Via @portalmigalhas | A 12ª câmara de Direito Criminal do TJ/SP cassou decisão que homologou arquivamento de inquérito policial que apurava suposta apropriação indébita de R$ 2,4 milhões por parte de advogados que não teriam, em tese, repassado valores levantados judicialmente ao seu cliente.
Para o colegiado, o arquivamento foi realizado mesmo diante de pedido de diligências essenciais que poderiam esclarecer inconsistências.
Consta nos autos que uma empresa contratou um escritório de advocacia para ajuizar ação cível de restituição, com o fim de obter o ressarcimento de valores indevidamente recolhidos a título de tarifa de fornecimento de água e coleta de esgoto, no período de 1983 a 1996, pela Sabesp.
Julgada parcialmente procedente a ação, foi determinado restituição de R$ 2.495.079,03, com a expedição de três mandados de levantamento judicial em favor da empresa durante a fase de cumprimento provisório de sentença.
Em inquérito policial instaurado para apuração de suposto crime de apropriação indébita, foram ouvidos a contadora e o representante da empresa, tendo ambos afirmado que os advogados não repassaram os valores recebidos em virtude dos mandados de levantamento judicial.
O representante afirmou que o valor não foi repassado pelos advogados e que soube do ganho da ação somente cerca de um ano antes de seu depoimento à polícia.
Um dos advogados disse que, embora a ação tenha sido ajuizada em nome da empresa, os créditos devidos pertenceriam à então locatária do imóvel, por isso a ela foram repassados os valores. Contudo, consta no acórdão do TJ que o advogado não teria apresentado nenhuma comprovação da transferência.
O diretor jurídico da locatária do imóvel, por sua vez, confirmou ter obtido o repasse de todos os valores levantados, sendo o último deles em 2016, oportunidade em que teria entrado em contato com o escritório de advocacia, recebido o repasse de valores e a respectiva prestação de contas.
O Ministério Público representou pelo arquivamento e o pedido foi atendido.
Diligências essenciais
Ao analisar mandado de segurança, o relator, desembargador João Morenghi, observou que “nenhum documento apto a demonstrar o recebimento dos valores foi juntado pelos investigados ou testemunhas”.
Para o magistrado, os elementos informativos indicam ser prematuro o arquivamento promovido pelo órgão do parquet, “porque realizado mesmo diante de requerimento pelo ofendido de diligências essenciais que, em tese, poderiam melhor esclarecer as inconsistências apontadas”.
“Evidente que não se pode afastar prerrogativa do Ministério Público como titular da ação penal pública, mas também não se pode olvidar que o art. 14 do Código de Processo Penal assegura que ‘o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade’.”
O relator considerou que restou demonstrada a ofensa ao direito líquido e certo do ofendido em ver realizadas diligências adicionais para busca o esclarecimento sobre possível fato criminoso e sua autoria, “sendo indispensável o controle do manifestamente ilegal ato de homologação do pedido de arquivamento”.
Assim, concedeu o mandado de segurança para cassar os efeitos da decisão de homologação de arquivamento do inquérito policial, determinando-se a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça para a revisão do pedido de arquivamento.
O advogado Leonardo Magalhães Avelar, do Avelar Advogados, que representou o impetrante do writ no mandado de segurança, esclareceu que “o acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça é um primor técnico e deve ser considerado um paradigma sobre o direito de a vítima requerer diligência essencial à elucidação dos fatos na fase do inquérito policial”.
- Processo: 2220676-82.2022.8.26.0000
Veja o acórdão.