política constituem prática discriminatória, contrária à Constituição Federal, que coloca como direito fundamental a livre manifestação do pensamento, sem privação de direitos por convicção política.
A advogada Graziela da Cruz Garcia explica que não cabe ao empregador interferir ou restringir o direito de seus empregados: “O empregado ter uma opinião política específica, ou mesmo falar de política com colegas de trabalho, ou se manifestar em suas redes sociais pessoais, não pode ser motivo para represálias, tampouco demissões.”
Demissões por motivos políticos também contrariam a Convenção 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), como lembra o advogado Rômulo Saraiva, colunista da Folha.
Para a OIT, distinção, exclusão ou preferência que impacte a igualdade de oportunidade ou tratamento no trabalho são consideradas discriminação por motivação política, repudiadas pela lei brasileira.
Apesar disso, em meio à polarização política vivida no Brasil, Saraiva recomenda cautela ao tratar destes temas no ambiente corporativo. “O país vive uma polarização e o radicalismo tem retirado o equilíbrio das pessoas em exporem seus pontos de vista, presencialmente, nas redes sociais ou em grupos de WhatsApp.”
Discurso ofensivo pode justificar demissão Porém, a situação pode ser outra se o discurso político vier atrelado a ofensas a colegas de trabalho e empregador, por exemplo. Glauco Marchezin, consultor trabalhista da IOB, afirma que nesse caso há possibilidade de punições disciplinares, como advertência, suspensões ou até a dispensa por justa causa, dependendo da gravidade.
Neste caso, cabe ao empregador ter comprovação, inclusive prova testemunhal do ofendido. “Caso o empregado venha reclamar na Justiça, caberá ao Poder Judiciário a decisão final se é cabível a rescisão por justa causa ou não.”
O consultor acrescenta que regras internas da empresa podem limitar certos tipos de manifestação. Um exemplo seria a proibição de posicionamentos políticos em email e documentos corporativos por serem ferramentas para o trabalho. “Por exemplo, uma comunicação realizada a clientes com posicionamento político contrário aos mesmos, que possam prejudicar a realização dos negócios.”
Segundo Marchezin, o empregador pode entrar em acordo com o empregado em relação a tudo que não seja contra a lei, contra decisões judiciais ou normas estabelecidas pelo sindicato da categoria, o que deve ser feito com cuidado e respeito ao direito constitucional do empregado de se manifestar politicamente.
O presidente da ABRH Brasil (Associação Brasileira de Recursos Humanos), Paulo Sardinha, ressalta que o problema é quando o funcionário falta com respeito e ética na empresa, como ao rejeitar agressivamente outras opiniões. “Mas aí não é sobre política, é sobre tudo, respeito, ética e olhar para normas e condutas da empresa.”
Neste caso, o que muitas vezes acontece é que, antes de recorrer à demissão, o funcionário ser orientado com uma advertência para tentar preservar o vínculo. “O RH tem esse papel de tentar trazer um ponto de equilíbrio, para que as coisas caminhem sem prejuízo, sem discriminação e sem favorecimento”, conclui Sardinha.
Opiniões políticas podem interferir em processos seletivos? Se ficar comprovado que o candidato não foi aprovado em processo seletivo por sua opinião política, a empresa pode ser questionada judicialmente, com a possibilidade de indenização por danos morais.
“Entretanto, em ambas as situações, ou seja, durante o contrato ou mesmo na fase pré-contratual, no processo seletivo, o empregado ou candidato a empregado poderá ter dificuldade em provar a conduta discriminatória da empresa”, explica Garcia.
Fui demitido por opinião política. E agora? Neste caso, há possibilidade de pedir reparação do dano por via judicial.
“Para que se comprove o fato, poderão ser utilizadas todas as formas de prova aceitas pela Justiça, como por exemplo, documentos ou testemunhas”, diz Marchezin. Além disso, emails, conversas no celular ou nas redes sociais também são citadas por Saraiva como possíveis provas.
Caso seja comprovada a dispensa discriminatória ou demonstrada perseguição política, a empresa pode ser condenada a pagamento de indenização por danos morais, por exemplo. Garcia cita caso julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região em 2015 em que o empregado foi demitido sem justa causa após manifestar convicções políticas.